Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Crise institucional na Argentina

Na véspera do 7 de dezembro, hoje, o dia D para a plena vigência da Lei de Serviços Audiovisuais (Lei de Meios) na Argentina, instalou-se uma crise institucional com a duríssima e inédita manifestação do Poder Judiciário contra as pressões do Poder Executivo em relação à aplicação da lei. Juízes de todo o país advertiram, em síntese, que “a independência do Poder Judiciário é fundamental para o funcionamento da democracia e constitui uma garantia fundamental para a defesa dos direitos dos cidadãos”. O choque institucional tem como pano de fundo a ameaça à liberdade de imprensa e de expressão representada pela Lei de Meios. Venceria hoje a liminar obtida pelo Grupo Clarín suspendendo a aplicação dos artigos 45 e 161 da legislação, considerados inconstitucionais por violar direitos adquiridos. A Corte Suprema determinara a instância inferior que julgasse o mérito. A Casa Rosada chegou ao extremo de impugnar todos os juízes da Câmara Civil e Comercial, que deveria se pronunciar sobre a matéria. Mas a Câmara, ontem, no final do dia, não só rejeitou a impugnação como prorrogou a liminar até uma “sentença definitiva”. Reação à altura da Justiça – e o choque se agrava.

A Lei de Meios, segundo o governo, busca “democratizar” e desconcentrar a mídia no país. Contudo, a prática kirchnerista mostra que ela é um instrumento para enfraquecer os grupos de comunicação independentes. É antiga a alergia dos Kirchner aos veículos que monitoraram o desempenho do governo, criticando e apontando erros, quando for o caso. A estratégia, exacerbada no governo de Cristina, é criar uma verdade oficial a partir de uma forte rede estatal de comunicação, distribuir gordas verbas publicitárias aos grupos e veículos “fiéis” e desacreditar, caluniar e boicotar aqueles que se mantenham independentes. E o projeto já está em curso. Para a Casa Rosada, há grupos de comunicação que têm concessões (de rádio e TV) excessivas. A Lei de Meios exige que eles se desfaçam de muitos desses veículos em nome da “pluralidade de vozes na mídia”. Mas a legislação foi feita para quebrar a espinha do Grupo Clarín, crítico do governo. É preciso torná-lo dependente de verbas oficiais. Em sua manifestação contra a manobra de Cristina K., os magistrados argentinos exortaram “o Poder Executivo (…) a exercer suas faculdades no marco das regras processuais, evitando o uso de mecanismos diretos ou indiretos de pressão sobre os juízes que afetem sua independência”. O modelo argentino destoa do que prevalece em países democráticos sul-americanos, como Brasil, Chile e Uruguai, e se alinha ao bolivariano-chavista, que vê na mídia uma “conspiração de elites” contra “governos populares” que se eternizam no poder.

Cristina manipula índices econômicos, cerceia a liberdade de imprensa e ataca o Poder Judiciário. Assim, criou uma crise institucional. Insiste em dividir o país em amigos (do governo) e inimigos – todos os demais. É um caminho sem final feliz. A própria Argentina já viveu este drama.