Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A mídia contra o ‘juiz Deus’

Não é exagero dizer que a grande mídia, por diversas vezes, apresenta para o público uma realidade enquadrada que não representa o que acontece de verdade. As notícias não chegam até nós de forma pura. Diversos interesses agem para moldá-la de acordo com o que é mais “interessante” para o meio de comunicação.

Porém, a mídia, quando quer, realiza coberturas que contribuem para a educação e até mesmo para a cidadania. Outras vezes, a mídia se une em torno de um tema com contornos morais salientes e que merecem destaque por enfatizar desigualdades comuns na nossa sociedade. Diferenças essas que saltam a nossos olhos quando alguém resolve lutar contra. Foi o que aconteceu no caso do “juiz Deus”. Há três anos, durante uma blitz da Lei Seca, no Rio de Janeiro, o juiz João Carlos de Souza Correia deu voz de prisão à agente de trânsito Luciana Tamburini, pois ela o autuou por dirigir, sem portar habilitação, um Land Rover sem placas.

Na ocasião, ao ser agredida moralmente pelo juiz, a agente não sucumbiu à megalomania do magistrado e disse que ele não era Deus, ou seja, que não podia tudo. Os dois foram parar na delegacia. A agente entrou com uma ação na justiça contra o juiz alegando danos morais. Aí vem o absurdo: na segunda instância, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luciana, que já havia perdido na primeira instância, foi condenada a pagar R$ 5 mil ao juiz João Carlos de Souza Correia, pois, segundo o desembargador José Carlos Paes, numa clara demonstração inaceitável de corporativismo, ela teria maculado “a própria magistratura e tudo o que ela representa”.

Que o corporativismo não prevaleça

O histórico de João Carlos de Souza Correia é polêmico. Ele já teve outros problemas envolvendo situações de trânsito, já foi investigado por condutas suspeitas no exercício da função e até jornalista já mandou prender. Pois bem, o caso ganhou repercussão nacional. Os meios de comunicação caíram em cima do juiz e do desembargador que proferiu a infame sentença. A agente de trânsito ganhou destaque em todas as notícias sobre o fato. Até do programa de Fátima Bernardes Luciana participou.

O juiz Deus e o desembargador, como era de se esperar, não se manifestaram nos meios de comunicação sobre o fato. Por outro lado, nas redes sociais, o apoio a Luciana também foi forte. Compartilhamentos das notícias, comentários pessoais e piadas com a situação tomaram conta do ambiente virtual. Uma vaquinha foi feita para ajudar a agente a pagar a condenação imposta injustamente e uma página no Facebook protesta contra a decisão da justiça carioca. No entanto, a agente diz que não quer o dinheiro. Ela quer reverter a situação na próxima instância do judiciário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O que se espera agora é que a ampla divulgação do caso e a opinião pública repreendendo a situação que beneficiou o magistrado, pressionem os ministros do STJ a reverter a sentença e dar ganho de causa a Luciana Tamburini. Torçamos, então, para que essa campanha da mídia dê resultados e que o corporativismo não prevaleça.

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Raul Ramalho é jornalista