Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Facebook e Kafka

Saiu na Folhade hoje (19/7/2013):

Facebook censura post da Folha com manifestantes nus

O Facebook apagou na manhã desta sexta-feira uma postagem feita na página oficial da Folha na rede social (facebook.com/folhadesp) (…)

Os manifestantes, que ficaram acampados por oito dias e deixaram a Câmara na manhã de ontem, tiraram fotos nus no local um dia antes da desocupação e postaram na mesma rede social.

Após a publicação da reportagem sobre o tema no site da Folha, uma postagem com a foto dos manifestantes e o link para a nota foi feita na página do jornal no Facebook às 15h40 de ontem (veja imagem ao lado).

A postagem foi apagada no início da manhã de hoje, e o jornalista responsável por ela teve a conta na rede social suspensa por 24 horas.

O mesmo conteúdo foi postado na página do jornal no Google+ -rede social concorrente do Facebook- às 15h44 de ontem e não foi apagado.

Procurado pela reportagem da Folha, o Facebook informou que não comenta casos específicos e que a postagem permanecerá excluída.”

Falamos do assunto em março desse ano, quando o Facebook decidiu que fotos de índios praticando o Jamurikumalu eram indecentes e as excluiu de suas páginas. Mas vale repetir parte do texto porque o problema só tende a agravar-se e nossas leis ainda não têm solução para ele:

“As redes sociais se tornaram uma das principais formas de comunicação entre seus usuários. No caso do Facebook, cerca de um em cada sete habitantes do planeta utiliza a plataforma.

Em uma democracia, as regras são estabelecidas pela própria sociedade que se submete à ela. Podemos ter variações individuais mas, de forma geral, a lei reflete (ou deveria refletir) a média da sociedade.

Mas as regras das redes sociais são estabelecidas por um grupo pequeno – às vezes meia dúzia de pessoas – que não foram escolhidos por quem será submetido às suas regras. Se o dono da rede tem uma determinada orientação moral, religiosa ou artística, ele acaba impondo sua orientação a um enorme universo de pessoas que não a compartilham.

Em teoria, se os usuários não concordarem, podem simplesmente deixar de usar o serviço.

O problema surge, contudo, quando o uso não é mais uma simples questão de opção, mas de necessidade. Se, por exemplo, todas as pessoas de seu círculo social se comunicam através daquela plataforma, deixar de usá-la significa o ostracismo social.

O mesmo raciocínio vale para serviços de email ou de mensagem instantânea. Se apenas algumas pessoas utilizam determinado serviço, não há problema em a empresa (privada) dona da plataforma impor suas regras de uso como bem entender. Mas se milhões de pessoas necessitam usar a plataforma para se comunicarem, e as empresas estabelecem limitações à liberdade de expressão dos usuários, isso pode estar ferindo vários dos direitos fundamentais, como a liberdade de associação ou de expressão.

Afinal, quando é que um serviço passa a ser tão essencial que, mesmo sendo fornecido pela iniciativa privada, ele precisa ser controlado pelo Estado, como aviação, eletricidade ou serviços bancários?”

O texto continua abordando outras questões importantes, mas deixou de fora um ponto que passa a ser cada vez mais essencial: em uma democracia, para que você seja punido há um devido processo legal. Mesmo se ignorarmos o fato de que as regras das redes sociais são criadas e impostas por pessoas eleitas por acionistas (ou seja, investidores) e não pelos usuários que sofrem as consequências, aparece um outro problema: sua aplicação é obscura, para não dizer aleatória. Quem tem o conteúdo apagado não tem como se explicar ou se defender. Sequer sabe que está sob ‘investigação’ ou que está sendo ‘julgado’. Desconhece quais são os argumentos contra e não pode apresentar provas a favor. Sabe apenas que foi condenado, e depois de ter sido condenado: ‘alguém’ apaga, em um processo kafkaniano e bane o usuário de utilizar a rede por dias, semanas ou de forma permanente. Sem possibilidade de recurso ou revisão.

Ditadura?

Imagine se um condenado por crimes hediondos fosse privado de se comunicar com outras pessoas. É justamente isso que acontece no mundo das redes sociais: a empresa decide suspender as interações sociais do indivíduo em sua plataforma. Mas por ‘delitos’ de pensamento, de opção artística ou filosófica. Ele é banido da plataforma da qual ele passou a depender para boa parte – às vezes a maior parte – de suas interações sociais.

Fosse um governo, chamaríamos de ditadura. Em uma empresa normal, clamaríamos por boicote. Mas as regras de um mercado competitivo sob as quais empresas normais operam não são aplicáveis em situações de oligopólio ou monopólio. Nestes casos, cabe ao governo reequilibrar a equação em favor do usuário.