Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O tsunami virtuoso

A Lei de Acesso à Informação foi assinada pela presidente Dilma Rousseff no mesmo dia em que se instalou solenemente a Comissão da Verdade. Os dois atos fazem parte de um mesmo compromisso e agenda – acabar com buracos negros e áreas cinza de nossa história e da nossa vida institucional. São indissolúveis, inseparáveis, complementares.

No fim de 2009, quando ainda não fora definida a estratégia para as investigações sobre violência política no período anterior à redemocratização, o governo reuniu os pré-candidatos à sucessão do presidente Lula – Dilma e Serra – em solenidade no Palácio do Planalto para consagrar um amplo programa de acesso a informações e direitos humanos. Armou-se uma tremenda celeuma, lobbies adversários aliaram-se para torpedear o estatuto. Posteriormente, com habilidade e prudência, as ações receberam formatos diferenciados, o que não significa discrepância ou distância entre elas. São rigorosamente convergentes.

Processo irrefreável

A busca da verdade é atemporal, não se limita ao passado, vale para o presente de modo a evitar dissabores futuros. O direito de conhecer o valor dos vencimentos de um servidor público é o mesmo que nos legitima ao verificar o comportamento funcional de outro, diante de um dissidente político.

Esse é o princípio da transparência, da responsabilização ou se preferirem o termo inglês, da accountability. O Estado de Direito é cristalino, translúcido, diáfano – sem estes atributos elementares será um arremedo de democracia.

O cidadão-contribuinte-eleitor tem o direito de saber quanto ganham os funcionários do Estado, em qualquer nível ou poder. O que este servidor faz com seus vencimentos está em esfera protegida pela inviolabilidade da vida privada. Os atos secretos adotados pela Mesa Diretora do Senado e só recentemente escancarados constituem uma excrescência que os inimigos da Lei de Acesso à Informação querem estender a todos os funcionários públicos.

Não conseguirão: a nação brasileira deu um passo adiante quando aplaudiu a instalação da Comissão da Verdade. Esta verdade não é setorial, limitada, é um valor que acrescentamos à nossa existência e ao aparelho do Estado. Abrimos um novo capítulo em nossa história, não há volta: a busca da verdade é um processo irrefreável. Pode demorar séculos para deslanchar – nosso caso – uma vez acionado é irreprimível.

Atentado à gramática

Ao incorporar o direito de saber ao seu arsenal de prerrogativas cidadãs, o brasileiro deu um salto de qualidade que não pode ser revertido, nem retroagir. A corrupção e a sua dileta irmã – a impunidade – receberam um tranco definitivo.

Os integrantes da CPI do Cachoeira – governistas ou oposicionistas – não podem alienar-se nem fingir ignorância. Voluntária ou involuntariamente juntaram-se ao tsunami virtuoso que começa a empolgar o país. Poupar governadores e empresários suspeitos de parcerias escusas com o contraventor-mor significa aderir ao Partido do Silêncio e à Legião da Inverdade.

A mensagem do deputado Candido Vaccarezza (PT-SP) ao governador fluminense, Sérgio Cabral (PMDB-RJ), flagrada por um repórter-cinegrafista do SBT, prometia blindá-lo contra a investigação parlamentar. Entrará para a história como atentado ao pudor, agressão à gramática e, principalmente, evidência de que a verdade está em marcha.