Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O poder irresistível das redes sociais

A rapaziada saiu às ruas para protestar. A molecada arrumou um álibi qualquer, aprontou, despertou indignação no governador e no prefeito, enfrentou tropa de choque, balas de borracha e bombas de efeito moral.

Como cidadão maduro e responsável, endossei as críticas aos jovens agitadores.

Aí, no meio do dia recebo telefonema de minha filha de 15 anos. Queria saber do artigo que saiu no Blog, pois os amiguinhos estavam comentando. Entro no Twitter e, de cada 10 comentários na minha timeline (nome que dão às mensagens nas quais o remetente inclui o seu endereço como destinatário), 8 eram sobre o tal artigo.

Vou até o artigo e confiro 58 mil leituras – muito mais do que qualquer artigo de jornal, com exceção da manchete principal.

O artigo é de um velho comentarista do Blog, André Borges Lopes, e o título, em si, já é um murro: “Jovens vão às ruas e nos mostram que desaprendemos a sonhar”.

O André disse coisas terríveis para minha formação de cidadão maduro e responsável (http://goo.gl/f0HOj).

“O fundamental não é lutar pelo direito de fumar maconha em paz na sala da sua casa. O fundamental não é o direito de andar vestida como uma vadia sem ser agredida por machos boçais que acham que têm esse direito porque você está “disponível”. O fundamental não é garantir a opção de um aborto assistido para as mulheres que foram vítimas de estupro ou que correm risco de vida. O fundamental não é impedir que a internação compulsória de usuários de drogas se transforme em ferramenta de uma política de higienismo social e eliminação estética do que enfeia a cidade. (…) O fundamental não é o aumento de 20 centavos num transporte público que fica a cada dia mais lotado e precário.

“O fundamental é que estamos vivendo uma brutal ofensiva do pensamento conservador, que coloca em risco muitas décadas de conquistas civilizatórias da sociedade brasileira”.

Grito de esperança

A luta política, a necessidade de sobrevivência política, o excesso de pragmatismo, está produzindo uma anomalia política. Os mesmos que reagiram contra a ditadura, que enfrentaram a censura, que combateram o autoritarismo, que lutaram pela melhoria das condições sociais do brasileiro, estão se rendendo ao conservadorismo mais retrógrado, ao acomodamento, ao fim do sonho.

Em grandes veículos, a crítica ao “politicamente correto” gerou aberrações, jornalistas que se tornaram prisioneiros dos personagens que criaram, exarando o conservadorismo mais atroz, o preconceito mais pestilento. E o mundo político foi atrás, do PT ao PSDB.

André termina seu épico com um brado de esperança:

“Desde a Antiguidade, esses jovens ingênuos e irresponsáveis são o sal da terra, a luz do sol que impede que a humanidade apodreça no bolor da mediocridade (…)

“Esses moleques que tomam as ruas e dão a cara para bater incomodam porque quebram vidros, depredam ônibus e paralisam o trânsito. Mas incomodam muito mais porque nos obrigam a olhar para dentro das nossas próprias vidas e, nessa hora, descobrimos que desaprendemos a sonhar”.

Depois de ler, liguei para minha filha e pedi desculpas por minha geração.

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Luis Nassif é jornalista