Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O que pode estar ocorrendo em SP e SC?

Na manhã de 8 de fevereiro de 2013, a publicação online “G1 Santa Catarina” exibe como manchete: “Cinco veículos são incendiados na nona noite de atentados em SC“. O mesmo veículo aponta que “O número de ataques subiu para 78 e chegam a 25 as cidades atingidas (…)”. A notícia também dá conta de que “Não houve feridos em nenhum dos casos e, até as 3h30, ninguém havia sido preso”.

Detalhe importante: Santa Catarina está entre as unidades federativas do país como uma das mais seguras e de menores índices de homicídios. Mas, a situação de insegurança pública de Santa Catarina, em janeiro de 2013, reproduz, de alguma forma, o já ocorrido em São Paulo ao final de 2012 e início de 2013. No “Mapa da Violência – Os Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil – Santa Catarina“ (2012 – página 213) fica apontado que “Em diversos períodos de sua história recente, como nos anos 2004 a 2007, Santa Catarina mostrou as menores taxas de homicídio do país e, paralelamente, elevados índices de desenvolvimento humano”. O mesmo estudo refere que entre 1990 e 2000 as taxas catarinenses oscilaram entre seis e oito homicídios por 100 mil habitantes, chegando a 12,9 perto do ano de 2010, mas que a situação catarinense permanece entre as melhores do país.

Um enigma: Santa Catarina, em 2013, com violência e insegurança parecidas com as de São Paulo?

“Progressão de pena” e “ressocialização”

Santa Catarina, obviamente, é parte do Brasil. Como tal, não pode escapar a uma conjuntura nacional em que a segurança pública passa por uma crise sem precedentes. O mais emblemático desse “todo” são das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo – elas são “vitrine” da insegurança, que inclui “balas perdidas” como em um “teatro de operações da guerra.” Nessas cidades, a criminalidade está hoje abertamente “em enfrentamento contra o Estado”. Isso dá mostras de uma situação sem precedentes na história do país: guerra aberta contra o poder constituído, processo que inclui até mesmo a execução de policiais e ataques contra instalações físicas dos órgãos de segurança pública.

Oportuno lembrar que Juliet Berg, em dissertação apresentada em 1998 perante o Instituto de Criminologia da Universidade de Cape Town, África do Sul, cita a referência ao crime organizado de Sydney Mufamadi, ex-ministro da Segurança Pública daquele país: “O crime organizado passou a ser, individualmente, a maior ameaça global desde o final da Guerra Fria”. Vale ressaltar que o Brasil, juntamente com a África do Sul, está hoje entre os países mais violentos do mundo, segundo estatísticas publicadas pela ONU, desde 1999, caso do seu “Sexto Relatório Global sobre Crime e Justiça”…

Em São Paulo, enquanto isso…

Em cinco de dezembro de 2012, a publicação online “Terra Polícia” exibe como manchete: “Em ano violento, São Paulo registra 100ª morte de policial militar“. A notícia estabelece um histórico da violência em São Paulo em 2012, a começar pelo mês de junho, envolvendo ataques contra ônibus (semelhantes aos que atualmente ocorrem em Santa Catarina), juntamente com execuções de policiais, chacinas e homicídios em geral. Parece que lá está instalada uma associação perversa entre violência aleatória, insegurança generalizada com a participação de egressos do sistema prisional, que seguem delinquindo repetidamente enquanto gozam de benefícios de “progressão de pena” e privilégios de “ressocialização”.

Indiferença das autoridades

Ainda em São Paulo, ao final de 2012, a gestão da segurança pública entra em franco desgaste político, depois de tentar negar que a violência prevalente naquele estado seja orquestrada de dentro das cadeias, para “’mandados’ do lado de forra”, por uma facção criminosa específica (cujo “empreendimento criminoso” principal é o narcotráfico).

O governo estadual de São Paulo e o governo federal passam a digladiar acerca da crise, de maneira nitidamente político-partidária – igual que no tocante a uma “eleição insólita” dos líderes do Congresso Nacional em 2013 (Senado e Câmara), parece que a conquista/manutenção do poder, de maneira político-partidária, deixou de ser um meio político – passou a ser o próprio objetivo da política nacional na conjuntura de 2013. A nação e seus interesses primordiais, como segurança, deixam de ser uma “unanimidade política”. Em 21 de novembro de 2012, a publicação online “G1 São Paulo” estampa como manchete: “Com ex-secretário, SP teve 93 PMs mortos no ano e alta taxa de violência“. Antonio Ferreira Pinto, então secretário de Segurança Pública de São Paulo, deixa o cargo em 21 de novembro de 2012, sendo substituído pelo ex-procurador-geral de justiça, Fernando Grella.

E os policiais paulistas seguem morrendo…

No artigo “namorando com o suicídio”, assinado por José Roberto Guzzo na revista Veja (edição de 30 de janeiro de 2013, página 72), ele refere “Se nada piorar neste ano de 2013, cerca de 250 policiais serão assassinados no Brasil até o dia 31 de dezembro. E continua, “É uma história de horror, sem paralelo em nenhum país do mundo civilizado”. Mais ainda, “ (…) O fato de que um agente da polícia é morto a cada 35 horas por criminosos, em algum lugar do país, é aceito com indiferença cada vez maior pelas autoridades que comandam os policiais e que têm a obrigação de ficar do seu lado”.

Policiais mortos

O artigo de Roberto Guzzo parece sugerir que a morte de policiais passou a ser algo “naturalizado” politicamente. Nem mesmo as próprias polícias (conselhos nacionais, confederações, comandos, direções ou órgãos associativistas) “ousam tratar” da questão com a devida ênfase em sua enorme importância. Não há, da parte de nenhuma instituição (com exceção da “mídia livre”), uma “denúncia lúcida e racional” acerca da morte de policiais. Talvez, denunciar a morte de policiais tenha passado a ser algo que não é “politicamente correto”. Seria como que desconstruir a figura do “bode expiatório” (policiais violentos e corruptos como “típicos, prevalentes e incorrigíveis”…) de uma crise cada vez mais grave. Na verdade, a crise é de liderança política moral – na qual o poder público parece inerte e sem liderança alguma.

Avocando Juliet Berg uma vez mais, vale lembrar o que vem do exemplo da África do Sul. Berg aponta que o crime organizado, dado sua natureza complexa e o fato de ser, nos moldes atuais, fenômeno social ainda relativamente novo, carece de ser melhor entendido por organizações dentro e fora do aparato estatal (instituições acadêmicas, de análise política e da sociedade civil em geral). Tudo isso parece semelhante ao que se passa hoje no Brasil no cenário retratado pela pesquisadora citada. Ela afirma, referindo a situação sul-africana, que a política de segurança pública tenha um papel importante no fenômeno, principalmente em eventual confrontação com as organizações criminosas, ou mesmo passividade com que as tolera. Segundo Berg, isso possibilita que o crime organizado passe a atuar em um ambiente livre de riscos, demonstrando pouco ou nenhum receio de ser infiltrado e consequentemente reprimido pelas forças policiais.

Policiais mortos nivelados com criminosos vivos…

O governo federal refere indiretamente a crise da segurança pública em sete de fevereiro de 2013, estabelecendo bolsas de estudo para filhos de policiais mortos e detentos do sistema prisional. Na mesma data, o Exame.com noticia: “Filhos de policiais mortos em serviço terão bolsa de estudo“. Parece paradoxal, entretanto, que ao anunciar algum tipo de compensação para policiais mortos pelo crime, no mesmo ato/momento o governo federal trate também da educação de detentos (criminosos, obviamente…). O veículo referido expressa no mesmo texto as duas proposições:

Execuções, chacinas e atentados

“É uma perda que não é compensável, que é enterrar o pai por estar fardado em serviço e é assassinado de forma covarde pelo crime organizado. É muito pouco em termos financeiro (sic), mas é o mínimo que o Estado deve fazer para as famílias desses policiais”, disse hoje (7/2) Mercadante durante cerimônia no Ministério da Educação. O ministro informou que será preciso ajustes na legislação para garantir esse direito aos filhos de policiais mortos em serviço.

E logo em seguida:

Na manhã de hoje, Mercadante e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciaram 90 mil bolsas gratuitas de capacitação profissional, por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), para detentos e aqueles que já deixaram a prisão. O total de vagas será ofertado até 2014.

Enquanto isso, na origem de boa parte da insegurança…

A matéria televisiva “Fronteira Abandonada: Cocaína entra facilmente pelo Acre“, produzida pelo SBT Brasil(edição de 22 de janeiro de 2013) denuncia que “A falta de controle das autoridades brasileiras transformou a operação (do narcotráfico) em algo simples para os traficantes”. As imagens mostram uma situação de completo abandono dos interesses nacionais em uma “fronteira altamente criminogênica pelo narcotráfico,” o que é depois refletido e multiplicado em insegurança pública, com forte correlação com o narcotráfico, fenômeno rampante nas grandes metrópoles brasileiras e respectivas “cracolândias”. Isso implica hoje em índices de homicídios situados entre os maiores do mundo, morticínio que já agora se já estende até mesmo aos próprios operadores da segurança pública do país.

Concluindo, todas essas notícias levam o observador mais leigo a algumas poucas, mas significativas conclusões. A primeira delas é a de que o “narcotráfico incontido”, com origem precisa em países limítrofes com o Brasil (Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia), constitui uma séria ameaça (tacitamente permitida…) ao Bem Comum da nação brasileira. Que o mesmo “narcotráfico transnacional” deu origem a uma “criminalidade doméstica” violenta e arrogante, capaz de assacar contra quem quer que lhe oponha (incluindo os prepostos da lei e da ordem). Que essa mesma criminalidade é hoje como que “politicamente inocentada”, em razão de agendas político-ideológicas que buscam equalizar o ônus da desigualdade social com o bônus da “irresponsabilidade penal”, situação quando não consentida, ao menos tolerada.

O extremo de tudo? – Um verdadeiro surto de execuções de policiais, chacinas e atentados indiscriminados contra todos da nação, em um verdadeiro “desafio aberto” da criminalidade contra a Ordem Democrática, a Segurança e a Ordem Pública.

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[George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF]