Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Espionagem leva a corrida por mais privacidade na web

Google Inc., Facebook Inc. e outras empresas americanas de tecnologia foram colocadas na defensiva quando as alegações sobre o monitoramento da internet pelo governo dos Estados Unidos vieram à tona.

Fora dos EUA, algumas empresas e alguns políticos viram aí uma oportunidade.

Três dos maiores provedores de e-mail da Alemanha, incluindo a telefônica semi-estatal Deutsche Telekom AG, se uniram para oferecer um novo serviço, Email Made in Germany (Email Feito na Alemanha). As empresas prometem que, como vão criptografar e-mails através de servidores alemães e seguir as rígidas leis de privacidade do país, as autoridades americanas não poderão espionar as mensagens facilmente. Mais de 100.000 alemães aderiram ao serviço desde que foi lançado, em agosto.

“É um argumento de vendas sem paralelo”, diz Jorg Fries-Lammers, porta-voz de uma das empresas alemãs, a 1&1 Internet AG. A Agência de Segurança Nacional dos EUA, NSA na sigla em inglês, reconheceu que vinha coletando dados de e-mail sobre cidadãos americanos através de empresas de telefonia e internet como parte dos esforços do país para combater o terrorismo.

Incentivados pela controvérsia, vários países estão procurando usar as leis de privacidade dos dados como uma vantagem competitiva – uma forma de impulsionar as empresas nacionais que há muito buscam uma vantagem sobre o Google, a Microsoft Corp. e outros gigantes americanas da tecnologia.

Mas embora criar essas ilhas de privacidade possa render um bom marketing, as iniciativas enfrentam obstáculos. As leis que exigem que os dados sejam armazenados no próprio país podem dar um impulso aos provedores domésticos de internet, mas também podem aumentar os custos para os clientes.

E criar muralhas internas para serviços on-line é um objetivo que bate contra uma dura realidade.

“Isso significa, basicamente, ignorar toda a internet”, diz Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, um centro de estudos do Rio de Janeiro. “Esses dados têm que circular. […] Não vão ficar parados, sem uso.”

No entanto, alguns líderes europeus estão reiterando pedidos para uma “euro nuvem”, na qual os dados dos clientes poderiam ser compartilhados dentro da Europa, mas não fora da região. O Brasil está apressando a aprovação de um projeto de lei, antes meio esquecido, que poderia exigir que os dados sobre os brasileiros sejam armazenados em servidores no país. E a Índia planeja proibir os funcionários públicos de utilizar o e-mail do Google e do Yahoo Inc.

Armazenamento de dados

Empresas americanas estão vendo esses fatos com certa preocupação.

“Todos nós deveríamos ficar nervosos quando países impõem novas exigências onerosas às empresas como condição para servir aos seus cidadãos”, diz a diretora operacional do Facebook, Sheryl Sandberg. “Isso significa fragmentar a internet e colocar em risco as oportunidades econômicas e sociais que ela proporciona.”

O Google não quis comentar para este artigo, e a Yahoo não respondeu aos pedidos de comentários.

É muito cedo para dizer se uma grande mudança está em curso. Mas a Fundação de Inovação e Tecnologia da Informação, um centro de estudos sem fins lucrativos de Washington, estima que as repercussões negativas das revelações sobre as atividades da NSA podem custar ao Vale do Silício até US$ 35 bilhões em receitas anuais, sobretudo pela perda de negócios no exterior. Uma pesquisa realizada em meados do ano pela Cloud Security Alliance, um grupo do setor, constatou que 56% dos membros não-americanos informaram que as preocupações com a segurança tornam menos provável que eles usem serviços de computação em nuvem baseados nos EUA.

“Isso tem o potencial de corroer significativamente a confiança dos clientes do mundo inteiro”, diz John Frank, vice- diretor jurídico da Microsoft.

Pode ser difícil para as empresas americanas repararem os danos, em especial quando a abrangência das atividades da NSA é secreta e outros países têm reclamado dos EUA. Na terça-feira a presidente Dilma Rousseff, criticou duramente a espionagem americana no Brasil em seu discurso na Assembleia Geral da ONU.

A vice-presidente da Comissão Europeia, Neelie Kroes, que supervisiona o portfólio digital da União Europeia, está incentivando as empresas do bloco a promover suas normas quanto à questão da privacidade.

Mas pode ser difícil cumprir parte das promessas dessas “ilhas de dados”.

Embora grande parte da legislação proponha que as informações sobre os cidadãos fiquem localizadas no país, isso ignora o fato de que os dados podem precisar ser transferidos para outros locais.

E as leis que exigem o armazenamento de dados no próprio país podem elevar o preço da computação. As empresas nacionais de armazenamento de dados podem ter dificuldade para competir com as economias de escala que favorecem as grandes empresas americanas, diz Jim Reavis, presidente da Cloud Security Alliance. Além disso, pode muito bem ser mais barato usar um centro de dados no exterior do que construir um no país.

Sem diferenças

A computação específica de cada país também pode ter seus problemas de privacidade. Alguns países, como o Brasil, que estão incentivando o armazenamento doméstico, não protegem a privacidade dos dados na internet, de modo que seus cidadãos não estariam a salvo dos olhos do seu próprio governo. No primeiro semestre, o Brasil fez 715 pedidos de dados sobre usuários ao Facebook, segundo a empresa.

Até mesmo firmas que buscam lucrar com os temores sobre a espionagem americana reconhecem que os órgãos oficiais de outros países querem adquirir as mesmas capacidades dos EUA.

“No longo prazo, não haverá qualquer diferença entre o que os EUA, ou a Alemanha, ou a França ou o Reino Unido estão fazendo”, diz Roberto Valério, cuja empresa alemã de armazenamento em nuvem, CloudSafe GmbH, divulgou um aumento de 25% em seus negócios desde as revelações sobre a NSA. (Colaborou Loretta Chao)

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Elizabeth Dwoskin e Frances Robinson, do Wall Street Journal