Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Guerra de informação

A guerra de informações nunca foi tão ostensiva no planeta. Enquanto os Estados Unidos explicam o que os serviços secretos faziam com dados de e-mails de milhões de cidadãos; os governos americano e britânico, em meio a denúncias, mantêm a campanha para justificar a seus respectivos eleitores suas ações no Oriente Médio. A primeira década do século 21 marca o uso sem precedentes da propaganda por governos e grupos de protestos. A tecnologia digital – como comprovou o WikiLeaks – criou novos caminhos para que as pessoas desafiem e critiquem as mensagens do Estado. Esse é um dos recados da exposição “Propaganda: poder e persuasão”, que acaba de ser inaugurada pela British Library, na capital britânica.

A mostra reúne uma série de propagandas de Estado divulgadas do início do século 20 até hoje. Boa parte vem do acervo da própria biblioteca. Segundo o curador da exposição, Ian Crooke, a exposição debate as formas como uma informação pode ser usada. “A propaganda, como vemos na exposição, mudou ao longo dos anos. Ela foi se adaptando para atingir os diversos públicos”, afirmou.

Crooke também ressaltou que, com o avanço de sites como o Twitter e o Facebook, a autoria dessas peças de publicidade, antes restrita a um pequeno setor, tornou-se muito mais aberta: “As mídias sociais transformaram todos em potenciais propagandistas.” Este fenômeno aumentou o desafio do Estado. Antes detentor do monopólio da informação, ele, agora, precisa lidar com diversas fontes. Divulgar sua mensagem torna-se cada vez mais difícil.

Dependência dos governos

Segundo um cartaz da exibição, “a guerra de longa data contra o terror e os combates no Iraque e Afeganistão apresentaram um novo desafio para governos, organizações militares e cidadãos em busca de informações. O governo confia à mídia a função de disseminar muitas das suas mensagens, mas a credibilidade (dos meios de comunicação) se sustenta na percepção de (sua) independência”.

A tentativa de afirmação desta independência pode ser refletida, por exemplo, nas edições dos jornais britânicos Daily Mail e Daily Mirror quando questionaram o fato de que jamais foram encontradas armas de destruição no Iraque. O governo britânico usou a suposta existência do arsenal como desculpa para invadir aquele país.

As salas interativas da exposição mostram as diferentes finalidades da propaganda, da incitação à guerra ao combate de doenças. Seja qual for a razão, os governos são os que mais tentam validar e justificar suas ações pela publicidade. Dependem dela para obter a aprovação do povo e influenciar o seu comportamento. Logo na entrada, há cartazes gigantes de algumas personalidades que melhor souberam usar a propaganda para conquistar as massas – uma lista que abrange nomes como Mao Tse-tung, Joseph Stalin, Evita Perón, Winston Churchill e Adolph Hitler.

Estes personagens são recentes, mas a propaganda é uma prática muito antiga – anterior, inclusive, a seu próprio nome. Ela estava na Antiguidade, em moedas cunhadas com o busto dos governantes que deveriam ser amados; em grandes monumentos e esculturas romanos; em retratos a óleo feito por artistas para eternizar a face da realeza. Mas foi apenas no século 17 que surgiu a palavra em latim propagare, adotada pela Igreja Católica para referir-se à disseminação de crenças e doutrinas.

Os impérios mudam de tamanho

A autoafirmação obtida pela propaganda entorta até a geografia. No livro No rumo do Império, escrito por Henrique Galvão em 1934, o mapa “Portugal não é um país pequeno” mostra uma imensa mancha alaranjada avançando sobre o Leste Europeu, chegando a países como Hungria e Bulgária. O motivo: a nação lusitana teria este tamanho se também fossem consideradas suas colônias africanas: Angola e Moçambique.

O livro foi produzido para apoiar a Primeira Exposição Colonial Portuguesa, comemorar o expansionismo do país e estimular o orgulho nacional. Depois do evento, o mapa passou a ser usado nas escolas pelo país, mostrando que Portugal era tão grande ou mesmo maior que outros países europeus. Poucos anos antes, o Reino Unido havia adotado uma tática semelhante. Em 1927, um cartaz destacou o volume recorde de exportações do país para a Índia: “Apoie seu melhor consumidor pedindo sempre produtos do Império.”

As grandes exposições e feiras mundiais são exemplos recorrentes de como os governos podem se promover tanto nos seus mercados internos quanto no cenário global. Mas a reafirmação dos Estados também pode ser feita de maneiras menos comuns, como a corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria.

Imagem manipulada de líderes

A mostra destaca materiais que exaltam líderes como Hitler, normalmente presente sozinho nas peças publicitárias – uma demonstração de que ele é o chefe absoluto. Outro devoto da propaganda era Joseph Stalin. Em uma ilustração, o ríspido ditador soviético aparece em uma montanha da Geórgia, sua terra natal, lendo um livro de poesias. Desta forma, tentava-se convencer a população de que, à sua frente, estava um comandante esclarecido e preparado.

Stalin, aliás, era tão ciente da importância de sua imagem que, para sustentar o seu mito, apagou as peças publicitárias que exaltavam seu rival e contemporâneo Leon Trotski. O ditador soviético se considerava o herdeiro natural de Vladimir Lênin, líder da Revolução Russa. Lênin e Stalin aparecem juntos, em uma ilustração da revista A União Soviética, publicada em meados dos anos 1950. Era mais uma forma de exaltá-los como arquitetos do comunismo e a continuidade do regime.

Também foi pela propaganda que os americanos venderam títulos da guerra para levantar fundos com as mensagens “Garanta liberdade de expressão, compre bônus da guerra”. Durante a Primeira Guerra Mundial, um cartaz e seu slogan ficaram famosos mundialmente. Nele, o “Tio Sam” aponta para frente, mirando os jovens do país, e intimando: “Eu quero você no Exército dos Estados Unidos”.

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Vivian Oswald é correspondente do Globo em Londres