Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Nobel das crianças

Por quantos anos Malala Yousafzai ainda vai ter que lutar para que o direito das mulheres à educação se torne realidade em seu país? Que importância terá o prêmio Nobel da Paz por ela recebido nessa luta e o quanto ele vai ajudar em seu objetivo? Aos 17 anos, ela se tornou a mais jovem ganhadora do Nobel por sua luta em favor da educação das mulheres no Paquistão e, por extensão, no mundo. Ela garante que quer continuar lutando, quer frequentar a universidade e, um dia, voltar ao seu país e entrar na política.

Malala dividiu o prêmio com o indiano Kailash Satyarthi, 60 anos, ativista dos direitos humanos contra o trabalho infantil em seu país. E embora Kailash lute contra uma situação muito parecida como o que se vê aqui no Brasil – crianças trabalhando ou esmolando em vez de frequentar escola – ele foi apenas coadjuvante na cobertura da imprensa brasileira. E nem se poderia esperar outra coisa.

Malala é notícia há dois anos, quando que foi baleada pelos talebãs no Paquistão e teve que se mudar para a Inglaterra para salvar sua vida. Desde então, ela tem sido presença constante na mídia: discursou na ONU, cobrou atitudes de Barack Obama, foi recebida pela rainha da Inglaterra, escreveu uma biografia precoce e foi cogitada para o Nobel da Paz no ano passado, depois de ganhar o Prêmio Internacional da Anistia, o Prêmio da Paz Internacional da Criança e o Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu.

Ao dividir o prêmio entre Malala e Kailash, o comitê do Nobel mostrou que a luta pela educação das crianças – impedidas de frequentar a escola por razões religiosas ou econômicas – deve ser uma prioridade de todo mundo. A popularidade de Malala certamente deu ao Nobel da Paz uma dimensão publicitária bem maior do que teria se o prêmio fosse apenas para o ativista indiano, que já libertou mais de 80 mil menores de diversas formas de servidão e os ajudou no processo de reabilitação por meio de sua organização, a Bachpan Bachao Andolan.

Atenção da imprensa

Kailash se declarou “encantado” com a notícia e feliz porque sua causa agora ganha mais força. “Sinto que as pessoas vão prestar mais atenção à causa das crianças no mundo”. Segundo o Comitê do Nobel, “calcula-se que existam 168 milhões de crianças trabalhadoras em todo o mundo. Em 2000, o número era de 246 milhões”.

Malala afirmou: “Receber o prêmio junto com Kailash Satyarthi é uma mensagem de amor e me faz sentir mais corajosa e mais poderosa, e incentiva as crianças do mundo a brigar por seus direitos”.

É pena que uma menina tenha que ser baleada para que a luta por direitos iguais vire notícia. E Malala não foi a única vítima dos talebãs, segundo matéria do New York Times (22/10/2013):

“Atiya levou dois tiros no abdome em março, quando pessoas suspeitas de serem militantes do Taleban, armadas com granadas e armas de fogo, atacaram sua escola em Ittehad Town, bairro pobre de Karachi. O ataque fez parte de uma campanha de intimidação travada pelo Taleban neste ano para se reafirmar na maior cidade do Paquistão. Atiya foi baleada no momento em que fazia fila para receber um prêmio acadêmico numa cerimônia de premiação. O diretor da escola, Rasheed Ahmed, e uma menina de 11 anos morreram. Agora Atiya está numa cadeira de rodas, embora seus médicos acreditem que ela possa voltar a andar, com tratamento e fisioterapia. Ela contou como se sentiu inspirada pelo caso de Malala, um ano antes. ‘Fiquei tão feliz de ver Malala. Não sei por que essas pessoas não querem que a gente frequente a escola’ – disse.”

Os discursos de Malala e Kailash ao receber o Prêmio Nobel da Paz certamente serão assunto na mídia no dia da premiação. Tomara que a luta dos dois continue recebendo atenção da imprensa, sem que para isso seja preciso haver mais tragédias do que já há: mulheres impedidas de ir à escola (pelo simples fato de ser mulher) ou crianças obrigadas a trabalhar como escravos mundo afora.

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Ligia Martins de Almeida é jornalista