Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Chargista é forçado a se retratar após irritar presidente

Quando preparava uma charge para a edição do El Universo de 28 de dezembro do ano passado, o caricaturista equatoriano Xavier Bonilla não imaginava que uma frase num desenho entre centenas que já publicou lhe custaria a ira do presidente Rafael Correa, um processo judicial e uma dura multa ao jornal. Bonil, como é conhecido, foi o primeiro a ser punido pela lei de imprensa aprovada em junho passado pelo governo equatoriano e apelidada de “lei da mordaça” pelos jornalistas. A sanção incluiu a obrigatoriedade de que Bonil publicasse uma retificação. Foi o que o cartunista fez quarta-feira, mas com uma charge que alimenta a polêmica – e no mesmo momento em que a ONG Comitê para a Proteção de Jornalistas colocou o Equador entre os 10 países do mundo que mais restringiram a liberdade de imprensa em 2013.

O desenho original mostrava personagens armados com fuzis que levavam caixas e eletrodomésticos de um apartamento, com a inscrição: “Polícia e Promotoria revistam casa de Fernando Villavicencio e levam documentos de denúncias de corrupção”. A charge fazia referência a uma operação realizada na casa do ex-sindicalista Fernando Villavicencio, assessor do deputado Cléver Jiménez, opositor do governo. Na época natalina, policiais invadiram a residência sem mandado e levaram quantidade indeterminada de documentos que teriam informação de e-mails interceptados do governo pelo ex-sindicalista.

Ver o tema tratado no El Universo irritou o presidente Correa, que desafiou Bonil a provar a afirmação. Em seguida, um órgão supervisor criado com a nova lei de comunicação sancionou o El Universo com uma multa de 2% de seu faturamento no último trimestre. O jornal prometeu pagar o valor, mas vai recorrer. A retificação da charge veio na quarta-feira: Bonil colocou flores em vez de fuzis nas mãos dos policiais. E a frase que provocou a revolta de Correa foi substituída por “Polícia e Promotoria revistam casa de Villavicencio e apreendem tablets, computadores, celulares”. “Para mim, o caso acaba aqui”, afirmou Bonil, que no início do mês disse que o processo era “um abuso de poder”.

Repressão aos jornalistas

Em 2012, antes da nova lei, Correa já processara o El Universo por difamação. “Quer dizer que é humor afirmar que foram realizadas revistas para apreender documentos sobre corrupção. (…) Acrescentem desenhos a uma difamação e deixará de ser difamação… quem pode aceitar tamanho disparate?”, escreveu o presidente no Twitter.

A interpretação de difamação citada por Correa constitui um dos principais pontos de polêmica para os jornalistas equatorianos. A lei de comunicação criou o conceito de “linchamento midiático”, que proíbe a difusão de informação que possa desprestigiar qualquer pessoa ou empresa. Os meios que descumprirem a norma podem ser obrigados a pedir desculpas públicas e pagar multas. Para os jornalistas, deixar essa avaliação nas mãos do governo limita a atividade da imprensa, especialmente em apurações de denúncias de corrupção.

Em Nova York, o Comitê para a Proteção de Jornalistas divulgou quinta-feira que o Equador “é uma das democracias onde o espaço de liberdade de expressão e imprensa independente está diminuindo rapidamente”. A lei de comunicação aprovada em junho é citada como a principal censora – e responsável por colocar o Equador no mesmo nível de repressão jornalística de países como Egito, Bangladesh, Síria, Vietnã, Libéria, Rússia, Turquia e Zâmbia.