Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luta contra os EUA faz com que fãs o absolvam

“Heróis” cometem crimes? Se cometerem, precisam prestar contas à Justiça? Perseguido pela maior potência do mundo, o “herói” pode fazer uma besteira em nada relacionada com essa potência?

O bom senso obriga responder sim às três perguntas, mas os defensores cegos de Julian Assange, o criador do WikiLeaks, preferem o não.

Ninguém quer saber se ele de fato estuprou as duas moças suecas em agosto de 2010. Como é um sujeito que incomoda os EUA, tem de ser deixado em paz.

Todas as acusações, dizem, são apenas armação feita com a finalidade de confiná-lo para sempre numa prisão norte-americana.

O fundador do WikiLeaks ganhou fama ao divulgar documentos secretos do governo americano. Eram papéis e vídeos que revelavam uma outra história das guerras do Iraque e do Afeganistão, bem menos glamourosa que a desejada pelos marqueteiros da Casa Branca.

O governo dos EUA, claro, não gostou, e buscou várias formas de silenciá-lo.

Isso bastou para transformar o australiano num herói para parte da humanidade que ainda vê nos EUA a encarnação do mal.

Além disso, ele virou um ícone da liberdade de expressão, o arauto de um novo tempo no qual falsamente não haveria barreiras entre todas as informações e o público.

Noites de agosto

No auge do sucesso, Assange foi acusado por duas mulheres de ter feito sexo com elas sem que consentissem.

Pode ser que estejam contando a verdade, pode ser que não. O problema é que Assange se recusa a depor e a participar da investigação que tenta elucidar o caso.

Apelou a todas as cortes possíveis no Reino Unido e, quando se viu sem alternativa legal para evitar a extradição para a Suécia, se refugiou na embaixada do Equador e pediu asilo.

Logo no Equador, país cujo governo tem histórico de atentar contra a liberdade de imprensa.

Assange é reconhecido pelos amigos como supermulherengo, o que de forma alguma é crime.

Alguns ex-amigos dizem que na época das denúncias ele estava com o ego tão inflado que é plausível que não aceitasse um não de uma amante em potencial.

O australiano nega. Diz que todas as suas relações foram consensuais.

A única certeza é que apenas ele e as duas moças, que eram voluntárias do WikiLeaks, sabem o que de fato aconteceu naquelas noites de agosto, em Estocolmo.

Inocentá-lo sem investigação significa culpar as mulheres por conspiração, sem que haja provas. Isso é justiça?

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[Vaguinaldo Marinheiro, da Folha de S.Paulo]