Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Valor destaca vazamento
de relatório na internet

O jornal Valor Econômico quebrou o silêncio. Enquanto todos os demais veículos impressos esconderam a notícia, o diário especializado em notícia sobre economia deu, na edição de quarta-feira (16/7) um abre de página, em seis colunas, para o vazamento na internet da íntegra do relatório da Polícia Federal sobre o inquérito que investiga os supostos ilícitos cometidos pelo banqueiro Daniel Dantas.


A reportagem publicada no Valor não discute a legalidade da publicação, no site Consultor Jurídico, do documento vazado nem procura descobrir que foi o vazador, mas aponta o caráter sigiloso do material. Já é um bom começo. Até agora, os jornais impressos têm simplesmente ignorado as informações disponíveis na blogosfera.


É bem verdade que boa parte do que aparece nos blogs é ‘matéria paga’ por alguma das partes interessadas na guerra comercial travada por trás do escândalo, que tem a fusão da Oi com a Brasil Telecom como pano de fundo, ou carrega a marca das paixões político-partidárias. Ainda assim, não custaria muito esforço das redações checar e reportar as boas informações que acabam aparecendo na blogosfera. Basta separar o joio do trigo e muita informação até agora inédita poderia ser aproveitada.


Além disto, os responsáveis pela pauta dos impressos precisam entender que o seu público é também formado por internautas. Gente que busca notícias na rede mundial e, no dia seguinte, vai espiar no papel a confirmação do que viu na web. Se o jornal ignora os blogs, os fóruns de discussões, os sites noticiosos, perde contato com uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das pessoas. Em outras palavras, arrisca-se a perder público. Ao que parece, a redação do Valor está um pouco mais antenada do que as demais.


PS em 18/07: A edição de quinta-feira (17/7) do Valor Econômico trouxe um novo texto sobre a questão dos vazamentos, desta vez abordando a tentativa dos senadores Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), autor de projeto de Lei que aumenta o rigor contra grampos ilegais e pune os vazadores, e Expedito Júnior (PR-RO), que apresentou emenda criando punição  também para quem publica informação obtida por meio de vazamentos. Se esta discussão sobre os vazamentos e grampos (legais e ilegais) sair do âmbito do Congresso e da blogosfera, a opinião pública só tem a ganhar. É preciso que outros jornais copiem a iniciativa do Valor e pautem este debate, do contrário ou o Congresso aprova uma lei exdrúxula ou deixa o assunto morrer e não aprova lei nenhuma.   


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Valor Econômico


Relatório da escuta da PF vaza na internet, copyright Valor Econômico, 16/7/2008


‘Estavam disponíveis na íntegra, ontem, no site do Consultor Jurídico, as 210 páginas de transcrição de telefonemas grampeados pela Polícia Federal no âmbito das investigações do grupo Opportunity que levaram à prisão, na semana passada, do investidor Daniel Dantas, dentre várias outras pessoas.


Sob o selo de sigiloso, o texto colocado ao alcance de todos os internautas descreve diálogos de pessoas envolvidas e não envolvidas no universo das investigações e traz a lista de todos os investidores no Opportunity Fund, constituído nas ilhas Cayman para investidores estrangeiros. Os nomes elencados no disco rígido apreendido no Opportunity, porém, são de empresas e pessoas físicas brasileiras, o que, diz o relatório, se constituiria crime de evasão de divisas. As 84 contas de cotistas do fundo offshore teriam movimentado US$ 1,97 bilhão entre 10 de dezembro de 1992 e 23 de junho de 2004, conforme descrito nos texto sobre as investigações.


Conforme laudo 1773/2008, isso ‘conseguiu demonstrar que alguns cotistas brasileiros do Opportunity Fund que foram indicados na tabela (…) permaneceram com valores investidos no ano de 2003 e, com base em informações fornecidas pela Receita Federal e Bacen, comprovou que os valores não foram declarados e que foram remetidos ilegalmente para o exterior, havendo suspeitas de utilização de doleiros’, diz o texto. Conforme legislação vigente até 2006, o fundo não poderia ter recebido subscrição de cotas por brasileiros. As investigações concluem ainda que os administradores do fundo tinham total conhecimento dessa restrição e que os seus clientes eram brasileiros.


Há, no documento disponibilizado na internet, o relato do que se supõe que sejam os crimes e uma análise síntese que, por descuido, leva a erros e confusões. Exemplo disso é a transcrição de um diálogo entre Arthur Carvalho e Guilherme Martins, ambos do Opportunity, a respeito de um debate, no Senado, envolvendo o senador Heráclito Fortes (DEM). ‘Disse que o Heráclito se dirigiu a Ideli (senadora Ideli Salvatti, do PT) quatro vezes dizendo que ela estava a serviço do Daniel Dantas…’, diz Carvalho. Heráclito é um político identificado como próximo a Dantas e, portanto, não caberia estar argumentando contra um projeto aparentemente de interesse do banqueiro. ‘Rapaz, eu não sei…mas ele….a briga dele com a Ideli suplanta qualquer coisa, é política’, responde Martins. Prosseguindo na conversa, Guilherme Martins diz que a Kátia (possivelmente a senadora Kátia Abreu, do DEM-TO) estaria, nessa votação, arregimentando votos, ao que Carvalho acrescenta: ‘Eu sei, eu disse isso a ele, eu recebi a informação de que ela estava recebendo R$ 2 milhões da OAS, pronto…’. Ao final da conversa, na análise da PF, consta o seguinte entendimento que diverge do material da escuta: ‘Arthur (Carvalho) afirma que lhe chegou a informação de que a senadora Ideli teria recebido R$ 2 milhões da OAS’.


O texto descreve várias conversas de jornalistas com Dantas ou de funcionários do grupo Opportunity entre si, mencionando nomes de jornalistas. Há um capítulo relativo à ‘Manipulação da Mídia’ onde os policiais concluem que ‘em certas oportunidades é travada uma verdadeira batalha psicológica por meio dos órgãos de imprensa, os quais deveriam apresentar uma opinião isenta, mas, na verdade, encontram-se totalmente corrompidos, utilizados como instrumentos servindo aos interesses dos criminosos’. Numa troca de e-mails entre funcionários do banco, também capturado pelos investigadores da polícia, há inclusive pedido de ‘orçamento das notícias abaixo’ para três órgãos de mídia, o que confirmaria, segundo os investigadores, que ‘os meios de comunicação tem servido aos interesses daqueles que os controlam e financiam, o que fere a ética e a moral do bom jornalismo’.’


 


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Raquel Ulhôa e Thiago Vitale Jaime


‘Caso apressa projeto de lei sobre grampo’, copyright Valor Econômico, 17/07/08


‘A divulgação de conversas telefônicas gravadas pela Polícia Federal com autorização judicial durante a Operação Satiagraha apressou a tramitação no Senado de um projeto de lei que torna mais rigorosa a autorização para interceptação telefônica.  O projeto também aumenta a pena para o grampo ilegal e pune com mais rigor responsáveis por vazamentos.


O autor do projeto é Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), mas emenda de Expedito Júnior (PR-RO) criminaliza também a divulgação, por meio da imprensa, de conteúdo de gravações telefônicas mantidas sob segredo de justiça.  A pena para o profissional de comunicação é reclusão de dois a cinco anos e multa – a mesma para interceptação ilegal e vazamento de informação protegida por sigilo.  A pena é aumentada de um terço até a metade se o crime é praticado por funcionário público.


O parecer favorável do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) ao projeto foi incluído na pauta de ontem pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Marco Maciel (DEM-PE), em meio à polêmica do vazamento do grampo da Satiagraha.  A proposta foi discutida, mas a votação ficou para agosto, após o recesso legislativo.


Jarbas discorda da criminalização dos meios de comunicação e vai pedir que a emenda seja retirada.  Para ele, a proposta fere a liberdade de imprensa.  O pemedebista disse que sua intenção, ao apresentar a proposta em setembro de 2007, era a mesma de agora: evitar o ‘Estado policialesco’, em que todos podem ser grampeados.  ‘Não estou criando obstáculos às investigações e, sim, disciplina.’


Pelo projeto, a interceptação só pode ser autorizada em caso de investigação de crime com pena mínima igual ou superior a um ano.  A lei atual (9.296, de 1996) fala apenas em infração penal punida no máximo com pena de detenção.


A proposta exige que o pedido de interceptação determine qual é o crime investigado e contenha a relação dos números dos telefones, além do nome do policial responsável pela execução ou acompanhamento da ação.  Hoje, nada disso é necessário.  Pedido verbal só será permitido quando a vida de uma pessoa estiver em risco.


Na Câmara, o presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP) disse ontem ser favorável à votação de um projeto de lei sobre o tema em agosto.  Proposta do senador Pedro Simon (PMDB-RS) já foi aprovada nas comissões e está pronta para ir a plenário.  ‘Talvez seja o momento de colocá-la em votação’, disse.  O líder do DEM, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), pede cautela.  ‘Sempre que o Congresso age no calor dos acontecimentos, as propostas não caminham bem.  Temos de debater isso em outro momento’, afirmou.’

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Blog do autor: Entrelinhas