Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Tereza Cruvinel

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PRESIDENTE PERSEGUIDO

"FH: ?Chega de fascismo?", copyright O Globo, 23/05/01

"A gota que faltava no pote de mágoas de FH foi a reportagem da revista ?Veja? sugerindo que, ao demitir Chico Lopes, soubesse que o então presidente do BC fora chantageado por Salvatore Cacciola para obter socorro. Em conversa ontem por telefone, FH abriu as comportas num misto de protesto e desabafo.

– Não posso aceitar o pressuposto de que abafei um crime. A leviandade da imprensa e o golpismo sem armas da oposição estão criando um clima de fascismo e terror insuportável. Não para mim, que tenho até instrumentos psicológicos para resistir. Quem pode não suportar é o país, é a democracia.

Lembra o recente programa eleitoral do PT, que fala de corrupção tendo como cena de fundo ratos roendo a Bandeira Nacional.

– Eu poderia ter ido à televisão acusá-los de fazer propaganda nazista. Essa imagem foi usada por Hitler. Não fiz isso, a luta política tem que ter limites.

Limite, acrescenta, é o que tem faltado nas investidas constantes contra o governo. Acabam de criar a lenda, diz ainda, de que o governo comprou deputados para abafar a CPI da Corrução, quando o que houve foi luta política legítima. Recorda o dossiê Cayman, cuja montagem foi mostrada esta semana em reportagem da revista ?Época?. Nem pôde saborear, tem aí o alarido Marka, outra tentativa de CPI, Malan depondo no Senado…

– As tripas do governo estão abertas, tudo continuará sendo investigado. Continuarei garantindo a liberdade dos que me atacam, mas não vou aceitar que tentem me chamar de corrupto. O PT quer outra CPI? Por que não a CPI do Lixo, a CPI do esquema do Lula nas prefeituras petistas? Quer saber? Quando terminar meu mandato, terei que trabalhar, fazer conferências ou escrever para sobreviver.

Tudo o que ?Veja? denuncia, diz retomando o caso Marka, está no inquérito da Polícia Federal, exceto duas novidades que a seu ver só convencem os tolos e os mal-intencionados. Uma, o grampo que Cacciola teria mandado fazer em telefones celulares do esquema de Lopes. Qualquer amador sabe que não se grampeia celular. Outra, o fato de Cacciola ter quebrado mesmo sendo cliente do esquema.

– E as fitas? Cadê as fitas? Se existem, vão ter que aparecer. Ao contrário deles, não acuso sem provas. Posso dizer que Chico é um estúpido, mas não que seja um canalha. Foi demitido porque fez tudo errado na operação da banda diagonal endógena. Ninguém vai me fazer refém dos poréns e dos bandidos, do Telmo, do Cacciola, do Oscar de Barros, da turma de Miami…

Recapitula os fatos de janeiro de 1999 para voltar ao presente acidentado:

– Isso passou dos limites. Só neste ambiente neo-udenista contaminado, onde basta insinuar, onde se escreve o que se deseja, pode surgir a estarrecedora suposição de que nomeei e mantive no cargo uma pessoa que sabia desonesta e sujeita a chantagem.

Voltando a falar da oposição e do denuncismo, invoca a fase sanguinária da Revolução Francesa:

– A oposição quer este clima de Convenção, de Terror, como atalho para chegar ao poder. Assim não chegará. Quem pede cabeça um dia entrega a sua. Temos um exemplo na praça.

Refere-se naturalmente ao senador ACM. Lembro-lhe de que o denuncismo da oposição só prosperou quando engrossado por gente de sua própria base. Concorda e faz a conhecida digressão sobre a aliança.

– Precisei avançar com o atraso, uma ironia da História. Mas sem a aliança não teria governado, o país não teria mudado. O que não pode continuar é este ambiente termidoriano, e não por mim, ou por minha biografia, mas pela democracia. Sinto-me nos anos 70. Querem o quê? Acham que a democracia resistirá até onde? Até onde querem levar o povo a descrer das instituições? A luz amarela está se acendendo. Se a eleição ocorrer neste clima, quem vai segurar o país? Quem segura o mercado?

Pergunto se está dizendo que o mercado não assimilaria a hipótese de alternância no poder.

– Alternância houve na Argentina, no México, no Chile. Mas a oposição jogou o jogo democrático, não partiu para a conflagração moral e a instabilidade..

A irritação com o PT é grande:

– O Brizola já disse que o PT era a UDN de macacão. Agora, estão na classe média, a roupa é outra. Mas tentem ganhar a eleição com um programa. Lula não chegará ao Alvorada com CPIs. Convidei-o a ir lá duas vezes, disse-lhe que era importante o diálogo, inclusive porque ele poderia vir a ser presidente. O que ele fez? Distorceu parte da conversa e inventou um terceiro convite, que não fiz, e que ele teria recusado. Agora ele não chegará lá, não. Jogou fora suas oportunidades.

Sobram queixas também para o Ministério Público e o Judiciário:

– Quatro juristas, ex-amigos, entraram com um pedido de impeachment contra mim. Vazio, sem fundamento. Baseiam-se no que disse a imprensa, e a imprensa diz o que quer. O Ministério Público é fundamental, mas tem seus nichos, procuradores perseguindo a prova que nunca encontrarão. Agora há magistrados dando entrevistas sobre temas que não foram ainda chamados a julgar. O que é isso? Coisas fora do lugar. Alguém protesta, aponta o absurdo? Ninguém.

Seu governo, diz por fim, resistirá. Um outro, não sabe. A democracia, com a corda tão esticada, com as instituições desacreditadas, não sabe até quando.

– Não calarei ninguém, não farei um gesto de força. Torçam contra mim, não contra o pais. Não ponham rato a roer a bandeira. Chega de fascismo e de terror moral.

Cabe perguntar se ataque mais danoso ao governo não será o racionamento, um palanque montado pelo próprio governo.

– Isso passa, o povo está colaborando, choverá em setembro, haverá muita luz no Natal, se Deus quiser."

***

"FH: A oposição contra-ataca", copyright O Globo, 24/05/01

"A diatribe do presidente FH contra o denuncismo e o que chamou de ?clima fascista? uniu a oposição num contra-ataque não menos agressivo. ?Não vou bater boca com o chefe de um governo decrépito?, disse Lula, da China. Mas FH agradou a seus aliados que cobravam uma ofensiva.

Cabe, antes da seqüência de protestos, que vão de Ciro Gomes, do PPS, ao PCdoB, destacar um ponto do desabafo de FH com que todos concordam, embora não quanto à origem e à responsabilidade: a desmoralização da política e de seus atores desacredita as instituições e enfraquece, por decorrência, a democracia. A diferença é que, se para o presidente o risco nasce da prática denunciatória da oposição e da imprensa, para seus adversários ele ajudou a construir o risco, evitando a apuração cabal, o que acabou produzindo o acúmulo de suspeitas e casos mal resolvidos.

O PT, que foi mais atacado, na nota indignada que passou por Lula e José Dirceu na China (e irritou FH), diz, entre outros revides: ?Cabe registrar que realmente há perigo de crise institucional e ameaças à democracia, ressaltando no entanto que o principal é FHC, chefe de um governo que esteriliza o Legislativo, a poder de MPs, e que conduziu o país a uma fase de trevas…?

Ciro Gomes pegou-se também neste ponto:

– Mentira. Ele (FH) piorou até em sua capacidade de mentir. As agências de rating apontam a fragilidade econômica do Brasil, mas ressalvam a saúde das instituições. As instituições vão bem, quem vai de mal a pior é o governo. Eu nunca o chamei de corrupto, só de complacente, mas o clima de mar de lama cresceu por falta de apuração.

Miro Teixeira, líder do PDT, desafia o presidente a apontar uma só denúncia falsa, como Cayman, apresentada pelas oposições. O diálogo, diz ele, foi interditado por iniciativas desastrosas do governo, como a reforma da Previdência, que produziu ?o absurdo de introduzir uma cifra na Constituição?, o teto de R$ 1.200, e a administrativa, tão estúpida que nunca pôde ser regulamentada, apesar dos danos causados ao serviço público. As referências ao risco democrático o intrigaram:

– Precisamos saber claramente de que fala o presidente. De pressões que estaria sofrendo para alterar as regras sucessórias? ?A luz amarela está se acendendo? foi uma metáfora infeliz, quando há falta de luz, mas essas advertências é que foram relevantes.

Ignácio Arruda, líder do PCdoB, completa a corrente de protestos:

– O governo FH semeou a idéia fascista de que é insubstituível, o terror do mercado e a descrença na política. Colhe agora os ventos da ira popular.

José Genoino, presidente em exercício do PT, é cobrado a explicar a propaganda com os ratos na Bandeira Nacional:

– Os ratos não foram comparados a ninguém especificamente. Foi uma metáfora. Mais que a bandeira, a política de FH ofende a auto-estima nacional, semeia a descrença.

Ratos à parte, entre tantas iradas reações, não faltaram ressalvas quanto à sua honra pessoal, se faz bem ao presidente. Muitíssimos leitores trataram de seu desabafo por e-mails. Muitos protestaram, mas muitos também concordaram com seu ataque ao denuncismo. Os tucanos gostaram.

– Foi muito bom. Um soco verbal necessário – disse o líder Arthur Virgílio, outro pugilista da palavra.Ciro e Tasso defenderam pena menor para ACM. Tucanos voltam a desconfiar de que jogam juntos. E também de que Ciro vai assediar o PSDB, através do vice petebista Mares Guia.

Sem surpresa

Cumpriu-se o previsto. ACM e Arruda foram condenados por absoluta maioria dos membros do Conselho de Ética do Senado a enfrentar o processo de cassação. O segundo que o Senado instaura depois de uma vida perdoando seus pares: Humberto Lucena, Ernandes Amorim, Ronaldo Aragão, entre os casos mais recentes. No Conselho de Ética, com voto aberto, a pressão da opinião pública falou alto, mas mesmo assim três senadores votaram com o relator Saturnino Braga fazendo reparos ao processo.

Nada garante, porém, que o mesmo resultado esteja garantido no plenário. Ali, o voto será secreto por determinação constitucional, e isso reduzirá o temor da cobrança popular. O ambiente político está mudando, há um drama que fala mais diretamente ao cotidiano: o racionamento. O caso continuará em cartaz por mais 15 ou 20 dias, uma sobrevida que pode até não significar nada para Arruda e ACM. Mas eles apostarão nela, partindo agora para um corpo-a-corpo agressivo no conjunto de senadores.

O SENADOR SUPLICY recorda: quando falou no Senado em 1999, o ministro Malan não fez reparos à competência técnica de Chico Lopes, que segundo FH, caiu porque fez tudo errado. ?Espero que desta vez Malan nos revele o diálogo que teve com o presidente quando pediu a demissão de Lopes. Da outra vez, ele recusou-se?, diz Suplicy."

"Fumaças de uma cabeça quente", copyright O Globo, 24/05/01

"Desabafos costumam ser a forma mais segura de expressar a raiva que vai n?alma: é sempre melhor soltar o verbo do que deixar que a irritação comande o comportamento.

Portanto, ainda bem que o presidente telefonou para a jornalista. Mas convém analisar de cabeça fria o que Fernando Henrique disse de cabeça quente – porque ele tem razão em muitas coisas, e também para não deixar passar algo que está implícito em suas queixas e que é perigoso demais para passar sem reparo.

Como começo de conversa, vamos esquecer por um momento essa história de que jornalistas não devem falar mal de jornalistas (porque não fica bem, parece despeito e acaba supervalorizando o concorrente). Então: por alguma razão desconhecida, a reportagem da ?Veja? sobre Chico Lopes foi publicada antes de estar pronta. As afirmações essenciais não estão amparadas em provas e praticamente a revista pede ao leitor que lhe dê um crédito de confiança. Na gíria de redação, publicaram a pauta; ou seja, as premissas, desacompanhadas de conclusões. Nada impede que as suspeitas adiante se confirmem, mas jornalismo não é aposta.

Num momento ou outro todos os jornais e revistas da praça já fizeram isso. Por precipitação, erro de cálculo, inadvertência, certeza moral – todo mundo já caiu na tentação. Os efeitos podem ser terríveis: impressiona como as pessoas atribuem credibilidade não à substância do que estão lendo e sim ao fato de que é algo impresso em letra de fôrma. Por isso, o presidente está certo em reclamar, da reportagem e da repercussão. E o pedido de impeachment apresentado por um grupo de advogados, tendo como base apenas notícias de jornal, também merecia o piche: é a variante jurídica da publicação da pauta.

Finalmente, Fernando Henrique tem razão em criticar a sofreguidão do Ministério Público, não pela pressa em abrir processos sobre corrupção e outros abusos – um entusiasmo que Deus conserve – mas pelo comportamento daqueles procuradores que usam a indiscrição como uma espécie de garantia de que os processos cheguem a termo.

Tudo isso reconhecido, chega-se à parte perigosa da descompostura presidencial. Ele praticamente denuncia uma conspiração nacional. Se não é de propósito, isso não lhe altera o efeito. Ou seja, a imprensa, os juristas (não sei por que esqueceu os bispos), os promotores, seriam todos linha auxiliar de um complô da oposição, que procura chegar ao poder com uma estratégia de denuncismo generalizado. No que ele chama de ?ambiente neo-udenista contaminado?, os conspiradores procurariam levar o povo a perder a fé nas instituições – produzindo a desmoralização da própria democracia.

O passado de Fernando Henrique obriga que se acredite quando ele diz que, na defesa contra esse risco, não fará ou tentará ?um gesto de força?. É tranqüilizador que não seja um Fujimori, mas não basta: o desabafo generaliza demais. Na visão do Planalto, não existe uma imprensa que erra, e sim uma imprensa definida, toda ela, como leviana. Não há excessos de oposicionistas, e sim um ?golpismo sem armas da oposição?. É uma denúncia tão exagerada quanto arriscada: funciona a favor da exacerbação que irrita tanto o presidente. Pode dar recheio a um discurso golpista (há quanto tempo não se usa essa palavra?), sabe-se lá na boca de quem. Ou alimentar a retórica justamente de quem está dizendo que o governo Fernando Henrique acabou e catastrofismos semelhantes.

Parece mais sensato constatar que nem o governo acabou nem a democracia está no CTI. Há no aparelho estatal um contingente de desonestos e um batalhão de incompetentes – igualando o Brasil a algumas das mais sólidas democracias do Primeiro Mundo (com a desvantagem de que aqui o país ainda não está pronto) – mas nem a desonestidade nem a incompetência paralisaram as instituições. Paralelamente, jornalistas, promotores, juristas, políticos (e os bispos) também têm perfil falível, mas isso não é razão para considerá-los ameaças à democracia. Tenha o governo a inteligência e, se fizerem questão, a decência, de não ver cabalas por todos os cantos.

O desabafo vale como desabafo, aceito como episódio emocional, catarse necessária. Mas é bom que não se transforme no discurso único, ou preferido, do Palácio do Planalto. (LUIZ GARCIA é jornalista)"

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