Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mídia conta os corpos, mas não dá conta do principal

Na quinta-feira (7/6), a imprensa reverberou a declaração da secretária de Estado norte-americana de que o governante da Síria deveria deixar o poder e abandonar seu país. Grande ênfase foi dada à quantidade de civis mortos desde que começaram as manifestações contra o regime de Damasco. A posição norte-americana nesta questão parece agradar bastante à mídia brasileira. Tanto que, apesar de violar claramente o disposto no art. 1º da Carta da ONU, a declaração de Hillary Clinton não sofreu qualquer objeção. O mesmo não pode ser dito em relação à posição da Rússia e da China. Em razão de se recusarem a aprovar novas sanções contra a Síria no Conselho de Segurança da ONU, estas duas potências têm sido bastante criticadas pela imprensa nacional.

A mídia brasileira adota uma posição que parece virtuosa. Quem não condenaria a morte de civis inocentes? Entretanto, esta mesma mídia nunca adota a mesma postura quando os civis mortos são palestinos e iraquianos. De fato, nos últimos anos muito mais civis palestinos e iraquianos foram mortos por Israel e EUA, respectivamente. Mesmo assim nunca se viu a imprensa brasileira endossar qualquer declaração que exigisse que governantes israelenses e norte-americanos deixassem o poder e fugissem de seus países. A morte de civis inocentes só desperta grande indignação quando não são israelenses e norte-americanos que os despacham para os cemitérios?

Isenção e responsabilidade

O Brasil tem reiterado constante e publicamente sua posição em favor da paz e do respeito à legislação internacional. Nosso país não apoia a brutalidade do regime sírio, mas também não questiona o direito de veto de Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU. O Palácio do Planalto e o Itamaraty não têm o mau hábito de ficar exigindo mudanças de regime em países soberanos.

A mídia brasileira, entretanto, parece ter outra política externa e raramente deixa de considerar inadequada aquela que é formulada e executada pelo Itamaraty. Quando há conflito entre a política externa brasileira e a adotada pelos EUA, a mídia brasileira geralmente alinha-se à Casa Branca. O Itamaraty tem consciência deste fenômeno. Tanto que, quando era ministro das Relações Exteriores, durante um Roda Viva, Celso Amorim disse a um jornalista que defendia o Brasil e perguntou ao mesmo que país ele defendia.

Já critiquei neste Observatório a leviandade da mídia brasileira quando trata do Irã (ver aqui). Volto a tocar no assunto porque me parece que o mesmo está ocorrendo em relação à Síria. Em razão do que consta na CF/88, a mídia brasileira é livre. Os jornalistas não têm obrigação de apoiar o Itamaraty, nem precisam apoiar toda e qualquer bobagem que for dita pela secretária de Estado norte-americana. A liberdade de imprensa pressupõe isenção e responsabilidade. Em benefício dos leitores e espectadores não seria o caso dos jornalistas brasileiros começarem a procurar na legislação internacional um ponto de equilíbrio para analisar a política externa dos EUA e do Brasil?

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]