Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Com a palavra, o professor

Diz o professor José Miguel Wisnik em artigo para O Globo, sobre o tema biografias, que ele (Chico Buarque) “tem razão no que diz sobre o jornal Última Hora (fui colunista em 1975, e sei bem que o jornal de 1974 era radicalmente diferente do de 1970)”.

Eu estava na UH de São Paulo em 1970 – entrei em agosto de 69 quando Alcides Torres, um mestre reconhecido das artes gráficas era diretor. Em 1974 passei a editor quando Samuel Wainer assumiu a direção e abriu o jornal para muitos jovens colunistas, entre eles o professor Wisnik, lembro-me bem.

Por conta da minha ligação com o então chamado “meio artístico” e principalmente com o pessoal do teatro, Samuel me escolheu nos primeiros tempos para acompanhá-lo na sua reaproximação com a vida paulistana. Saíamos à noite pelos teatros, shows, eventos e restaurantes “badalados” que o pessoal costumava frequentar.

Já que o professor Wisnik diz “saber bem” a diferença entre a UH de 1970 e a de 1974, gostaria que ele nos desse uma aula.

Por que não disse?

Para ajudá-lo na sua tarefa, lembro que foi na redação da UH que aconteceram as reuniões que levaram em 1971 à ampliação da Associação Paulista de Críticos de Teatro para Associação Paulista de Críticos de Arte, APCA. À frente estava o crítico teatral João Apolinário, poeta português que se exilara no Brasil fugindo da PIDE de Salazar, em 1963. Ele achava que os jornalistas, críticos de arte, deveriam se juntar aos artistas na sua luta contra a censura e isso só teria ressonância por meio de uma entidade forte e representativa.

Lembro ainda o professor que na mesma época, um dos colunista da Última Hora era Plínio Marcos, que já não encontrava emprego em lugar nenhum e estava proibido de ser encenado pelos censores da ditadura. (Estranho que um jornal dos esquadrões da morte acolhesse alguém como Plínio.) Isso já está documentado em livros, se o professor se interessar. Há outras informações que publiquei em post anterior e, talvez, possam lhe ser úteis.

Como o professor concorda (“sei bem”) com o seu amigo que disse que a Última Hora em 1970 era “supostamente ligada a esquadrões da morte”, esperamos (eu e, em memória, Plínio Marcos, João Apolinário e Samuel Wainer) que ele enfim nos ilumine e diga hoje o que não sabíamos na época.

Fico ainda mais surpreso que o professor (como o seu amigo) imagine que Samuel Wainer tenha aceitado assumir a direção de um jornal sabendo que ele era, ainda que “supostamente”, ligado a esquadrões da morte.

Éramos todos imbecis desinformados (“inocentes úteis” como se dizia na época)? Por que o professor não nos alertou?

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Oswaldo Mendes é jornalista e ator