Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Reação à espionagem foi ‘emocional’

O criador da internet, sir Tim Berners-Lee, critica a proposta do governo de Dilma Rousseff de obrigar empresas da web a instalar seus servidores no Brasil. Em uma coletiva de imprensa na quinta-feira (5/12) em Genebra, o britânico foi categórico: “Trata-se apenas de uma reação emocional do Brasil. Na prática, não terá qualquer impacto.” Ele saiu em defesa de ativistas como Edward Snowden e outros que revelaram informações de como o governo americano está usando sua criação que cumpre 20 anos para monitorar milhões de pessoas. Mas insiste que a saída não é o que sugere o Brasil.

Em meados de novembro, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, garantiu que o governo não recuaria da proposta de obrigar as empresas de internet a instalar seus servidores no país, mesmo depois de críticas de especialistas do setor e da oposição de gigantes como Google ou Facebook. A proposta foi incluída no texto do Marco Civil da internet, projeto de lei que vai regular a web no País, como forma de endurecer o controle do governo sobre a possibilidade de espionagem e garantir que empresas forneçam informações à Justiça brasileira, se solicitado. “Isso não ajuda”, disse o britânico, em resposta ao Estado. “Não é prático e não é a forma de resolver o problema da espionagem”, declarou. “Essa estratégia não será eficiente e não vai parar a espionagem”, insistiu.

Berners-Lee explicou que a opção do governo não vai funcionar por dois motivos. “O primeiro é técnico. Vai ser mais difícil operar redes sociais se cada um dos países exigir agora que servidores estejam em seus países. O segundo motivo é que a web tem como sua fortaleza justamente o fato de não ter uma nação. É mais que ser internacional. A web não tem nação e nacionalizar servidores não vai funcionar”, declarou.

O britânico ainda alerta que a introdução desse debate no Brasil pode acabar retardando a aprovação do Marco Civil. “O que eu recomendo é retirar isso (exigência sobre servidores) e não enfraquecer o Marco, que é bom”, disse. Há poucas semanas, a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, insistiu que os dados que circulam no Brasil não devem ser armazenados em outros países, “sem controle da nação brasileira”.

Espionagem

O britânico, apesar de criticar a proposta brasileira, não deixou ainda de elogiar o Brasil por “liderar o debate no mundo” no que se refere à web e sua proteção. Para ele, mais preocupante que a espionagem em si é o fato de que um sistema “praticamente sem controle” foi criado para essa atividade em massa. “O que assusta não é que a espionagem está ocorrendo, mas que existe um sistema onde não existem responsáveis. É verdade que precisamos da polícia para patrulhar a internet. O cybercrime é um problema real. Mas o problema é que esse sistema de espionagem foi criado sem o conhecimento público e sem controles”, alertou. “Não há ninguém por trás desse sistema garantindo que nossos valores sejam protegidos”, insistiu.

O criador da web também saiu em defesa de pessoas como Snowden, que revelaram informações secretas de como esse sistema funcionava. “O sistema precisa de freios e controles. Eles não existem e o que existe fracassou. Vamos construir novos sistemas. Mas, quando eles fracassarem, precisaremos ainda de ativistas que sairão para salvar a sociedade”, insistiu.

Para ele, Snowden precisa ter um “reconhecimento internacional” pelo que fez. “Talvez não um prêmio Nobel. Mas uma anistia e que existam países que declarem que tais pessoas serão protegidas se um dia o sistema fracassar de novo em nos proteger”, defendeu.

Dados no Brasil não é consenso

A proposta de localizar a guarda de dados de brasileiros no país foi materializada pelo governo em texto reformulado do Marco Civil da Internet, projeto com princípios de uso da internet no Brasil. que tem sua votação adiada desde o final de 2012.

Após os escândalos de espionagem, a pedido da presidente Dilma Rousseff o relator incluiu artigo no texto que estabelecia que a exigência de guarda de dados em data centers no Brasil seria implementada ainda pelo Executivo, por meio de Decreto, deixando assim detalhes dessa regulamentação para outro momento. Ainda assim, a votação do projeto continuou a ser adiada na Câmara e acabou ficando para 2014.

O relator Alessandro Molon (PT-RJ) chegou a considerar a possibilidade de o artigo ser votado em separado, mas disse que trabalharia pela sua aprovação. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, saiu em defesa do artigo dos data centers e disse que, embora soubesse que a medida não faria diminuir os riscos de vigilância, ao menos faria com que as empresas estrangeiras de internet cumprissem leis nacionais.

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Jamil Chade é correspondente do Estado de S. Paulo em Genebra