Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para ouvidora da EBC, lei forja nova cultura

Apesar de o governo federal ter divulgado na quarta-feira (27/6) o salário de grande parte dos servidores públicos do Poder Executivo (Dilma Rousseff, líquido: R$ 19.818; Guido Mantega, líquido com jetons: R$ 36.297), cerca de 45 dias após a promulgação da Lei de Acesso à Informação (LAI) é grande a desinformação no acesso a dados públicos com as novas regras. Para além dos naturais processos de ajustes e adaptações, Regina Lima, ouvidora da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), enxerga uma resistência, principalmente por parte dos agentes públicos, na mudança de paradigmas, de uma cultura de sigilo para uma cultura de acesso.

“O Brasil regulamentou uma lei e nós estamos com um grande desafio. Temos um histórico social de ‘segredizar’ a informação, a cultura do sigilo. E hoje estamos sendo desafiados a implementar uma cultura do acesso”, disse ela durante a palestra “Acesso à Informação”, realizada quarta-feira no Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro. Regina atesta que a entrada em vigor da LAI fez as ouvidorias das empresas públicas terem que expandir seus leques de atuação. No caso da TV pública, a ouvidoria cuidaria das manifestações do cidadão em relação aos conteúdos produzidos pelas emissoras que compõem a EBC. “Mas agora não se trata apenas de garantir o direito do cidadão se manifestar sobre aquilo que ele está recebendo da emissora. Trata-se de disponibilizar a informação geral de um órgão público”, diz ela.

Linguagem simples

É na expansão do leque de atuação do agente público que Regina vê a iminência da mudança cultural. Segundo ela, o processo não será fácil, mas a implementação dessa nova cultura terá que ser adotada. “Nós vamos ter que preparar todos os agentes que trabalham no campo público. É preciso mudar uma cultura que ainda acha que ao disponibilizar informação você está fragilizando instituições”, afirma a ouvidora. Ela reforça sua análise com um exemplo da aplicação da LAI na EBC. “Estamos dando cursos para as secretárias dos diretores porque existe um ponto da lei em que há uma obrigatoriedade de cada diretor disponibilizar a sua agenda. Então até você trabalhar essa concepção não é uma coisa fácil. Quebrar a resistência que o servidor público de uma maneira geral tem de disponibilizar informações.”

De uma maneira mais ampla, outra prova da resistência à mudança de paradigmas citada pela ouvidora é o fato do conceito da LAI já estar exposto na constituição do país, mas ter precisado de uma lei específica para se iniciar um processo de adoção. “Estranhamente é algo que está previsto na constituição, mas a gente regulamentou muito tempo depois. Significa que muitas vezes, mais do que garantias numa constituição, é preciso que você regulamente uma lei e que essa lei venha com artigos e prazos.”

Entre tais especificações, Regina destaca ações e penalidades, mas dá especial atenção à forma pela qual o brasileiro pode monitorar seus servidores e serviços. A professora da faculdade de comunicação da Universidade Federal do Pará (UFPA) reconhece ser “dever do estado o acesso à informação através de uma linguagem fácil”, e enxerga no uso de uma linguagem acessível mais um tijolo na construção de novos paradigmas. “Acho que esse tem sido o grande desafio da LAI”, diz ela, antes de ilustrar, “se você pegar, através do Portal da Transparência, algum processo licitatório, você não consegue decifrá-lo, e isso dificulta muito todo o objetivo da lei”.

Exceção para informação sigilosa

A ouvidora explica parte da forma de funcionamento da lei como um processo de ação e reação. “A Transparência Ativa está prevista na própria lei. É a divulgação de informações por iniciativa do setor público. Todos os órgãos têm que fazer um esforço muito grande para disponibilizar nos sites todo é qualquer tipo de informação. Se trabalharmos com eficiência, é quase certo que toda a informação que for pedida estará disponibilizada quase na mesma hora”, afirma. E reconhece a muitas vezes grande diferença entre a letra da lei e o dia a dia, “só que de fato isso não está acontecendo. Tem muito pouca informação hoje postada na maioria dos sites dos órgãos públicos”, conclui ela.

Na Transparência Passiva é o gestor público quem divulga as informações, em atendimento às solicitações da sociedade. No caso, Regina acrescenta que a ação acaba transformando-se em ativa, “na medida em que alguma pessoa reivindica uma informação e ela é disponibilizada para ela, ela tem que ser imediatamente postada no site para ganhar o domínio público”.

A celeridade dos processos também é prevista na LAI. De acordo com a ouvidora da EBC, a lei estipula 20 dias para a entrega de uma informação, e no máximo dez dias de prorrogação. Caso ela já esteja acessível, tem que entregar imediatamente. “A menos que seja alguma informação caracterizada como sigilosa. Aí entra outro processo”, diz ela.

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[Rodrigo Otávio, da Agência Carta Maior]