Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Biografias: é preciso regulação

A empresária Paula Lavigne, que gerencia a carreira de Caetano Veloso, entre outros artistas, rebateu nesta quinta, 10, as críticas feitas a ela pelo escritor Laurentino Gomes na Feira de Frankfurt com relação à publicação de biografias não autorizadas no Brasil.

“Os biógrafos não querem debater como vamos compatibilizar o direito constitucional de liberdade de expressão com o direito constitucional que garante a inviolabilidade da vida privada, da intimidade e da imagem pessoal. Eles é que estão agindo de forma antidemocrática e ditatorial”, ela considera.

Autor dos best-sellers 1808, 1822e 1889, Laurentino Gomes rechaça a postura da associação Procure Saber, coordenada por Paula e da qual fazem parte os compositores Chico Buarque, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Caetano, e Erasmo Carlos. Eles defendem a autorização prévia do biografado.”O Brasil é hoje um dos raros casos de país democrático que impõe dificuldade ou mesmo censura ao trabalho dos biógrafos. Proibir ou dificultar a produção de biografias é engessar a História e tirar dela o seu componente mais encantador: a complexidade e a incerteza que envolve seus personagens”, disse ele.

A proibição das biografias não autorizadas tornaria o Brasil o país das biografias chapa-branca, como disse Laurentino?

Paula Lavigne – É preciso entender que há uma diferença entre proibir – o que não é o pleito da Associação Procure Saber – e regular. Laurentino é biógrafo e está brigando por seu próprio interesse, o que é compreensível. Nesse contexto, afirmações de efeitos, até deselegantes, são armas para calar o outro lado. Estão imputando à Procure Saber uma posição que ela não aceita, de censora. Talvez seja desinformação do Laurentino. Nós não queremos proibir nada e não temos nenhum projeto de lei formatado. O Código Civil é de 2002 e seus artigos estão vigentes. Os biógrafos é que querem derrubar os artigos 20 e 21 do Código Civil, vigente há 11 anos, usando argumentos nem sempre verdadeiros. É mentira que nós estamos querendo censurar ou proibir alguma coisa, nós só queremos discutir como vamos proteger nossa privacidade. Se eles querem mudar esses artigos, deveriam primeiro discutir a questão e não simplesmente derrubar parte do nosso Código Civil, deslanchando uma campanha sem debates construtivos, baseada em acusações sem qualquer procedência.

Não seria uma medida antidemocrática?

P.L. – Que medida? Nós não estamos propondo nada, os biógrafos é que querem derrubar dois artigos do Código Civil vigente sem discutir a questão com todos os interessados. Eles é que estão agindo de forma antidemocrática e ditatorial. Os biógrafos é que não querem debater como vamos compatibilizar o direito constitucional de liberdade de expressão com o direito constitucional que garante a inviolabilidade da vida privada, da intimidade e da imagem pessoal. Se não querem discutir a questão de maneira séria, fica difícil.

“Paula Lavigne afirma querer a verdade, mas, é preciso lembrar, também os militares diziam isso, nos anos de chumbo, para justificar seus atos”, disse Laurentino. Gostaria de comentar?

P.L. – Laurentino está nos ofendendo e criando uma cortina de fumaça com essa afirmação. A liberdade de expressão foi conquistada depois da ditadura, mas o direito à privacidade também foi. Uma conquista não é menor que a outra. O artigo 5º da Constituição garante direito à liberdade de expressão mas também garante a inviolabilidade da vida privada, da intimidade e da imagem pessoal. Essas duas garantias estão mesmo artigo 5º, uma no inciso IX e outra no inciso X, e estão no mesmo nível. Uma garantia constitucional não é menor que a outra. Só precisam ser harmonizadas. Os biógrafos estão gritando, batendo o pé e jogando pedras sem atentar para o fato de que a Constituição também garante o direito à privacidade. Sobre isso eles não falam nunca. Como não estamos mais nos anos de chumbo, todos temos direito à liberdade de expressão e de pensamento, mas todos também temos direito à inviolabilidade da nossa privacidade. Quando o governo americano invade a nossa privacidade, ninguém acha que seja uma atitude aceitável. Acredito que os biógrafos também não. Todos temos que nos precaver contra qualquer violação dos nossos direitos.

Não seria o caso de depois processar caso saia algo que ofenda o biografado?

P.L. – Não somos a favor de que se tenha que pedir autorização, só queremos discutir as precauções. O que você está sugerindo é o mesmo que os biógrafos querem derrubar. O que acontece é que o dano moral no Brasil é imoral, não é incentivado pela justiça para que o Brasil não se torne um mercado de indenizações. No entanto, corremos o risco de ser o país das biografias chapa-marrom. As leis americanas e as de outros países são punitivas e compensatórias, ou seja: quem causa o dano vai pra cadeia, paga indenizações altíssimas e por isso há mais cuidado. Toda a jurisprudência que conseguimos é nesse sentido. Aqui, isso não acontece. A proposta dos biógrafos é de liberar geral, sem nenhum cuidado com o direito constitucional de privacidade.

Caetano tem sido criticado po ter sempre defendido a liberdade de expressão e agora estar se posicionando dessa forma. Como empresária dele, como você responde? 

P.L. – É óbvio que Caetano e eu continuamos a defender a liberdade de expressão. Também defendemos todas as garantias que a Constituição oferece, inclusive a da inviolabilidade da vida privada, da intimidade, da honra e da imagem pessoal. Eu pediria ao biógrafos e à imprensa que se acalmassem e entrassem na questão com lucidez, sobriedade e responsabilidade, porque essa reação violenta não leva a lugar nenhum.

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Roberta Pennafort, do Estado de S.Paulo