Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A força dos acontecimentos

Milhares de pessoas nas ruas de Fortaleza movidas por uma única pauta: a insegurança pública. Sem UNE, sem CUT, sem a esquerda e sem os gabinetes de políticos, o movimento abrigou milhares de adesões espontâneas. Um ato civil, pacífico e ordeiro. A mais pura manifestação da cidadania cobrando o que lhe é de direito. Nascido do incômodo de muitos, o ato germinou e cresceu divorciado da política tradicional. O movimento não tinha pais (porém, tinha mães). Tal característica deixou a esquerda desnorteada e a direita irresoluta. Ou vice-versa, como queiram.

Abrigo de nove entre dez partidos políticos, o poder trocou os pés pelas mãos, balbuciou algumas palavras desconexas e cambaleou em sua chocante incapacidade de oferecer as respostas que os manifestantes tanto pedem. É evidente que sobrou também para a imprensa. Mal acostumadas com as primaveras, que são sempre tão parcas nos trópicos, parte das redações de nosso Ceará não soube o que fazer. Muitos de nossos jornalistas costumam retorcer a boca para o que não vem da política tradicional da esquerda militante.

Parte de nossa imprensa só ouviu, lá longe, os cães latirem, mas não percebeu a caravana da cidadania a passar célere e indignada, com suas mãos espalmadas pintadas do vermelho de sangue. Deu de ombros. No que diz respeito ao papel da imprensa, a pior das opções.

Engajamento pela cidadania

Assim como a nossa política, parte da imprensa não sabe lidar com o que surge espontaneamente na sociedade. Não havia sindicatos, não havia associações, não havia entidade de classe. Não havia financiamento público. A mobilização era exclusiva da cidadania privada a favor do que os americanos do norte se acostumaram a denominar de “direitos civis”. Direitos civis, direitos coletivos e direitos individuais. Não era um “Fora Sicrano” ou “Fora Beltrano”, palavras de ordem clássicas de quase todas as mobilizações organizadas no Brasil. Foi um ato que teve o Hino Nacional como trilha sonora.

Foi um ato em que as pessoas estavam preocupadas em colocar o copinho plástico de água em seu devido lugar: no lixo. Um ato movido pela gentileza. Sim, gentileza, coisa raríssima em nosso cotidiano tramado pela violência simbólica e objetiva. Mas, voltando à imprensa, qual o seu papel em relação a movimentos como o da mão espalmada? Simples: cobrir. Abrir espaços em suas páginas para expor ao distinto público o que está acontecendo. Render-se às contingências da pauta oficial não é o caminho. Lamentavelmente, houve quem escolhesse tal opção.

A partir de um momento em que a articulação ganha corpo e representatividade no âmbito da sociedade, abriga-se dentro da lei e representa anseios justos, cabe à imprensa oferecer visibilidade aos acontecimentos e, se for o caso, até conceder apoio editorial. Cabe à imprensa se engajar em causas pela cidadania, pelos direitos civis, individuais e coletivos. Ao longo da história da imprensa, tem sido esse comportamento a motivação maior de sua existência. O pior dos mundos se dá quando, na ânsia de agradar ao poder que controla o tesouro, promove-se uma cobertura que rebaixa os acontecimentos, que os trata como algo banal, buscando sugar a força dos acontecimentos.

A briga é de todos

Nos dias que antecederam ao grandioso ato de cidadania da quinta-feira (13/6), ocorreu o tímido surgimento de um movimento contrário. Nada demais. É parte do jogo. Porém, o argumento é de uma estupidez violenta e, sim, discriminadora. A coisa se deu da seguinte maneira: todos se diziam favoráveis ao movimento e bla-bla-blá, mas faziam, digamos, ponderações quanto à natureza social das pessoas que estavam organizando o “Fortaleza Apavorada”. Ora, ora.

Por serem majoritariamente de corte social da classe média para cima, essas pessoas não teriam a legitimidade para tocar tal pauta. Antes, elas estariam obrigadas a falar, por exemplo, da educação pública. Antes, teriam que deixar que as periferias se mobilizassem para só assim terem o direto de fazê-lo. Isso é conversa fiada. Há grupos políticos no Brasil que se acham donos do movimento social. O que não nascer de suas entranhas (que são de classe média) deve ser solenemente repudiado como “coisa de burguês”.

Na democracia (felizmente ainda vivemos numa), quem quer que seja tem o pleno direito de se mobilizar pelo tema que bem entende. Há quem se mobiliza até pelo que é proibido no Código Penal (a maconha, por exemplo). O clamor pela segurança pública é um movimento de extremo sentido e de grande amplitude social. Não se melhora a segurança para uns poucos sem que se melhore para todos. Ricos, pobres e remediados são beneficiários do sucesso da causa. Portanto, o tema pelo qual se briga é a favor de toda a sociedade.

A derrota dos partidos

Há muito o que aprender com a mobilização que levou milhares de pessoas para as ruas de Fortaleza numa tarde de quinta-feira, dia útil de trabalho. É claro que a mobilização foi fermentada pelos fatos cotidianos que afligem aos cidadãos, mas também foi fermentada pela forma inteligente de transformar essa aflição em uma energia social que culminou com um grande ato construído por milhares de pessoas.

Pela primeira vez no Ceará, as redes sociais tiverem papel preponderante na organização do movimento. Pela primeira vez, uma manifestação conclamada pela internet teve resultado tão concreto. A aposta quase geral era (não duvidem) que o ato do dia 13 só mobilizaria um punhado sem grande significância.

A nossa política partidária foi a grande derrotada. De tão desgastada, foi mantida afastada do movimento por decisão de seus organizadores. Eram constantes os avisos dirigidosaos políticos: “Os que tentarem entrar no movimento serão deletados”. E muitos devem ter sido.

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Fábio Campos é colunista de O Povo