Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Wilson Figueiredo

‘Bebidas são problemas republicanos hereditários. Desde Roma, pior do que não aprender a beber é não saber governar. Não é o caso: o presidente Lula conseguiu dar um tiro no pé por susto. Mirou o repórter americano mas o efeito político recaiu com estrondo sobre o governo. E fez um estrago do qual apenas a oposição se saiu bem, na defesa do presidente na primeira fase. Os tempos modernos preferem governantes descartáveis a soberanos que ficam fora do alcance do voto direto do cidadão. Entre nós, Pedro I foi femeeiro irrecuperável mas dele não se sabe a respeito de bebidas. Mulher e bebida são especialidades autônomas e incompatíveis. O toque romântico do século 20 ficou por conta do rei Eduardo VIII: desistiu do trono inglês pelo amor de uma mulher com quem não poderia casar-se, por ser divorciada. Por isso ou por outra razão, apegou-se a bebidas à margem da história.

Winston Churchill , também inglês, foi a mais valiosa figura de estadista do seu tempo. Bom de frases e de copo. Uma garrafa de conhaque ou de uísque, por dia, sem prejuízo do seu desempenho. Discreteando a respeito de bebidas, um ilustre interlocutor disse que se sentia 100% sem beber. Churchill deu o troco: bebia e se sentia 200% bem.

No Brasil, Jânio Quadros – antes, durante e depois de passar pela Presidência da República – era carinhosamente citado como amigo fiel de bebida forte. Nunca, em qualquer dos níveis de governo que exerceu, se sentiu ofendido por ser lembrado como amigo de ‘eau de vie’, mesmo na versão nacional. Qualquer uma, fermentada ou destilada, o atendia. Certa vez queixou-se ao repórter Joel Silveira da ressaca que o acossava naquela manhã. Logo de uísque, que honrava com a sua lealdade. Ocorreu a Joel perguntar se já havia indagado ao uísque se também gostava dele. Jânio considerou boa a idéia e observou: ‘Como é que nunca me lembrei disso?’

JK sofreu nas mãos do udenismo mais jacobino. Em mesa em que estivesse, desde o tempo de prefeito de Belo Horizonte, não ficava garrafa de água mineral ou guaraná. Juscelino apreciava com prudência uma taça de champanha. Uísque só se fosse para ocupar a mão. Relacionava-se apenas socialmente com bebidas.

A verdade é que ninguém pode dizer, em sã consciência, que a bebida represente risco para a democracia, mesmo no Brasil. Um mandato eletivo – em especial o de presidente – paira acima de tudo. Com maioria absoluta, então, nem se fala. Falava-se, e vai-se continuar falando, é que o presidente Lula é bom de copo. E nacionalista até a última gota, com preferência pelo produto nacional. Mas o destilado é o pedestal do bom bebedor. O eleitor admira quem sabe beber. Não é por beber ou deixar de beber que a reeleição de Lula estará em questão. Assim que for possível, convém fazer um brinde à liberdade de imprensa. Só pode ter sido equívoco o que se passou.

A responsabilidade foi assumido pelo The New York Times, antes que a repercussão provocada pelo Planalto desse a volta ao mundo e desembarcasse no Brasil. Houve quem contraísse dívida a perder de vista com declarações para agradar Lula, mas impensadas. Escorregaram na maionese. Fez lembrar a votação do AI.5, que nada teve a ver com a democracia.

Governante beber em momentos de depressão política faz parte do jogo. O ato de beber, como avião que chega na hora, não é notícia. A bem da verdade, a oposição – por outras razões – também não faz da abstinência um compromisso.

Na República Velha, de colarinho alto, bebia-se e fazia-se retórica com mais pudor. Na segunda metade do século 20, o general Góis Monteiro, com preferência pelos destilados, no exercício do mandato de senador (por Alagoas, seja lembrado), pedia ao garçom que lhe servisse no plenário, em xícara de chá, uísque da mesma cor. Roberto Campos, sempre na mira dos estatizantes em geral e dos nacionalistas em particular, para não dar argumentos aos adversários não deixava ser visto na televisão nem com copo de água mineral que contivesse cubos de gelo.

Nos bons tempos sindicais, Lula tinha boa reputação junto aos destilados fortes. Mas era nacionalista. Não confirmou, depois de eleito, o receio de uma guinada entreguista em matéria de destilados.

Alguém precisa defender e honrar o produto nacional. Não consta que o presidente tenha perdido o prumo ou a voz. Nem se apresentado com o cocar que é símbolo político entre os índios. Nem que tenha levantado brindes com o cauim.’



Mauro Santayana

‘O caso New York Times’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 14/05/04

‘Queira Deus que o desacerto cometido pelo governo Lula, ao decidir a expulsão do jornalista Larry Rohter, não deixe mais seqüelas do que aquelas já registradas. Uma análise mais serena da situação demonstra que, infelizmente, está faltando política na administração do Estado. O governo reagiu com emoção, sem o tempero da razão. Elevou-se ao quadrado um episódio menor, transformando em crise de Estado e em questão diplomática uma matéria incômoda, mas que poderia ter sido tratada com habilidade.

Recordo-me, a propósito, das relações entre o jornalista Tarso de Castro e Tancredo Neves. Tarso escrevia regularmente contra Tancredo, na Folha de S. Paulo. Seu texto agressivo chegou ao cúmulo de dizer que o político mineiro não devia ter herdado a caneta de Getúlio, mas sim a sua pistola, para que pudesse repetir o gesto do grande presidente. Quando eu me encontrava com Tarso, com quem tinha as melhores relações, sempre lhe dizia que era preciso conhecer melhor a vítima de sua peçonha. Tarso, como era de seu estilo, sorria, e continuava despejando a sua raiva.

Uma noite, em que Tancredo, no governo de Minas, recebia algumas pessoas na residência oficial, em Belo Horizonte, José Aparecido surgiu de repente, ao lado de Tarso. Tancredo recebeu o jornalista como se não houvesse lido uma só linha de suas agressões. Quando todos já se despediam, Tancredo fez questão de que Tarso continuasse. E Tancredo, que passara a noite fingindo que bebia, serviu uísque ao jornalista, serviu-se também e conversou demoradamente sobre Getúlio e Jango, que eram ídolos de Tarso, além de elogiar os gaúchos e relembrar a saga dos chimangos e maragatos.

Dois dias depois, o jornalista Otávio Frias, pai, que adorava a irreverência de Tarso, perguntou-me que uísque Tancredo servira a Tarso. ‘Ele voltou encantado com Tancredo. Você vai ver.’ Ele tinha razão. Tarso se tornou um dos mais apaixonados e independentes defensores do governador. Se Lula houvesse convidado Larry Rohter para um churrasco na Granja do Torto, e o constrangido a aceitar uma caipirinha, o episódio já estaria superado – provavelmente com uma outra matéria de Rohter.

A matéria do New York Times pode ter sido mal feita – e foi. Seu grande pecado, conforme lembrou o ombudsman do jornal, foi o de não haver identificado as suas fontes como adversárias do presidente da República. E outro pecado estava na foto de chamada, desnecessária e insinuadora. Isso sem falar no título, afirmativo e pesado. ‘Tippliness’ é um substantivo de amplo espectro, e pode ir da situação em que dois uísques tornam o bebedor divertido, às bebedeiras homéricas. Por que teria agido como agiu o jornalista? Os profissionais de imprensa sabem como o nosso ofício é conduzido pelas circunstâncias e pelas pressões. Não há isenção alguma no ato de redigir qualquer matéria. Somos sempre influenciados, em primeiro lugar, por nossa própria opinião, e podemos ser influenciados pelas pressões dos patrões ou – no caso do correspondente internacional – por aquilo que identificamos como o interesse de nosso próprio país. Tudo isso deve ter movido os dedos de Larry Rohter.

A indústria brasileira cresceu 5,8% no primeiro trimestre sobre o mesmo período do ano passado. O governo recomprou 17,8 bilhões de dólares de dívida pública atrelada ao câmbio nos primeiros três meses deste ano e promoveu, desde que tomou posse, uma redução de 40% para 17% na dependência do Tesouro no que a estas contas se refere. O novo diretor recém-empossado do FMI afirmou que o Brasil não irá mais depender da de sua instituição e que poderá romper os acordos existentes a partir do início de 2005.

As exportações e o superávit do primeiro trimestre foram os mais altos da história do Brasil. A inflação e os juros são os mais baixos dos últimos dez anos. O Mercosul está em plena negociação de um acordo comercial amplo com a União Européia e, na semana que vem, Lula vai dar o maior passo do seu governo nas relações externas com sua primeira visita à China, hoje nosso segundo maior mercado, anunciando uma parceria estratégica que envolve cooperação aeroespacial, produção conjunta de armamentos, alinhamento nas relações Sul-Sul e Sul-Norte e troca de soja brasileira por equipamentos chineses ferroviários e de infra-estrutura.

O Brasil lidera o grupo dos 20, que busca melhor posição no mercado internacional, mediante a quebra de barreiras, mediante conversações multilaterais, via OMC, e negociações bilaterais com os grandes blocos, como a União Européia. O governo pode ter sido precipitado na reação à matéria. Mas terá sido por acaso que ela foi publicada neste momento? Não se descarta a hipótese de que Celso Amorim tenha razão, e que Rohter tivesse a intenção de golpear uma liderança em emergência no mundo. Tudo isso faz parte das regras do jogo, e devemos aceitá-las, e usá-las, quando for possível, em nosso próprio proveito.

O que torna mais grave o episódio é o fato de não terem sido ouvidos, previamente, os ministros responsáveis para administrar situações semelhantes. Mesmo em pleno Estado Novo, Getúlio chamava os seus ministros políticos para decidir as questões mais importantes. Sabe-se, por exemplo, que Osvaldo Aranha, informado do discurso ambíguo que ele faria sobre a situação internacional, e que muitos viram como simpático ao Eixo, foi contra, mas acabou vencido pela argumentação do presidente. Era necessário negociar vantajosamente o apoio aos aliados.

Enfim, como era de seu hábito, e mesmo quando ditador, Getúlio fazia política. E política, como dizia um de seus opositores, Otávio Mangabeira, é conversa. O resto é conversa fiada. Pelo menos neste episódio, Lula não conversou com quem deveria ter conversado. Em conseqüência, terá que trabalhar bastante para recompor as suas relações com os auxiliares dispensados de dar a sua opinião. É claro que esses auxiliares, que têm experiência política, não darão recibo, como se diz nos meios políticos. Defenderão a decisão presidencial, a fim de não prejudicar a autoridade do chefe de Governo.

Felizmente há ainda tempo para corrigir, pelo menos parcialmente, os efeitos da decisão infeliz. Lula – e este colunista já disse isso em outras oportunidades – tem um conselheiro que ele não pode deixar de ouvir, sempre que a emoção se intrometer em sua atividade. Esse conselheiro é o menino que veio do Nordeste em um caminhão pau de arara e que abriu, sozinho, o seu caminho na vida, chegando à mais alta e a mais invejada das posições na sociedade nacional. Heráclito nos disse que não há diferença no caminho que sobe e no caminho que desce. Às vezes temos que voltar ao trecho percorrido, para identificar o trecho que estamos percorrendo. Não há melhor conselheiro para o homem do que o menino que ele foi. Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, ‘Mar Negro’ (2002).’



Kennedy Alencar

‘Recuo de Lula foi um avanço’, copyright Folha Online (www.folha.com.br), 14/05/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, uma das decisões mais sensatas de seu governo e talvez a mais reparadora de sua biografia. ‘Retratação’ ou não é o que menos importa no que se refere ao ofício de advogados do ‘New York Times’ pedindo a anulação do cancelamento do visto temporário do jornalista Larry Rohter.

O mais importante é que Lula reviu uma decisão equivocada. Não é vergonha nenhuma errar, reconhecer o engano e voltar atrás.

Recuar, no caso, foi um avanço.

Engrandece o presidente, que, agora, tem a chance de começar de novo num 2004 no qual só tem feito apanhar e no qual tem errado bastante. Melhor dedicar energia a superar a turbulência financeira internacional e a tentar obter resultados concretos na administração cotidiana de projetos e ações que patinam.

Em relação ao argumento de que Lula mostrou autoridade quando deu um peteleco em Rohter, vale dizer que autoridade também se demonstra com correção de graves erros. Ainda que viesse a cair na Justiça, como estava sinalizado pela liminar do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que suspendeu os efeitos do cancelamento do visto, a medida tinha forte conotação autoritária e de atentado contra a liberdade de imprensa. Na prática, equivalia a uma tentativa de expulsão.

A nota do ‘New York Times’ na qual diz que não houve retratação ou desculpa na solicitação de Rohter é ruim para o governo, mas é pior para o jornal. Repetir que a reportagem é correta evidencia que o padrão de qualidade do ‘New York Times’ não faz jus à reputação do jornal. A reportagem sobre suposto abuso de álcool pelo presidente não trazia uma evidência factual disso. Também não mostrava que o hábito de beber, coisa que Lula que gosta, prejudica sua performance na Presidência.

A nota do jornal, avaliam membros do governo, funciona como tentativa de se precaver contra eventual ação indenizatória se Lula resolver levar o caso adiante. Ao saber dela, um auxiliar importante de Lula disse: ‘Nós temos a carta do jornalista na qual ele diz que lamenta. Vamos esquecer isso’. Tomara que o presidente o escute.

Um registro merecido: Thomaz Bastos é o grande vitorioso político e moral desse episódio. Tem se saído bem à frente de uma área para lá de complicada, na qual estouram toda a sorte de problemas sociais, políticos e econômicos do país. Basta ver que ele lida de massacre de garimpeiros por índios em Rondônia a uma rusga com o diário mais influente do mundo.

O secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho, mais um grupo de auxiliares que preferem se manter no anonimato também foram fundamentais na articulação para reparar o erro de Lula e de um outro grupo de conselheiros.

O ministro Luiz Gushiken, que chegou a apoiar a decisão na terça-feira, quando foi adotada, também merece menção. Ele teve a hombridade de voltar atrás, enfrentar caras feias, reconhecer que aconselhara Lula de forma equivocada e trabalhar por um desfecho equilibrado na medida do possível.’

***

‘Decisão dividiu cúpula do governo’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu cancelar o visto do jornalista Larry Rohter, do ‘The New York Times’, após ter recebido na tarde de anteontem relato de que o embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, não obtivera uma retratação do jornal após reunião com Bill Keller, o editor-chefe. A decisão de Lula dividiu a cúpula do governo.

Um ‘sinto muito’ foi o que Abdenur ouviu de Keller ao final da reunião anteontem, segundo relato do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) ao presidente. Abdenur disse ter sido tratado de forma desimportante, apesar de educada. Amorim disse a Lula que o jornal não faria nada além do que já fizera: publicar uma carta de Abdenur contestando a reportagem de Larry Rohter.

Lula então decidiu bancar sugestão feita na manhã de ontem na sua reunião com membros da área de comunicação: retaliar diretamente o correspondente do jornal, cancelando seu visto. O porta-voz da Presidência, André Singer, e o ministro Luiz Gushiken (Comunicação) defenderam nessa reunião que Rohter fosse impedido de trabalhar no Brasil.

Ao analisar o noticiário de terça-feira, Singer disse que até críticos do governo ficaram ao lado de Lula no episódio. Repetiu os argumentos de que a reportagem de Rohter era mau jornalismo e que tinha uma tese que não era comprovada por fatos. O porta-voz julgou importante o governo brasileiro ter uma reação dura. Gushiken concordou com Singer.

O secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho, se opôs frontalmente. Disse que a reportagem era ‘frágil, leviana e caluniosa’, mas foi firme ao dizer que seria um ‘erro’ e um ‘ato contra a liberdade de imprensa’ cancelar a permissão de trabalho do correspondente. Afirmou ainda que ‘pegaria mal para a biografia’ de Lula, que se associaria a uma medida autoritária. O chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, aliou-se a Kotscho ao longo dia.

Lula aprovou sugestão de Singer e de Gushiken, idéia aventada inicialmente pelo presidente do PT, José Genoino, e publicada na imprensa naquela manhã. O presidente preferiu aguardar o resultado da visita de Abdenur ao jornal. Ao ouvir o relato, Lula ficou furioso. Falou que fora ‘pessoalmente’ atingido. Embarcou na tese de que, por trás da reportagem, existiam supostos interessados em diminuir sua política externa: ‘Não posso ficar quieto’.

Lula se reuniu com os ministros Gushiken, José Dirceu (Casa Civil) e Álvaro Ribeiro (Advocacia Geral da União). Alertado sobre a dúvida sobre a eficácia de uma ação nos EUA contra o jornal e o jornalista, Lula decidiu cancelar o visto. Dirceu concordou, dizendo que o governo dos EUA ‘faria o mesmo’ em situação semelhante. Ontem, auxiliares de Lula se justificavam dizendo que os EUA expulsaram em 2003 um jornalista iraquiano. Amorim apoiou, apesar de avaliar que o cancelamento do visto era um ato extremo.

Ciente da posição do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que estava na Suíça e que já dissera que preferia ajuizar ação por danos morais nos EUA a cancelar o visto, Lula chamou o interino da pasta, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, e determinou que o visto fosse cancelado. Thomaz Bastos só acreditou que a decisão era mesmo para valer quando um auxiliar lhe telefonou.

Anteontem à noite, em jantar com o publicitário Duda Mendonça, Gushiken reavaliou sua posição. Ouviu do publicitário que a decisão era um desastre e que teria péssima repercussão. Gushiken tentou reverter a decisão, no que foi acompanhado pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Ontem de manhã, em nova reunião com Lula, Singer reafirmou sua posição. Gushiken disse que deveria ser revertida. Kotscho defendeu um recuo. Lula disse que não voltaria atrás. Mas seus auxiliares -Thomaz Bastos à frente- ainda não desistiram de convencê-lo a reconsiderar.’

***

‘Thomaz Bastos vai insistir para que Lula revogue expulsão de repórter’, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/04

‘Ao retornar hoje da Suíça, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, vai insistir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que revogue o cancelamento do visto do jornalista Larry Rohter, do ‘New York Times’. Ele deverá apresentar alternativas a Lula e dizer que é insustentável juridicamente o cancelamento, segundo apurou a Folha junto a interlocutores do ministro.

Os auxiliares do presidente que defendem o recuo apostam suas últimas fichas no ministro da Justiça. Um deles disse que, se Thomaz Bastos estivesse no país, a medida não teria sido adotada.

Thomaz Bastos ainda mantém negociação com o jornal para algum tipo de retração. Anteontem, obteve uma carta do advogado do ‘New York Times’, mas Lula a recusou. Ontem, tentava ‘melhorar’ a tal carta e acertar a publicação de uma reportagem feita por outro jornalista do veículo, Barry Bearak, que deveria ser ‘equilibrada’ em relação à de Rohter, publicada no último domingo, sobre suposto excesso de Lula no consumo de álcool.

Se essas negociações falharem, Thomaz Bastos pretende propor a Lula que troque o cancelamento do visto por uma ação judicial indenizatória nos EUA. O primeiro argumento para adotar essa saída é o de que um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) já deixou claro que o cancelamento do visto não terá amparo legal. O Tribunal concedeu, ontem, liminar permitindo que Larry Rohter possa permanecer no país e continuar trabalhando.

Essa alternativa levou a AGU (Advocacia Geral da União) a não se pronunciar até as 19h15 sobre o que faria em relação à liminar do ministro do STJ a favor de Rohter. Normalmente, a AGU recorreria de imediato. Mas ainda se analisava o que fazer.

Clima tenso

Preocupado com a ameaça de demissão do ministro, que disse anteontem a auxiliares que poderia adotar essa medida em caso extremo e que a usou como forma de pressão nos bastidores, Lula pediu que um assessor seu falasse com Thomaz Bastos.

O auxiliar ouviu de Thomaz Bastos que ele não deseja sair. Anteontem, porém, o ministro foi claro com interlocutores: não quer o cancelamento do visto de Rohter no seu currículo e estava disposto até a deixar o governo.

As articulações de Thomaz Bastos esbarravam ontem na opinião de auxiliares e ministros influentes, como José Dirceu (Casa Civil), que diziam que o estrago já estava feito e que seria pior recuar. O presidente, que deu sinais de incômodo com o tamanho da péssima repercussão, ainda tendia a não arredar o pé.

‘Foi a decisão mais errada da carreira do Lula. Pela primeira vez, ele tinha mídia inteira a favor dele. E pela primeira vez colocou a mídia inteira contra ele’, desabafou um auxiliar presidencial.

Ontem permanecia entre ministros e auxiliares uma clima de muita divisão. Houve acusação de que membros do governo vazaram informações para a mídia a fim de prejudicar uns aos outros.’



Fernando Canzian

‘Governo dos EUA condena expulsão de jornalista’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘O Departamento de Estado norte-americano condenou ontem a decisão do governo brasileiro de expulsar do Brasil o jornalista Larry Rohter, correspondente no país do ‘New York Times’.

Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher, ‘a decisão do governo brasileiro de cancelar o visto do jornalista não condiz com o forte comprometimento do Brasil com a liberdade de imprensa’.

Boucher disse, no entanto, que o artigo do ‘NYT’ sobre os supostos excessos no consumo de álcool pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ‘não representa a visão do governo dos EUA’.

‘Antes de mais nada, deixo claro que temos um bom relacionamento com o presidente Lula e seu governo. Temos coisas em comum e trabalhamos muito bem juntos’, disse Boucher.

Procurada pela Folha, a Embaixada do Brasil em Washington, designada por Lula para responder ao artigo do ‘NYT’, não quis se pronunciar -mantendo o comportamento dos últimos dias.

Segundo a Folha apurou, o embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, foi recebido pela direção do ‘NYT’ na manhã de terça-feira, em Nova York. O encontro ocorreu no dia seguinte à publicação de uma carta do governo brasileiro no jornal repudiando a reportagem.

Abdenur esteve reunido por cerca de 45 minutos com o editor-executivo do ‘NYT’, Bill Keller. Durante o encontro, o embaixador leu a reportagem juntamente com Keller e apontou o que considerava ‘fragilidades’ no texto do correspondente. Ao final, Keller disse que ‘sentia muito’ pela repercussão do caso. Diante da expectativa do brasileiro por ‘um gesto significativo’ do jornal, Keller fez um convite para que Lula participasse de um almoço com a direção do ‘NYT’ quando estivesse em viagem aos EUA.

Embora a reunião tenha ocorrido em um clima de cordialidade, Abdenur respondeu que não via o encontro de Lula com o ‘NYT’ como ‘uma hipótese muito provável’. Depois de voltar a Washington, Abdenur recebeu um fax da direção do ‘NYT’ em que Keller agradecia a visita e reiterava o convite para um encontro com Lula, na sede do jornal ‘ou em outras bases, de acordo com a conveniência do presidente’.

A carta dizia que o jornal estaria sempre aberto a ‘ouvir as opiniões’ do governo brasileiro e que daria a elas ‘uma séria atenção’. Segundo a Folha apurou, a expectativa do governo era que a reunião entre Abdenur e Keller resultasse em ‘algo mais significativo’, como uma retratação formal do jornal à reportagem.

Como o ‘NYT’ não cogitou essa hipótese, Lula teria tomado a decisão de cancelar o visto de Larry Rohter logo no dia seguinte ao encontro em Nova York.

A Folha apurou que já havia uma ‘implicância’ do PT com Rohter, após o jornalista ter publicado uma reportagem no início de fevereiro sobre o caso do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. No texto, Rohter ouvia promotores e familiares de Daniel e afirmava que sua morte estava no centro de uma ‘disputa multimilionária destinada a beneficiar a campanha do partido que hoje governa o Brasil’.

Na época, o presidente do PT, José Genoino, ficou furioso com Rohter. Na segunda, Genoino foi o primeiro a propor que o americano fosse proibido de trabalhar no Brasil. A assessoria de Genoino negou que houvesse ‘restrição’ ao trabalho de Rohter.’