Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sem violência, um passo de cada vez

Os protestos das últimas semanas têm ganhado visibilidade no Brasil e no mundo. No exterior, talvez esta condição se justifique pelo fato do país ser a próxima sede de eventos esportivos de grande magnitude e que atraem um público representativo. No entanto, as manifestações das ruas adquiriram caráter histórico, em grande parte, pelo tom pacífico das marchas (apesar de episódios lamentáveis de violência, excessos e depredações), pela rápida capacidade de difusão das mensagens e pelo alto poder de aglutinação. Mais do que uma insatisfação passageira, milhões de pessoas, na maioria jovens, têm mostrado o rosto e gritado em alto e bom tom o país que desejam ver. Isso é democrático!

O descontentamento também tomou conta das redes sociais, onde, até o último dia 18/6, quase 80 milhões de usuários foram impactados por mensagens relativas à mobilização social. Expressões como “vem pra rua” e o “gigante acordou” foram as mais citadas em um universo que ultrapassou os 236 mil termos.

A este respeito, Michel Maffesoli, um dos sociólogos mais representativos da pós-modernidade e pesquisador da Sociologia do Cotidiano, atribui em seu livro A República dos Bons Sentimentos um papel de destaque à juventude. O francês considera que cabe aos jovens os esforços para a mobilização social e a quebra do conformismo, difundido constantemente pela elite intelectual, pelos políticos e pelos jornalistas. Esta condição dissemina uma anestesia geral sobre a sociedade onde os clamores por mudança são silenciados, perdem força e impulso. O poder mobilizador e a exigência da transformação social nascem com uma ruptura, a partir da experiência, do contato com a realidade, dos clamores e das demandas cotidianas.

Nas lutas do dia a dia

Em uma entrevista concedida em abril ao jornal gaúcho Zero Hora, o sociólogo foi enfático ao destacar que na década de 1980, com o grande ciclo da pós-modernidade, as grandes manifestações sociais foram perdendo sua força. A população deixou de se preocupar com as possibilidades futuras para focar mais no presente. A respeito da juventude que é vista e ouvida nas ruas nos últimos dias, vem à tona e ganha o seu papel político uma geração incompreendida, que busca o seu espaço e que, motivada pela emoção, não se preocupa mais com a sociedade perfeita do futuro, mas com as demandas mais próximas, os problemas do cotidiano. A luta é pelas conquistas diárias. Pelas coisas menores. Pelo dia a dia.

Em Maffesoli, pode-se considerar que os vintes centavos foram apenas o estopim para uma mobilização que ganhou dimensões nacionais. E que a partir de agora outras pautas surgirão! Isso se faz necessário, pois mais do que barulho e de milhares de vozes é preciso um motivo pelo qual lutar. É preciso trazer à tona outras deficiências do cotidiano e, de maneira organizada, torná-las pautas do debate público. A exigência de direitos é uma bandeira que nunca é antiquada e por isso não deve ser deixada de lado. Ir para a rua é mais do que uma aglutinação de pessoas: é uma forma eficaz e legítima de se fazer política e de brigar por espaços.

A juventude deve, e mais do que isso, precisa, lutar contra este conformismo que reinou durante anos. As passeatas precisam ser manifestações mais políticas e menos partidárias, de uma população que deseja participar efetivamente da reforma no país. Ir para a rua é apenas o primeiro passo de uma batalha contra-hegemônica que deve ser continuada em 2014, nas eleições majoritárias: sem violência, na emoção, na voz, nas lutas do dia a dia, um passo de cada vez.

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Renata de Paula dos Santos é jornalista, Londrina, PR