Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘A quebra de sigilo em democracias é exceção’

Nas democracias, a quebra do sigilo é considerada exceção. O programa Prism, de espionagem da internet e das chamadas telefônicas nos EUA, transformou a exceção em regra. A definição é do especialista em segurança digital Diego Canabarro. Em entrevista ao Estado pelo Skype, de Amherst, nos EUA, ele diz que as revelações do ex-agente Edward Snowden devem servir para que as pessoas adquiram consciência de que, ao usar a internet e o telefone, podem ser monitoradas.

Você acha que um programa tão abrangente é necessário para conter ações terroristas?

Diego Canabarro – Do ponto de vista do governo americano, sim. Desde o 11 de Setembro, diz-se aqui que nenhum ataque da escala dos atentados às Torres Gêmeas se repetiu, o que indica o sucesso de medidas como o Prism.

O atentado na Maratona de Boston, em abril, não sugere que o problema dos EUA não é falta de dados, mas de análise?

D.C. – Não sabemos quantos atentados foram evitados.

O Prism está dentro da lei?

D.C. – Segundo esclarecimentos prestados pelo diretor nacional de Inteligência dos EUA, James Clapper, o Prism foi desenvolvido em estrita observação ao ordenamento jurídico americano: ele não pode ser usado intencionalmente para o monitoramento e obtenção de informações de americanos, ou de qualquer pessoa dentro do país. Mas, na prática, os cidadãos americanos podem ser monitorados. Sem falar na violação da privacidade de cidadãos de outros países.

O problema é que o programa trabalha com acesso irrestrito às bases de dados das empresas envolvidas. O limite entre acessar as informações de americanos ou não fica a cargo do operador do sistema. Edward Snowden disse que, da mesa dele, podia acessar os dados de quem quisesse e sem dúvida alguns operadores fazem isso. Apesar de ter sido delineado nos termos da legislação e da Constituição americana, o Prism deu acesso a um rol vastíssimo de informações a empresas terceirizadas, prestadoras de serviços para o setor de inteligência.

O fato de as agências americanas fazerem um monitoramento e armazenagem de dados tão vastos o surpreende?

D.C. – Não há, nisso tudo, nenhuma novidade. Na primeira década deste século, a agenda de segurança dos EUA ganhou um grande aliado no setor de tecnologia da informação do país, seja na fabricação de hardware e software, seja na prestação de serviços. Se os republicanos são conhecidos por suas relações viscerais com o complexo militar-industrial, os democratas são conhecidos por sua maior aproximação com as gigantes do setor da informação. O 11 de Setembro e o emprego da internet pela Al-Qaeda foram instrumentais para que o hiato entre os dois campos fosse diminuído: hoje, pode-se falar em um complexo militar-informacional-industrial. Em meio aos cortes do governo Obama no início do ano, o Comando de Defesa Cibernética do país teve sua força de trabalho mais que triplicada. De 2000 a 2010, produziram-se mais informações do que em todo o século passado. E isso vem sendo claramente explorado pelo governo americano em suas políticas públicas, interna ou externamente.

Então, esse escândalo não porá fim a essas práticas?

D.C. – A tendência é essas práticas se intensificarem. A importância dessa revelação está em conscientizar as pessoas das consequências do uso das redes sociais, dos e-mails e dos telefones. O que é colocado nas redes sociais, por exemplo, fica armazenado por tempo indeterminado. É preciso que se criem e se revisem as regras a respeito do que se pode fazer com esse conteúdo. No Brasil, estamos tentando fazer isso com o Marco Civil (projeto de lei em discussão), que é de suma importância para a proteção dos direitos fundamentais dos usuários da internet.

No caso do Prism não era necessário nem sequer um mandado individual, nem a justificativa para lançar suspeita sobre determinada pessoa. A quebra do sigilo é tida nos contextos democráticos como exceção. Esse programa transformou a exceção em regra.

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Lourival Sant´Anna, do Estado de S.Paulo