Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Justiça prorroga liminar do Clarín contra Lei de Meios

No mesmo dia em que as principais associações de magistrados da Argentina pediram ao governo Cristina Kirchner que se evite “o uso de mecanismos diretos ou indiretos de pressão sobre os juízes, que afetam sua independência”, os membros da Câmara Civil e Comercial autorizaram a prorrogação de uma liminar obtida pelo grupo Clarín para suspender dois artigos da polêmica Lei de Meios. A decisão da Justiça representa uma das maiores derrotas já sofridas pelo kirchnerismo nos últimos anos. Anteontem (5/12), a Casa Rosada vetou os membros da câmara (para julgar o caso), mas o veto foi rejeitado pela própria câmara.

Pela decisão da câmara, a liminar será mantida até que haja uma sentença definitiva sobre a constitucionalidade dos artigos que, na visão do Clarín, violam direitos adquiridos. Mas o ministro da Justiça, Julio Alak, anunciou na noite de ontem que hoje mesmo pedirá à Corte Suprema a suspensão da liminar prorrogada pela Câmara Civil e Comercial. O governo usará o chamado per saltum (lei aprovada recentemente pelo Congresso), que permite a atuação da Corte em casos considerados de gravidade institucional. “Um setor do país não quer desmonopolizar (os meios de comunicação). Mas temos esperança”, afirmou Alak.

Se a liminar for mantida, a Casa Rosada não poderá aplicar plenamente a Lei de Meios a partir da meia-noite de hoje (prazo estabelecido pela Corte Suprema). A prorrogação da liminar, obtida pelo Clarín após a aprovação da lei, em 2009, evitará que o governo submeta o grupo a um processo compulsório de adequação às novas regras do setor, que poderia significar a perda de dezenas de licenças de rádio e TV a partir da semana que vem. Os magistrados da câmara que atuaram ontem são os mesmos que, semana passada, denunciaram, em carta à Corte Suprema de Justiça, pressões do Executivo no caso Clarín.

Oposição pede impeachment de ministro

O presidente da Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFCSA), o deputado Martin Sabatella, assegurou à agência estatal de notícias Télam que “a prorrogação da liminar é uma vergonha” e que “o governo pedirá que a Corte Suprema de Justiça reveja esta decisão porque ela provoca um dano à democracia”. “A Justiça argentina não está preparada para enfrentar as corporações porque está colonizada pelas mesmas corporações”, disse.

Sem a liminar, o governo não poderá comemorar o já famoso 7-D, dia em que, segundo importantes dirigentes kirchneristas, seria declarada a vitória “da democracia e a derrota das corporações”. A Casa Rosada estava planejando realizar um grande festival de música popular no próximo domingo. O documento dos juízes é inédito desde que a Argentina recuperou sua democracia, em 1983, e foi assinado pela Comissão Nacional de Proteção da Independência Judicial, a Junta Federal de Cortes e Tribunais Superiores das Províncias Argentinas e da Cidade de Buenos Aires, a Associação de Magistrados e Funcionários da Justiça Nacional e a Federação Argentina da Magistratura. A Justiça respondeu ao que dirigentes políticos e intelectuais consideram “um atropelo sem precedentes de um governo ao Judiciário”.

A crise em que está mergulhada a Justiça argentina, desencadeada pelas pressões que os magistrados da Câmara Civil e Comercial denunciaram sofrer há vários meses, aprofundaram a preocupação em toda a região. Ontem, enviados especiais da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) se reuniram com representantes da sociedade civil, iniciando uma missão extraordinária que, segundo seu chefe, o uruguaio Claudio Paolillo, foi organizada “pelo temor que predomina entre muitos de nossos sócios sobre o futuro da liberdade de expressão na Argentina”. Para Paolillo, os meios de comunicação estão vivendo “situação pior do que países como Equador e Venezuela”.

Associações brasileiras se mobilizam

A situação dos meios de comunicação no país também foi lamentada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Em nota oficial, as associações defenderam que “a incapacidade de conviver em ambiente democrático tem levado o governo argentino, nos últimos anos, a buscar as mais diversas formas, veladas ou não, de limitar e pressionar o exercício do jornalismo independente, como o direcionamento das verbas publicitárias oficiais, o uso indevido do fisco para constranger empresas, o impedimento da circulação de jornais, o controle do papel de imprensa e o desrespeito à independência do Poder Judiciário”.

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[Janaína Figueiredo, de O Globo]