Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Leminski não autorizado

Agora é o nome do poeta curitibano Paulo Leminski que entra na fogueiras das biografias. Depois de não autorizar a reedição de um livro lançado originalmente em 2001 pelo biógrafo Toninho Vaz, as herdeiras do escritor não permitiram que uma obra de memórias, feita pelo londrinense Domingos Pellegrini, fosse lançada em da forma como foi escrita.

Domingos diz ter sido convidado para escrever por uma editora e disse que, desde o início, ficou acertado que a família receberia também uma porcentagem dos lucros. No entanto, como não recebia retornos dos textos que enviava por e-mail, decidiu romper com o trato e seguiu adiante em seus escritos, mesmo sem saber como faria o lançamento. “Não lutei contra a ditadura para ser censurado agora”, diz ele, ao Estado.

Procurada pelo jornal, Alice Ruiz, viúva do poeta, decidiu responder todas as indagações do repórter com o mesmo e-mail que afirma ter enviado a Pellegrini. Ela é objetiva sobre as impressões negativas que a fez não autorizar a publicação. No mesmo e-mail, pede ao autor que reveja as partes como condição para a liberação.

A filha mais velha do poeta, Áurea Ruiz, diz não se sentir confortável para responder ao jornal sem o consentimento da irmã caçula, Estrela Ruiz, que estava, segundo ela, em Frankfurt (Alemanha).

Proibido pela família, livro sobre o poeta é lançado na internet

O escritor paranaense Domingos Pellegrini, vencedor de seis prêmios Jabuti e autor de mais de 30 obras, decidiu lançar um livro em que narra episódios que viveu com Paulo Leminski depois de não ter tido autorização da família do curitibano, morto em 1989, para a publicação da obra. Pellegrini escreveu um e-mail ao Supremo Tribunal Federal informando de sua decisão: “Sou escritor e acabo de colocar na internet, para divulgação e reprodução gratuitas permitidas, o livro inédito em anexo, Passeando por Paulo Leminski, pois a família herdeira não autorizou sua publicação impressa”.

Pellegrini conta que foi convidado para fazer o livro pelo editor Samuel Ramos Lago, da Editora Nossa Cultura, de Curitiba. Desde o início, o acertado era que a família leria tudo antes, e que, depois de publicada a obra, ganharia também uma porcentagem sobre ela. “Decidimos com a editora que, sobre o preço de capa, teríamos 12%: 6% para mim e outros 6% para os herdeiros”, conta o escritor ao Estado. Ele diz ter desistido quando percebeu que os herdeiros não lhe davam retornos dos capítulos que enviava. “Caiu a ficha de que aquilo não seria bom.”

O escritor conta que seguiu em sua escrita até o fim, lembrando dos 17 anos de amizade que nutriu com Leminski, de 1972 até sua morte. Ele afirma que o resultado não se trata de uma biografia convencional, mas de memórias das vivências com o amigo. Sem autorização para lançá-la, escreveu um último e-mail para a família com uma espécie de ultimato. “Assim que informei que iria colocar tudo na internet, imediatamente houve resposta. Mas disseram que queriam modificações para liberar a publicação impressa”, conta ele, que afirma ter feito um livro afetuoso, mas que não poderia deixar de falar de episódios importantes como a morte provocada por cirrose. “Resolvi colocar tudo na internet, está lá. Não lutei contra a ditadura para enfrentar censura agora. Leminski é um patrimônio público, não pode ser cerceado nem por sua família.”

Estado enviou perguntas para a viúva do escritor, Alice Ruiz, e para a filha mais velha, Áurea. Alice decidiu responder às questões com o mesmo e-mail que afirma ter enviado a Pellegrini no dia 5 de outubro. Em um trecho, ela escreve: “Pellegrini, sei que você é um dos que se posicionaram a favor dele (Leminski), em artigos, resenhas, matérias, etc. Sei que você é um dos que ele considerava amigo, embora, entre esses, três já mostraram que ele estava enganado. Lendo seu livro, percebo que, nas entrelinhas, você está à beira de unir-se a eles.”

E, então, segue deixando claro os assuntos do livro que fariam com que proibisse a publicação: “A ênfase no álcool, sua leitura de uma ‘precariedade’ de bens em nossa casa (você nunca ouviu falar em contracultura?), as observações exageradas sobre ‘falta de banho’, que corresponde a um período de maiores excessos, mas que foi superada, enfim, tudo isso serve para criar uma imagem bem negativa do Paulo em contraponto à sua, que aparece como ‘o’ interlocutor por excelência e cheio das qualidades que supostamente ‘faltavam’ a ele”.

Pellegrini diz que enviou o texto do livro para e-mails de jornalistas e para os amigos, pedindo que divulgassem o máximo que pudessem. A família não respondeu ao Estadosobre sua postura com relação ao fato de o livro estar circulando na web.

Ainda no e-mail, Alice segue: “Claro, isso tudo se explica pela disputa ferrenha de egos que havia entre vocês (eu estava lá, lembra?) e à qual agora ele não tem como responder. Ainda assim, o teu livro tem uma leitura importante do ‘fazer poético’ do Paulo, joga uma luz esclarecedora sobre vários aspectos da obra e é amoroso em vários pontos. Por isso, e só por isso, achamos – nós três (Alice e as filhas Áurea e Estrela) – que, se você estiver disposto a ‘ressuscitar’ o Dinho, aquele cara que era amigo do Paulo, deixando o ego de lado e revendo essas questões, o livro merece ser publicado. Caso contrário, não poderemos autorizar nem a publicação das imagens nem a publicação dos inúmeros textos dele.”

A filha mais velha, Áurea, respondeu ao e-mail do Estado escrevendo apenas: “Decidimos todos os assuntos sobre o Paulo Leminski, conjuntamente, entre eu, Alice e Estrela. Por isso, temos que esperar o retorno da Alice que está em Frankfurt. Espero que entenda”.

No início da semana, o jornal Folha de S.Paulo revelou que uma nova edição de outra biografia de Leminski, de Toninho Vaz, também havia sido impedida de ser publicada pela família. Batizada Paulo Leminski – O Bandido que Sabia Latim (Editora Record, 378 págs.) , a obra foi lançada pela primeira vez em 2001, com autorização de Alice, que teve participação nos direitos. Os familiares do curitibano comunicaram à editora que não autorizavam a edição por causa do enfoque “depreciativo à imagem do retratado e seus familiares”.

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Julio Maria, do Estado de S. Paulo