Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘É perfeitamente legítimo ter uma lei de comunicação’

Rafael Correa (Guayaquil, 1963), economista formado nos EUA, é presidente do Equador desde 2007 e foi eleito para um terceiro mandato em 2013 depois de décadas e instabilidade política crônica. A luta contra a desigualdade foi uma das grandes conquistas de sua gestão – em um país de 14,6 milhões de habitantes, cerca de 28% vivia abaixo da linha de pobreza em 2011 frente a 37% em 2006, segundo dados do Banco Mundial– assim como a bonança econômica, mas também foi acusado de autoritarismo, sobretudo pela Lei de Comunicação, que recebeu críticas unânimes por parte da imprensa internacional e de organismos de defesa da liberdade de expressão.

Nos últimos tempos sua gestão tem sido marcada pela concessão de asilo político a Julian Assange, o arquiteto do Wikileaks, na Embaixada do Equador em Londres ou pela oferta à comunidade internacional de não explorar um campo petrolífero no Amazonas, no Parque Yasuní, em troca de que o Equador fosse indenizado já que, argumentava, a luta contra a mudança climática é global. O dinheiro nunca chegou. A entrevista foi realizada na quinta-feira em Madri, durante a visita de Correa à Espanha, na qual foi nomeado honoris causa pela Universidade de Barcelona pela sua política contra a desigualdade.

Projetos como a Universidade Yachay, o vale tecnológico equatoriano, formam parte de seu objetivo de luta contra as raízes da desigualdade?

Rafael Correa – O desenvolvimento é um processo político. A América Latina tem os problemas que tem pelas elites que nos dominaram e que, além disso, são as que detêm os meios de comunicação. O problema do desenvolvimento é que muitas coisas necessárias são requeridas mas nenhuma é suficiente por si só. Se necessita talento humano, ciência, tecnologia. Avançamos muito no social, avançamos muito no político, mas ainda um dos principais problemas do país é a baixa produtividade de sua economia, a concentração em poucas atividades econômicas. Temos que fazer coisas melhores, coisas novas. A isso chamamos diversificar a matriz produtiva e por isso são tão importantes a ciência e a tecnologia como geradores de riqueza. Estamos colocando muita ênfase nisso. É um direito, o direito humano a educação, mas também é um fator fundamental na produtividade.

Por isso o imperativo moral da humanidade no século XXI é superar a pobreza, porque pela primeira vez na história não é fruto de escassez de recursos mas de sistemas excludentes e de injustiça.

A luta contra a desigualdade continua sendo sua principal prioridade como presidente?

R.C. –A pobreza na América Latina é fruto da desigualdade. Com a produção atual do Equador, e uma distribuição igualitária, se eliminaria a pobreza. E isto também é certo em toda América Latina e provavelmente a nível mundial. Por isso o imperativo moral da humanidade no século XXI é superar a pobreza, porque pela primeira vez na história não é fruto de escassez de recursos mas de sistemas excludentes e de injustiça. Com essa prioridade e com saudável orgulho, podemos dizer que somos os campeões na América Latina em diminuição da desigualdade.

E não há perigo de criar uma economia subvencionada?

R.C. –Quem disse que a superação da pobreza são subvenções? Uma das coisas que o jornal EL PAÍS sempre repete, e são as meias-verdades que são mentiras duplas, é que nós mantivemos o nível de popularidade com base em bonificações, transferências monetárias. Isso não criamos, porque na economia há coisas muito fáceis de fazer e quase impossíveis de desfazer. É fácil colocar um subsidio. Tire-o depois! Provoca uma crise tremenda. É fácil eliminar a moeda nacional e colocar o dólar. Volta a colocar a moeda nacional! É praticamente impossível. São programas que herdamos e que eu jamais dei início.

A lei de comunicação foi muito criticada por muitos outros meios internacionais e organismos de direitos humanos. A liberdade de expressão no Equador está em perigo?

A crise que vocês [europeus] estão vivendo é pela falta de regulação bancária

R.C. –Como as leis para supervisionar os bancos. Também diziam que era um perigo para o poder financeiro. E olha que isso de eliminar as leis de supervisão bancária em 1994 nos levou à pior crise financeira em 1999. A crise que vocês [europeus] estão vivendo é pela falta de regulação bancária. Coincidiremos que o poder midiático é um poder. Então todo poder necessita de regulação social e isso se faz através de leis. Onde está o problema? Por que é um poder que se auto legitima dizendo que é liberdade de imprensa? Os bancos também se auto legitimavam dizendo que é liberdade de mercado e olha aonde isso nos levou. É perfeitamente legítimo ter uma lei de comunicação, que não é lei de meios, que tem coisas tão positivas como a profissionalização dos jornalistas.

Mas criticar o poder é um dos deveres dos jornalistas e, si isso não acontece, tem efeitos muito negativos para toda a sociedade. No seu país os jornalistas que criticaram o poder tiveram problemas.

R.C. –Com todo o carinho, isso não é verdade. A crítica não se sanciona nem por lei nem pelo Governo. Se penalizam as mentiras, a infâmia, a calúnia. O jornal El Universo foi sancionado porque disse que em 30 de setembro de 2010, quando quase fui assassinado, eu havia ordenado os disparos contra as pobres pessoas. Isso não é crítica, isso é uma mentira. E que bom que as leis salcionem essa mentira. Um dos problemas da América Latina é que se mente e eu conheço a diferença entre a maioria da imprensa europeia e a imprensa latina. Vocês não entendem isso porque estão acostumados ao nível ético da imprensa europeia. O caso que o EL PAÍS tratou tão mal, dos jornalistas, Fernando Villavicencio com o Cléver Jiménez. Eu não sei qual é a informação que vocês têm. Eles chamaram o presidente de genocida. E isso é suficientemente grave. Não sei se aqui [na Espanha] podem dizer que o rei Juan Carlos é um genocida. Mas não é isso, é uma demanda penal que assinaram embaixo, com ofício de advogados e da promotoria. Porque me acusaram de genocida, de criminal de lesa humanidade, que fugi em 30 de setembro a uma universidade próxima para preparar meu suposto resgate, que tudo era um show. Isso colocaram por escrito. O presidente da República foi investigado durante nove meses. Tivemos que pedir até um certificado da Cruz Vermelha Internacional, dizendo que naquele dia não se cometeram delitos de lesa humanidade. E, como tinha que ser, isso foi declarado malicioso e temerário e de acordo com nossa lei penal isso é um delito. Vocês [os espanhóis] têm um artigo penal muito similar. O EL PAÍS não contrasta sua informação, que é um dever fundamental profissional.

Se o senhor me permite, presidente, creio que sim contrastamos e por isso lhe dizia que não somos nem de longe o único meio que criticou a Lei de Comunicação, senão que muitos outros meios internacionais e organismos internacionais o fizeram.

R.C. –Que me digam onde está o ruim da lei de comunicação. Existe censura prévia? Bom, sim, existe censura prévia por parte dos donos dos meios de comunicação, por parte dos que financiam a publicidade. Veja todas as estatísticas, todas as pesquisas que são feitas. Não podem reclamar da má qualidade do serviço telefônico porque tirariam a publicidade deles. Procure um jornalista que tenha sofrido censura prévia por parte do Governo.

E o caso do caricaturista Xavier Bonilla, Bonil?

R.C. –Eis aqui a caricatura [o presidente mostra a vinheta]. Diga-me se isso é humor.

O debate não está em que gostemos ou não da caricatura, mas na preocupação da limitação do direito à liberdade de expressão.

R.C. –Este senhor teve toda a liberdade para publicar esta mentira. Porque isso não é brincadeira, isso é mentira com desenhinhos. Se eu leio aos presentes: “Polícia e Promotoria invadiram o domicílio de Fernando Villavicencio e levaram documentação de denúncias de corrupção”. Esta é a versão do acusado de ter hackeado as comunicações do presidente da República, não é nenhuma brincadeira, é um processo judicial em andamento, a versão do acusado. Feita com desenhinhos, mas não é nenhuma brincadeira. Isso ele pôde publicar, porque isso sim seria falta de liberdade de expressão. Mas tem que demonstrar. Não conseguiu demonstrar e a Superintendência das comunicações, independente do Governo de acordo com a nova lei, lhe obrigou a retificar. E que bom. Porque é um dos maiores problemas da América Latina, as mentiras. Não pôde demonstrar que era uma brincadeira. Não é o que a imprensa disse. O humor não foi sancionado, se sancionaram as mentiras. E como? Obrigando-o a retificar a falsidade que publicou.

“A mentira é um dos maiores problemas de América Latina”

Mudando de tema, no caso Assange, continua aberta alguma linha de negociação com o Reino Unido, o senhor vê alguma saída?

R.C. –Queria deixar claro que não conseguimos nomear nenhum artigo da lei de comunicação que vá contra a liberdade de imprensa. O maior perigo da Lei de Comunicação é que outros países querem tê-la. Em qualquer caso, sobre Assange, sempre estão abertas as portas ao diálogo com o Reino Unido, mas toda a responsabilidade para solucionar este caso está no Reino Unido e na Suécia e na Europa em geral.

Depois dos resultados das eleições locais em fevereiro, o senhor pensou em se candidatar novamente?

R.C. –A princípio eu não mudei minha opinião, mas sim me incomodava que tentassem restringir-nos desde o estrangeiro sobre o que podemos discutir ou não. Equador é livre para discutir o que quiser, a reeleição indefinida, eliminar todas as reeleições. O que estamos defendendo é o direito a discutir.

Em qual medida seu projeto político pode ser alterado por ter perdido a prefeitura de Quito?

R.C. –O ganhador das eleições de 23 de fevereiro foi nosso movimento, o problema é que perdemos algumas cidades emblemáticas e isso foi usado pela imprensa para dizer que perdemos. Mas somos os que mais prefeitura temos, mais conselheiros e temos o dobro de votos que o segundo colocado. O verdadeiro problema é a prefeitura de Quito, por ser emblemática, ao ser capital, e pela estabilidade.

A exploração em Yasuní será submetida a um referendo?

R.C. –Não descarto, mas em princípio não está nos meus planos. Quiseram que fosse ou tudo ou nada. Foi uma proposta que com toda boa fé, otimismo e bastante ingenuidade apresentamos há sete anos. Se pensava em arrecadar 2,6 milhões e arrecadamos creio que 12. O que mais nos convenia financeiramente era tirar esse petróleo, mas queríamos procurar uma alternativa para lutar contra a mudança climática. E não conseguimos, pelo menos no aspecto financeiro. Por isso em 2013, e acredite, foi a decisão mais difícil do meu Governo, tive que anunciar o plano para explorar o petróleo de Yasuní com máximo cuidados meio-ambientais e sociais, social significa que o dinheiro vai para o desenvolvimento do povoado e comunidades. O Yasuní tem um milhão de hectares e isso vai afetar a 200, como muito 500. E diretamente pensaram como um tudo ou nada e isso é uma grande mentira. Inclusive, 80% está fora do parque. De fato, eu poderia explorar, mas era para evitar as emissões de carbono. Essa iniciativa não teve êxito, necessitamos esses recursos para o desenvolvimento do país e é algo que se anunciou caso o plano A não funcionasse. Eu não descarto a consulta, mas o tema se politizou e eu não vou cair nessa armadilha.

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Guillermo Altares, do El País