Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ideia de filtro online do Reino Unido esbarra em questões práticas

Nesta semana, o primeiro-ministro britânico anunciou a criação de um conjunto de regras no país que visa limitar o acesso à pornografia online. Empunhando a bandeira da defesa das crianças, o governo almeja estabelecer obrigações de filtragem prévia, na navegação dos usuários britânicos, de conteúdos que possam remeter a material pornográfico. Provedores de conexão, como British Telecom, Sky e Virgin, já disponibilizam o serviço de filtragem prévia para novos clientes. A proposta do governo é tornar a filtragem, que hoje é facultativa, obrigatória. Aqueles que desejarem ter acesso a conteúdo pornográfico deverão informar essa escolha ao provedor de conexão – e, consequentemente, ao governo.

A gestão de conteúdos na internet nos remete a algumas reflexões diretamente aplicáveis ao caso britânico. Não existe filtro ideal; o que não se imaginava filtrar acaba sendo filtrado. A palavra “sexo”, por exemplo, está inserida não apenas nos sites de pornografia, mas também na literatura, na medicina, no cinema e em tantos outros espaços que representam as dimensões da vida social. Trechos do best-seller Cinquenta Tons de Cinza certamente seriam objeto desse tipo de filtragem.

O Estado não deve ter acesso a todas as informações que compõem a vida privada do indivíduo. Esse é um valor tão caro que a defesa da intimidade pode ser encontrada em diversas Constituições ao redor do mundo, incluindo a brasileira.

Concepções do que seja pornografia

O que pode ser mais privado que nossa opção por consumir ou não pornografia? Faz sentido que o governo de um país seja capaz de formar um banco de dados com as informações de acesso de seus cidadãos a todo e qualquer conteúdo pornográfico?

Por fim, sempre há caminhos alternativos. Tornar o acesso a determinados conteúdos mais difícil não significa que eles deixem de existir. Significa que o indivíduo apenas fará o caminho mais longo para chegar até eles. Hoje, é tecnicamente possível navegar de forma criptografada e ter acesso a material não indexado, seja legal, como sadomasoquismo, ou ilegal, como pedofilia.

Em uma sociedade democrática, existe uma natural pluralidade de concepções do que seja a pornografia. É desejável que essa pluralidade se mantenha no espaço virtual e permita que o usuário de internet faça, por si mesmo, as escolhas do que deve ou não estar acessível a ele. Caso contrário, o que é filtro passa a ser censura.

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Especialista diz que medida não resolve problema

O anúncio de que o Reino Unido irá filtrar a pornografia na internet e banir materiais “extremos” (como vídeos que simulam estupros) deve ter sido motivo de piada entre pedófilos. Essa é a opinião de Jim Gamble, ex-chefe do Ceop (Centro de Proteção Online contra a Exploração Infantil). Para ele, criminosos não buscam pornografia no Google, mas em redes P2P (compartilhamento direto de pessoa a pessoa), muito mais complexas de serem descobertas. “Nós temos que atacar a raiz do problema: investir em equipes de proteção a crianças, de suporte a vítimas e de fiscalização.”

Especialistas também questionam se a nova medida não irá tolher a liberdade de escolha, visto que filtros similares já estão disponíveis sob demanda. Além disso, há dúvidas se o filtro conseguiria distinguir materiais adultos de sites educativos sobre a saúde sexual. Outra preocupação é que a censura à pornografia possa ser ampliada a outros conteúdos, como acontece em nações de governo autoritário.

O Reino Unido não é o único país a debater essas questões. Em fevereiro, o ministro do Interior da Islândia, Ogmundur Jonasson, propôs um projeto de lei que bania a pornografia extrema na internet e em mídias impressas. Opositores disseram que a ideia era autoritária e minava a liberdade de expressão (das agências de notícias).

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Mônica Steffen Guise Rosina é professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas; Alexandre Pacheco da Silva é pesquisador da mesma instituição