Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Que tal voltar à velha prática de ouvir o outro lado?

Não se pode ser ingênuo hoje, especialmente quem já tem mais de 50 anos (meu caso), em relação ao jornalismo nosso de todo dia. Por outro lado, é preciso manter alguma expectativa positiva, senão seria hora de simplesmente não acompanhar mais nenhuma publicação jornalística, em qualquer canal de rádio, televisão, impresso ou internet. Dito isto, é evidente que é necessária uma edição muito especial sobre como tem sido a cobertura da mídia frente a um fenômeno que nenhum horóscopo ou analista político previu: a gigantesca manifestação das ruas após a escandalosa atuação da polícia militar em São Paulo, mobilizada por seus comandantes (governador incluso) e, também, por boa parte da mídia (vide o editorial contundente da Folha de S.Paulo conclamando a uma repressão “justa”).

O problema é que a polícia truculenta e despreparada na relação direta com a classe média (afinal, ela está acostumada a “reagir” e eliminar periféricos bandidos, algo que não repercute na nossa mídia com a contundência que merece) adorou exercer sua competência sobre gente bem-vestida e localizada na Avenida Paulista. E, claro, também parece não ter achado ruim se vingar de uma imprensa que, vira e mexe, mesmo que rarefeitamente, a chama de despreparada. Enfim, tudo o que já sabemos, mas que ainda provoca leituras diferentes quanto ao elemento disparador das manifestações gigantescas que revelam, no mínimo, o seguinte: jovens, adultos e velhos gostaram de encontrar um espaço para protestar contra o escárnio diário com que os políticos, especialmente os do Legislativo, nos brindam.

O problema é que a imprensa continua fazendo das suas. E este texto é basicamente para um registro da irresponsabilidade escandalosa de um canal tão acessado quanto é o G1. Sob o pretexto da urgência que a internet coloca e em sintonia com um discurso monocórdico, agora, dos canais de TV, a insistirem no “pacifismo da maioria”, em contraponto a vândalos e arruaceiros, o G1 usou o velho esquema “reprodução de BO”, perdendo a chance de fazer jornalismo de primeira, aquele que esclarece e serve de condutor para correções e avaliações da sociedade. Ou seja, Jornalismo com J maiúsculo, o Jornalismo necessário e essencial para o Estado democrático.

Tudo, menos imprensa

Esta matéria escandalosa tem como “abre” o seguinte parágrafo: “O protesto pacífico que reuniu cerca de 100 mil pessoas no Centro do Rio nesta segunda-feira (17) terminou com um grupo de radicais destruindo prédios públicos e privados e agredindo policiais militares. Ao todo, 13 pessoas foram presas em flagrante e encaminhadas para a 5ª DP (Mem de Sá).” Ora, esta parece ser a versão da polícia, ou mesmo a imaginação do repórter. Em nenhum momento tal “profissional” se deu ao trabalho de ouvir algum dos listados na final da matéria e, claro, incluir uma outra informação que desse margem para dúvida a esta informação bizarra. E chamo de bizarra porque a lista inclui um manifestante que conheço, que é meu monitor em disciplina, o Wesley Prado, fotógrafo freelancer, que foi impedido de trabalhar logo após registrar um ato nada democrático de policiais.

Além da truculência da polícia orquestrada por um governo que até aquele momento só se manifestou para dizer que tinha que reprimir as arruaças; além de ter passado a noite na prisão; além dos amigos terem que fazer “vaquinha” para conseguir os mil reais da fiança; além de não entender até agora por que, afinal, ele e outros foram incluídos como “formadores de quadrilha”, este jovem teve que ler esta matéria indigna e que carimbou na sua história a pecha de “arruaceiro formador de quadrilha”. Tudo porque, este subjornalismo (é duro chamar de jornalismo isto que foi publicado), estava mais preocupado em encontrar logo quem não foi “pacifista” e, claro, as prisões são sempre um manancial para produção de material assim. Isto, desde os antigos tempos em que a Editoria de Polícia se consolidou em cima, apenas, das versões de B.O., sem qualquer preocupação de checagem, pois isso poderia significar secar uma fonte que era “prato cheio” para cobrir buracos não vendidos dos jornais impressos mequetrefes que existiam à farta antes da internet mudar, parcialmente, o rumo desta história.

Enfim, este pequeno texto, mais do que uma contribuição ao Observatório da Imprensa, traz o registro da indignação frente ao jornalismo que se perpetua sob o logo de “grande imprensa”. Espero que possa contribuir, minimamente, para a retratação deste órgão chamado G1. É o mínimo que se pode fazer, além, claro, de tirar esta matéria, para sempre, do ar. Não é possível que tamanha irresponsabilidade continue tão à vontade para existir em um lugar de tão fácil acesso como é a internet hoje. A história já registrou, infelizmente, o que a imprensa é capaz de causar a pessoas inocentes quando não checa e não age profissionalmente. Não há quem não lembre do que aconteceu com os protagonistas do terrível caso Escola de Base. Espero que um jovem brilhante, poeta, sonhador, que tem se exposto tanto em função do que acredita, não seja prejudicado, a qualquer nível, em função de, mais uma vez, ter servido aos interesses de um jornalismo que pode ser tudo, menos imprensa.

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Denise Tavares é jornalista e professora da Universidade Federal Fluminense