Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ordem no caos da Lei de Meios

A Corte Suprema da Argentina decidiu pôr ordem nos tribunais que tratam da Lei de Meios de Comunicação. Inclusive advertiu que poderia se produzir um estado de negação de justiça se os juízes de instâncias inferiores deixassem passar o 7 de dezembro sem sentenças claras. Isto, precisamente, é o que o governo não queria. A ausência de decisão permitiria à Casa Rosada aplicar sua própria interpretação para esse dia crucial de dezembro. Neste sentido, o governo recebeu o que se pode interpretar como uma má notícia.

Os juízes da Corte Suprema não deliberaram sobre o pedido do Grupo Clarín para que prorrogassem a medida cautelar que protege suas propriedades até que a Justiça decida se são constitucionais vários artigos da Lei de Meios. Nada disseram sobre isso. O esforço cristinista para confundir a opinião pública foi notável. Todos os veículos estatais e paraestatais difundiram uma informação que não existiu. Afirmavam que a Corte rechaçara o pedido de prorrogação da cautelar. A Corte tomou medidas sobre o caso, mas não se pronunciou sobre a prorrogação. É compreensível: ela não podia aceitar que haja um estado de negação de justiça. Significaria reconhecer que sua jurisdição sofria de uma séria disfunção.

Tampouco poderia decidir sobre uma representação direta do Grupo Clarín, porque não existem condições para um recurso extraordinário à Corte. Essas condições são, fundamentalmente, que haja sentença das instâncias inferiores, o juiz de primeira instância e a respectiva Câmara. Nem sequer está vigente o per saltum, que permitiria saltar sobre outras instâncias. O governo fez aprovar o expediente no Congresso, mas não o publicou no Boletim Oficial. Portanto, ainda não é lei. Fez isso para pressionar a Corte.

Bem traduzida a resolução, a Corte ordenou às instâncias inferiores que resolvam o quanto antes as causas do enfrentamento entre o governo e o Grupo Clarín. São dois expedientes. Um está nas mãos do juiz de primeira instância Horacio Alfonso, que deverá resolver se dois artigos da Lei de Meios são constitucionais. Esses artigos poderiam violar os direitos adquiridos e o direito à propriedade. Tratam-se de garantias constitucionais, cuja violação enfraqueceria seriamente o estado de direito. O governo forçara previamente a saída de dois magistrados encarregados do caso, Raúl Tettamanti e Roberto Torti. Alfonso, o juiz atual, foi designado pelo kirchnerismo, mas manteve até agora um perfil discreto.

O segundo expediente é um pedido do Clarín para prorrogação da cautelar, inicialmente apresentado ao então juiz Tettamanti. Este, quando ainda não era alvo de uma intensa campanha pública do governo, rechaçou a reivindicação do Clarín porque estava decidido a ditar sentença sobre a constitucionalidade da Lei de Meios nos prazos estabelecidos. O Clarín recorreu dessa decisão à Câmara Civil e Comercial, que é onde o processo está agora. Mas o governo recusou grande parte dos juízes da Câmara e outros se afastaram, ante a iminente impugnação oficial. Também renunciaram dois juízes. A Câmara não está agora em condições de emitir sentença porque tem uma só juíza. São necessários, pelo menos, dois votos.

Pedido expresso

O presidente da Corte Suprema, Ricardo Lorenzetti, pediu aos presidentes das câmaras Civil e Comercial e do Contencioso Administrativo que preencham logo os lugares vagos. Lorenzetti também ordenou ao juiz Alfonso que escreva o quanto antes a sentença sobre a questão de fundo, quer dizer, sobre a constitucionalidade ou não da Lei de Meios. Obrigou todos esses magistrados a trabalhar inclusive nos feriados. Qualquer decisão, do juiz ou da Câmara, chegará à Corte Suprema. É mais provável que aterrisse ali antes de 7 de dezembro o pedido de prorrogação da cautelar que a decisão de fundo, que deverá passar por revisão da Câmara.

Os juízes e os bispos usam parágrafos cheios de subentendidos ou orações circulares. Se analisada com rigor a resolução da Corte, é o governo, mais que o Clarín, o destinatário de alusões do tribunal advertindo sobre “obstruções à Justiça” e sobre a necessidade de “boa-fé” das partes. Vários casos poderiam ser citados, mas um provocou especial mal-estar entre os juízes da Suprema Corte. Foi um pedido da Afsca (órgão federal que regula a comunicação audiovisual) para ser parte do pedido do Clarín para prorrogação da cautelar. O governo já é parte de fato da causa. Para que agregar mais uma parte quando o trâmite está avançado? Para reter o expediente e atrasar sua resolução.

A Corte decidiu outra coisa, que não está diretamente relacionada nem com o Clarín nem com a Lei de Meios, mas que tem uma clara (e não fortuita) vinculação com aqueles trâmites. Decidiu autorizar os juízes a decidir de ofício sobre inconstitucionalidades, recurso que estava proibido há mais de um século. Significa que qualquer juiz pode decidir a inconstitucionalidade de uma medida do poder político sem que haja uma solicitação explícita. Deve haver, isto sim, uma causa aberta e relacionada ao tema. Até agora, um juiz somente podia deliberar sobre a constitucionalidade ou não de uma decisão do governo em resposta a um pedido expresso. É um avanço importante para a modernização da Justiça argentina. Em particular, a nova jurisprudência poderia cair também sobre as muitas causas colaterais abertas sobre a Lei de Meios.

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[Joaquín Morales Solá é colunista do La Nación]