Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Violência e desrespeito contra jornalista

Um episódio ocorrido no Piauí nesta última semana [semana retrasada] chamou a atenção da imprensa local para o tratamento direcionado aos profissionais de jornalismo: a editora-chefe de um portal de notícias de Teresina teve seu bloco de anotações rasgado durante uma (tentativa de) entrevista – um gesto de agressão gratuita e conduta desnecessária por parte de um cantor. De acordo com o portal Cidade Verde, o cantor Paulynho Paixão estava participando de um programa de TV (na empresa crossmedia Cidade Verde) e teria se irritado com um questionamento sobre sua prisão após ser acusado de agredir a namorada de 16 anos. O site informou que “ele não gostou da pergunta e desabafou: ‘Não sou santo e não sou o único homem que discute relação com sua namorada’, reclamou o cantor”. Em seguida, o cantor teria afirmado que não concederia mais nenhuma entrevista e teria avançado contra a jornalista Yala Sena, rasgando o bloco que ela utilizava e deixando o local.

Houve repercussão do fato no portal da própria empresa – em cuja matéria veio embutida uma nota de repúdio à agressão –, em outros meios de comunicação e o sindicato dos jornalistas (Sindjor-PI) posicionou-se contra a postura do cantor, colocando sua assessoria jurídica à disposição da jornalista agredida. Além disso, a vítima teria decidido registrar queixa por crime de constrangimento durante o exercício de sua profissão.

Esse episódio, infelizmente, não é o primeiro e nem será provavelmente o último no que concerne às atitudes de desrespeito e aos crimes cometidos contra profissionais de imprensa no Piauí, no Brasil e na América Latina. Apesar de a censura ter sido teoricamente extinta com o declínio do período ditatorial, ainda há pessoas e empresas que se julgam suficientemente influentes e poderosas para calar (a qualquer custo) os meios de comunicação. Se esses meios funcionam e são regidos por interesses (como todos os outros setores da vida em sociedade), e caso esses interesses possam porventura (e até muito frequentemente) desagradar alguém, existem outros caminhos bem mais pertinentes do que a violência. Acredito eu que, como jornalista e pesquisadora, não preciso apresentar ninguém ao que seja denominado como “assessoria de imprensa” – que, atualmente, é considerada um mecanismo/setor imprescindível para o trabalho com a reputação e imagem.

Estado de “alerta especial”

O cantor, que já tinha um histórico midiático negativo, só piorou sua imagem diante do público e dos meios de comunicação. Em vez de investir em uma assessoria de imprensa profissional – que provavelmente não tem –, em buscar construir uma agenda positiva de sua carreira, ele simplesmente ganhou a antipatia de muitos jornalistas e comunicadores. E, se um artista de um cenário musical geograficamente restrito precisa mais do que ninguém de divulgação midiática, esse cantor praticamente cavou a própria cova, principalmente junto ao seu maior público – que há algum tempo atrás era constituído por mulheres.

A repercussão do caso na coluna social de Viviane Oliveira, no portal AZ (também de Teresina), ilustra a situação do cantor: “Com uma reação dessas, dá pra se ver que talento ele tem, mas é pra agredir mulher. Será que ele tomaria esse bloco se o repórter fosse o Ieltson, por exemplo, que é bem grandão? Tomava era nada! Eu até disse que tava com vontade de ir pra o show dele com o Zezo, mas não vou mais! Não curto violência e nem estupidez.”

Eu poderia sugerir que algum fã (se é que sobrou algum ainda) presenteasse o cantor Paulynho Paixão com um livro de Pierre Bourdieu para ele ler um pouco sobre o que é capital simbólico, mas tenho minhas dúvidas se ele não ficaria bravo e rasgaria o livro também.

Se atitudes como a agressão à jornalista piauiense não forem denunciadas e discutidas na sociedade, assistiremos à naturalização desse tipo de prática. É preciso refletir sobre a importância do papel do profissional de comunicação e perceber que, apesar de vivermos em plena “liberdade de expressão”, não faz muito tempo que um fotógrafo foi agredido em um confronto político na Venezuela (em 12 de setembro); dois cadáveres esquartejados (de dois fotógrafos) foram achados (em 19 de agosto) no México; jornalistas uruguaios foram ameaçados; e o jornalista maranhense Décio Sá foi brutalmente assassinado (23 de abril). O número de jornalistas assassinados em 2012, tanto no Brasil como em toda a América Latina, já virou alvo de preocupação até mesmo da ONU (Organização das Nações Unidas). Em agosto deste ano, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) declarou que o Brasil está em estado de “alerta especial”, devido ao número de jornalistas mortos de maneira violenta nos últimos dois anos. O jornalismo sempre foi uma profissão que envolve muitos riscos… Mas poderia a sociedade e a própria mídia ficarem caladas diante da situação atual?

Referências

CIDADE VERDE. “Paulynho Paixão rasga bloco de jornalista durante entrevista”. 2012. Disponível em: <http://www.cidadeverde.com/paulynho-paixao-rasga-bloco-de-jornalista-durante-entrevista-113233>.

KNIGHT CENTER. “Deputado maranhense é acusado de ser o mandante do assassinato do jornalista Décio Sá”. In: Blog Jornalismo nas Américas. 2012. Disponível em: <http://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/00-10553-deputado-e-acusado-de-ser-o-mandante-do-assassinato-de-jornalista-maranhense>.

________________. “ANJ lança alerta por aumento de violência contra jornalistas no Brasil”. In: Blog Jornalismo nas Américas. 2012. Disponível em: <http://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/00-11137-anj-lanca-alerta-por-aumento-de-violencia-contra-jornalistas-no-brasil>.

PORTAL AZ. Blog Vivi Oliveira. 2012. Disponível em: <http://www.portalaz.com.br/blogs/vivi_oliveira>.

SINDJOR-PI. Nota de Repúdio. 2012. Disponível em: <https://www.facebook.com/sindjorpi.sindicato/posts/231336256992187>.

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[Tamires Coêlho é jornalista, mestranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e graduada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)]