Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Ouvi os disparos; foi quando senti um leve tranco na cabeça’

Por volta das 14h30 de ontem [sexta, 16/8] (9h30 de Brasília), eu acompanhava alguns manifestantes que tentavam apedrejar uma delegacia, no Cairo, quando a situação ficou fora de controle.

Comecei a ouvir tiros disparados de uma rua lateral. Decidi me refugiar atrás de um dos pilares, embaixo do viaduto onde eu estava. Havia outros jornalistas ali.

Era um viaduto com alças de ferro e colunas de concreto. Em uma dessas colunas, eu estava protegido. Eu tinha percebido que havia atiradores em cima dos prédios, então ali era o local mais seguro em um eventual ataque. Helicópteros militares sobrevoaram a área duas vezes.

Ali embaixo, percebendo o perigo, comecei a recuar para o mais distante possível, assim como diversos jornalistas. Eu andei cerca de 60 metros. Já temia os disparos.

Comecei a acompanhar um grupo, à distância, enquanto fotografava e filmava. Enquanto isso, ouvi o barulho dos disparos. Só não consegui saber se era na minha direção. Foi quando senti um leve tranco na cabeça.

Um egípcio me chamou a atenção e mostrou um projétil amassado.

Eu pensei que ele só estivesse tentando me mostrar que havia disparos. Foi aí que apontou, então, para a minha cabeça e me disse que eu estava sangrando.

Naquele momento, percebi a gravidade da situação. A partir dali, não pensei em outra coisa a não ser em sair o mais rapidamente possível e procurar por socorro médico.

Corri cerca de duas quadras, para fora da zona de conflito, e parei um táxi. O motorista, percebendo a minha ferida, não quis que eu entrasse no carro. Além disso, ele não falava inglês.

Eu insisti, abrindo a porta e entrando no veículo. Coloquei o equipamento no banco de trás. Desesperado, gritava apenas para que ele fosse adiante.

Telefonei ao repórter da Folha Diogo Bercito, que fala árabe, para que ensinasse o caminho ao motorista. Com a ligação ruim, não conseguimos conversar.

Algumas quadras à frente, percebemos que o Exército tinha bloqueado as ruas. Parei na frente de um soldado, dizendo que estava ferido e que precisava passar.

Ele recomendou que eu fosse para o hospital. Eu disse que precisava voltar para o hotel, pois lá conseguiria tratamento.

Diante da situação, ele ordenou que um jipe militar me acompanhasse até o hotel, para a minha segurança.

Há vários tipos de conflitos. O conflito armado entre um país e outro e os embates nas ruas, entre manifestantes e policiais. Cada um tem sua característica. Porém, na rua, é difícil saber de onde você pode ser atingido, tendo de redobrar sua atenção.

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Joel Silva, enviado especial ao da Folha de S.Paulo ao Cairo