Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um golpe contra a liberdade de expressão

O Equador conseguiu reviver com seus aliados da Alba ( Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) uma possível reforma da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que segundo especialistas, seria um golpe contra esse órgão e sua Relatoria de Liberdade de Expressão.

O tema atualmente é discutido na reunião de chanceleres da OEA que ocorre a partir de quarta-feira [4/6] em Assunção, capital do Paraguai, embora nem estivesse na agenda.

Em entrevista com o Grupo de Diários América, José Miguel Vivanco, diretor das Américas da Human Rights Watch, um ONG sediada em Washington, pediu que Colômbia, Peru, México e Chile neutralizem as mudanças, que segundo ele danificariam o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Pensava-se que o debate das reformas da comissão e da relatoria havia sido encerrado no ano passado. Mas o tema será tema da reunião da desta quarta-feira. O que ocorreu?

José Miguel Vivanco – O acordo alcançado em março de 2013 no marco da Assembleia Extraordinária de Chanceleres está sendo rompido. Na época, os chanceleres trataram exclusivamente da discussão do chamado processo de fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que durante anos manteve o mandato da CIDH. Desde então, os Estados da Alba, junto com o de outros países, trabalham para que a proposta do Equador seja renegociada.

Correa não está disposto a tolerar que fique de pé a relatoria e não aceita o consenso que foi chegado no ano passado. Eles se encontraram a portas fechadas quatro vezes. Lamentavelmente, Brasil e Uruguai também contribuíram de forma ativa.

E que resultados tiveram esses esforços?

J.M.V. – Chegaram ao extremo de aprovar uma resolução no Haiti que busca gerar mecanismos muito poderosos de intervenção dos Estados na CIDH e na Relatoria. A resolução atenta contra a autonomia e a independência. O objetivo é convertê-los em algo irrelevante e distanciá-los da OEA e deixá-los distantes das vítimas.

Em Assunção, se está discutindo uma resolução, proposta pelo Equador, que é quase idêntica a que foi aprovada no Haiti, com algumas modificações que na realidade são uma maquiagem. Por exemplo, em um ponto da resolução se afirma que as relatorias não terão seus orçamentos prejudicados, mas em outro proíbe o envio direto de fundos de cooperação internacional, o que levaria ao fechamento delas. Isso tem a ver com a obsessão do Equador com a relatoria de Liberdade de Expressão, a cumplicidade de seus aliados e a incapacidade dos outros Estados de entender a verdadeira dimensão do que está ocorrendo.

A CIDH e sua Relatoria para a Liberdade de Expressão, igual que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, são as mais mobilizáveis da OEA e justamente por que funcionam estão buscando anulá-las.

O que querem Correa e seus aliados da Alba?

J.M.V. – O grande objetivo é debilitar as únicas instituições que não estão submetidas a vontade dos governos. Isso já conseguiram no plano interno, onde seu poder é quase ilimitado. E agora pretendem eliminar os únicos limites ao exercício do poder que ainda existem no campo internacional, que são a CIDH e a relatoria. Querem fazer da CIDH algo irrelevante, deixando-a distante de todos os órgãos políticos da OEA que funcionam e Washington (o Haiti foi proposto). A mudança de sede dificultará o acesso das vítimas.

Querem impor um código de conduta para a relatoria para monitorar quem deveria monitorá-los, fiscalizar quem deveria ser fiscalizador. Voltam a pedir que o sistema seja financiado apenas com aportes dos países, e não com a cooperação internacional, que financia projetos específicos como a relatoria. Essa é uma jogada de mestre, pois a CIDH e a relatoria dependem de fundos externos que necessariamente são direcionados a projetos específicos. Em síntese, querem tirar da CIDH e da relatoria sua capacidade de se financiar e impor regras que impossibilitem seu papel fiscalizador.

Por que seria grave para o Sistema Interamericano e para a relatoria se essas reformas avançam?

J.M.V. – Se isso ocorrer será a maior e mais grave ingerência dos Estados na autonomia e independência da CIDH, a relatoria teria, em alguns casos, alguns meses de vida. A obsessão do Equador é transformá-la em um instrumento decorativo. Querem desmontar o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Nas outras vezes surgiram países que bloquearam essas mudanças. Agora haverá o mesmo?

J.M.V. – Não estaríamos nesse ponto se não fosse o consentimento do Brasil. Isso é o mais grave. Se eles não dessem luz verde ou não quisessem que isso avançasse isso nem estaria ocorrendo. E Peru, Chile e Colômbia que brigaram no passado, agora acompanharam as declarações como a do Haiti e não deram sua voz para que ao menos se respeite o que a própria Assembleia combinou em 2013. Estão deixando passar em frente a seus narizes uma situação que já ganhou força própria, o que faz com seja cada vez mais difícil freá-la.

Hoje, outros países como Costa Rica, Panamá e alguns do Caribe como Jamaica se mantiveram na defesa de valores universais, mas é necessário que outros Estados entendam o que está em jogo e deixem de atuar como se pudessem alegremente se dispor de um patrimônio que é de todos os habitantes das Américas. O impacto negativo regional será grande.

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Sergio Gómez Maseri, do El Tiempo (Bogotá)