Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A agressão do Maiorana

Diante de um seleto público horrorizado, Ronaldo Maiorana, diretor do grupo Liberal, me espancou, com a ajuda de dois PMs, transformados em seus jagunços urbanos. Foi apenas um ato de desequilíbrio ou reflete a distorção de um poder exercido sem regras e limites? Cabe à sociedade paraense buscar a resposta e dar-lhe a solução.

Foi a agressão do poder dinheiro ao poder da palavra.

A definição foi dada pela jornalista Úrsula Vidal, uma das testemunhas do espancamento que sofri, no dia 21, por parte do empresário Ronaldo Batista Maiorana, editor-diretor-corporativo do jornal O Liberal e um dos proprietários das Organizações Romulo Maiorana, à frente do maior grupo de comunicação do Norte-Nordeste do país, excluída a Bahia.

Úrsula e outras 160 ou 170 pessoas presenciaram, estupefatas, Ronaldo me atacar pelas costas, me esmurrar à traição e cometer outras agressões físicas contra mim, com a participação de dois seguranças particulares, que desempenham ilegalmente essa função mesmo pertencendo à ativa da Polícia Militar.

O único traço identificador de Ronaldo, como disse Úrsula com inspiração, é o poder que o dinheiro confere. Só que no caso dele o poder é ainda maior do que o volume de capital autorizaria. Seu negócio, embora tratado como banana, é a informação. Como diz o velho ditado, informação é poder. A corporação empresarial que ele e mais seis irmãos conduzem retransmite a programação da TV Globo, líder inconteste do mais massivo dos meios de comunicação, a televisão. Além disso, controla o mercado de jornais impressos, tem participação na área de rádios e seus integrantes já ocupam alguns lugares em instituições oficiais e de representação.

Com o controle da informação nas mãos, os Maiorana criam e destroem, promovem e derrubam, exibem e escondem, manipulam e se sentem inteiramente livres para coagir pessoas e entidades. Já dobraram governos e empresas, mesmo as mais poderosas, como a Companhia Vale do Rio Doce, o Banco da Amazônia e a Rede/Celpa. Não para fazê-las corrigir seus erros e agir em defesa do interesse coletivo, mas para que aumentem o faturamento da corporação. Uma vez garantidos os anúncios, a atitude editorial muda: se antes a empresa era a pior que havia, de súbito, sem qualquer explicação ao distinto público, se torna a melhor do universo. O critério da verdade nas ORM é medido pelo tilintar de moedas na caixa registradora.

O dono do dinheiro leu a edição anterior deste jornal e ficou irado com o que nele estava contido a respeito de sua empresa e de sua família. Nenhuma inverdade. Nada sobre a privacidade dos Maiorana. Tudo, temas públicos, de relevante interesse social.

Mas Ronaldo acha que determinadas verdades não devem ser ditas quando se referem aos Maiorana, mesmo que eles se tenham conferido o direito supremo de falar sobre as verdades – e também, às vezes sobretudo, as inverdades – de todos os outros. O povo proclama: quem diz o que quer ouve o que não quer. Os Maiorana estão acima do povo e, embora a informação seja um dos bens coletivos mais nobres e vitais, se lixam para o compromisso de buscá-la, apurá-la competentemente e divulgá-la sempre, balizado por regras éticas e morais.

Ronaldo podia exercer seu direito de resposta e enviar uma carta a este jornal, contestando o que foi publicado. Sua carta sairia na íntegra, conforme é o modo de proceder do JP nesses casos Podia também contraditar meu artigo em seu próprio jornal, tão poderoso. Ou me processar na justiça. Todas essas seriam as alternativas legais e civilizadas ao seu dispor.

Antes de decidir por qualquer outra atitude, ele precisaria considerar uma circunstância: é o presidente da comissão da Ordem dos Advogados do Pará encarregada da defesa da liberdade de imprensa. É um tanto estranho que o proprietário de uma das várias empresas de jornalismo da terra ocupe o cargo. Em algum momento, ele seria obrigado a agir sobre sua própria empresa, criando um constrangimento legal? Cortaria a própria carne, se a ocasião se apresentasse para tal?

Agora já se sabe que Ronaldo jamais teria esse gesto de desprendimento. Muito pelo contrário: ele foi o autor da maior violação ao direito de informar e opinar através da imprensa em muitos anos, embora o presidente da OAB/PA, Ophyr Cavalcante Júnior, ache que o trabalho da comissão sobre liberdade de imprensa seja secundário e tenha desviado qualquer interesse da velha corporação dos advogados sobre o tema, que não passaria de uma rixa familiar histórica (ou talvez, levando seu acanhado entendimento ao extremo, uma briga de bar).

Com a ajuda de capangas, que ganham do Estado para proteger os cidadãos e, ao invés de comparecerem aos quartéis onde estão lotados, vão servir de guarda-costas para um novo tipo de coronel de asfalto, o jornalista-empresário decidiu agredir um jornalista de escrita que cometeu a ousadia de contrariá-lo.

Ameaças de morte

Ao ler seu jornal, de manhã, Ronaldo Maiorana ficou sabendo que eu estaria, na hora do almoço, no restaurante Pomme d’Or, que funciona no Parque da Residência, um espaço público, administrado pelo Estado, no qual a Secretaria Executiva de Cultura tem sua sede. O colunista Bernardino Santos publicou uma nota anunciando que o cartorário Reginaldo Cunha, de volta do Rio de Janeiro, estaria presidindo a reunião semanal que o ‘senadinho’ realizaria naquele restaurante.

Como acontece há mais de 12 anos, meu nome não foi citado. Fui incluído no índex dos mortos-vivos do grupo Liberal, aquelas pessoas que jamais são citadas nos veículos de comunicação da família, a não ser por um acidente absolutamente fora de controle e imprevisível, pelo crime capital de serem desafetos dos Maiorana. Mas é público e notório que integro esse ‘senadinho’. Ronaldo, seus irmãos e sua mãe já me encontraram nesses almoços. Quando os vejo, os cumprimento, mesmo se não há retribuição a esse gesto elementar de civilidade.

Quando chegou ao restaurante com seu amigo e promotor de eventos da empresa, Alex do Carmo, Ronaldo sabia que eu estava no restaurante. Procurou uma mesa atrás daquela em que eu me encontrava e lá sentou. Durante pouco mais ou menos de meia hora o assunto recorrente com o interlocutor era a minha pessoa e o artigo do Jornal Pessoal. Entre palavrões e impropérios, Ronaldo repetia ameaças e proclamava uma sentença saturnal: eu não podia permanecer no ambiente que ele estivesse freqüentando. Teria que sair espontaneamente ou ser expulso.

Ignorando que minha sorte estava lançada pelo saturnal coronel (do diálogo só vim a saber depois), me desliguei da presença de Ronaldo. Ele deixara seus dois seguranças fora do restaurante e, passado um tempo expressivo, não havia tomado nenhuma atitude hostil. Dediquei-me inteiramente ao que une meu grupo nesses almoços: conversa distraída, brincadeiras e o prazer de comer. O ambiente estava tão descontraído que o arquiteto Paulo Cal, o personagem de mais largo e desimpedido trânsito da cidade, capaz de sair do inferno para o céu com a mesma desenvoltura, se levantou e foi sentar-se à mesa de Ronaldo.

Lá permaneceu até que o diretor das ORM se levantou, de súbito, e partiu na minha direção. Encontrou-me sentado, de costas, finalizando meu almoço. Gritou uma ameaça para mim e, sem esperar resposta, antes que pudesse sequer me levantar, mandou o braço no meu rosto, com fúria. Mal consegui desviar minha cabeça, instintivamente. O punho de Ronaldo tocou minha face direita e terminou no ar. Ainda com talher e prato à minha frente, fui arrancado da cadeira por uma gravata e puxado. O gesto de brutalidade fez saltarem todos os botões da minha camisa. Novamente ameaçado com gritos de morte, fui lançado violentamente para trás. Desabei no chão, arrastando cadeiras, pratos, copos e talheres.

Recebi chutes, já cercado por um dos seguranças, aparentemente o mais forte. Quando me levantei, o PM (que seria o sargento Manoel Santana) permaneceu ao meu lado, um olho em mim e outro no patrão. Do outro lado, Ronaldo, protegido por outro segurança (o subtenente Edson Nazareno de Carvalho) vociferava ameaças de morte e prometia que eu jamais voltaria a falar de sua família. Iria morrer ali ou depois, se a ameaça não pudesse ser consumada na ocasião.

Sessão de espancamento

Dois dos diretores do grupo Liberal – João Pojucam de Moraes, da área industrial, e José Luiz Sá Pereira, de relações públicas, chegados ao restaurante um pouco depois – que não conseguiram refrear os instintos belicosos de Ronaldo, agora seguravam-no, tentando impedir que ele continuasse a agressão. Não me restava outra alternativa senão ficar no meu lugar, à espera do agressor, diante dos argumentos contundentes do capanga ao meu lado.

Para sorte de todos, os braços da dissuasão prevaleceram e Ronaldo foi levado para fora do restaurante, pondo fim àqueles dois minutos de terror e brutalidade, que chocaram as testemunhas involuntárias de um espetáculo de primitivismo e boçalidade. Retirando-se às pressas, o agressor evitou o flagrante, mas sua fuga foi facilitada pela demora no comparecimento de uma viatura da Polícia Militar, que chamei imediatamente, duas vezes.

Quando chegaram, o sargento Teixeira e o cabo Flávio (da viatura 970) ainda foram despistados pelos seguranças particulares do parque, que tentaram induzi-los a ir embora porque a confusão já havia acabado (eles, porque protegem apenas o patrimônio, ficaram como espectadores do crime que se consumava no restaurante). Só permaneceram porque os chamei, aproveitando para registrar meu protesto pela ação dos dois colegas de farda. Mas não consegui que saíssem à caça do diretor das Organizações Romulo Maiorana. Nesse mesmo dia, Ronaldo foi para a sede da empresa, nos fundos do Bosque Rodrigues Alves, e trabalhou normalmente.

Depois, provavelmente instruído por algum advogado, ele começaria a construir sua defesa: agira sob forte emoção e o impulso da justa indignação, em função das críticas feitas pelo Jornal Pessoal à sua família, embora ele não tenha sido citado uma única vez na matéria. Na primeira das declarações que prestou, no final da tarde do dia 24, ao site jornalístico do portal iG, editado em São Paulo, Ronaldo negou ter-me espancado, admitindo, entretanto, ‘que agrediu o jornalista por conta de ‘extrema indignação’ e que o ameaçou de morte ‘impensadamente’’.

Segundo a reportagem, o diretor do grupo Liberal disse que ‘chegou sozinho ao restaurante’ (esqueceu do seu primeiro acompanhante, Alex do Carmo). Não sabia que eu já estava ali e não me viu no restaurante. Por isso, foi ‘sem perceber’ que ‘sentou a uma mesa logo atrás de onde estava Flávio Pinto’ (atrás, sim, mas não logo atrás: havia outra mesa no caminho).

Relata ainda Ronaldo que ‘um amigo do jornalista teria ido até a mesa dele e ‘incitado’ os ânimos’. O amigo que foi até lá, Paulo Cal, negou essa oportuna versão desde o início. Terminado o pugilato unilateral do Maiorana caçula, tive o cuidado imediato de perguntar a Paulo Cal se Ronaldo em algum momento havia se referido ao meu nome e dava mostras de intenção agressiva contra mim. Paulo negou. Logo que li a declaração do diretor das ORM voltei a contatar o arquiteto e ele manteve sua declaração.

Ronaldo não disse para o repórter, mas repetiu para vários amigos o que seria sua versão completa: mal Paulo se sentou (outra inverdade: meu amigo ficou sentado por uns bons minutos na mesa dele antes que começasse a sessão de espancamento monitorada pela PM clandestina), disse-lhe que não admitiria mais que eu permanecesse no mesmo ambiente com ele; eu teria que sair ou ser mandado para fora. Paulo lhe teria respondido que não tinha nada com isso: ele que fosse me dizer pessoalmente aquilo. Paulo teria completado: ‘Aliás, o último homem corajoso da família de vocês já morreu’.

Edema traumático

Essa versão, que começou a circular na cidade já no dia 22, é muito conveniente à trama de defesa que foi construída para livrar Ronaldo Maiorana de responsabilidade legal pelos crimes que cometeu (ameaça de morte e agressão física, ou injúria real). Até agora, é unilateral: Paulo a negou desde o primeiro momento e a falta de testemunhas de credibilidade a reduz a discurso oportunista.

Mas ainda que a história fosse (ou seja) verdadeira, não abona os crimes de Ronaldo Maiorana. Ele já falara mal de mim para seu primeiro interlocutor, Alex do Carmo. Continuara falando para seus companheiros de mesa que chegaram depois. Ou seja: já chegou ao restaurante com ânimo agressivo, ciente de me encontrar ali. Mesmo que Paulo Cal lhe tenha dito o que diz ter ouvido, o meu amigo é conhecido por sua bonomia, por tirar graça e ser irreverente. Se Paulo lhe tivesse dito as frases citadas, Ronaldo saberia que era gracejo.

Não sendo blague, porém, então Paulo Cal podia ter sido a primeira vítima da agressão de Ronaldo. Se ele se desviou do arquiteto, que lhe dizia essas coisas incômodas em sua própria mesa, e partiu diretamente contra mim, é porque usou a irreverência de Paulo Cal como mais um pretexto para a agressão premeditada, planejada. E se estava tão indignado como diz, por que demorou de 40 a 50 minutos para consumar a materialização de revolta?

Conversa furada, evidentemente.

Na reconstituição feita para o jornalista do iG, o diretor das Organizações Romulo Maiorana diz que foi até a minha cadeira (por trás, comme il faut) e ‘o cutuquei e perguntei ‘quer brigar de pé ou sentado?’’ . A frase é recorrente na história de episódios semelhantes, mas o Maiorana caçula não foi tão literal assim (‘te prepara para apanhar’, foi o que disse; mas lhe concedamos o direito à primeira citação). Prosseguindo na narrativa, diz: ‘Ele [eu] levantou, eu dei um tapa no pescoço, entrou o pessoal para separar’.

Ainda caprichou no detalhe: se eu caí ao ser empurrado, ele ‘também sofreu uma queda e machucou a mão’. Como não fez exame de corpo delito nem se queixou do fato imediatamente a terceiros, essa queda e essa lesão vão ficar por conta do saldo de sua selvagem agressão. Quem sabe não agrediu a si próprio?

Tudo inverdade. Eu, que estava na parte melhor da minha refeição (a sobremesa), mal consegui ouvir sua voz e virar o rosto. Levei murro e não tapa. O golpe acertou-me o rosto, de raspão, felizmente, não o pescoço.

Descrição do laudo de exame de corpo de delito elaborado pelos médicos Cláudio Marçal Guimarães e Filomena Brandão Barroso Rebello, do Instituto Médico-Legal, sobre as lesões corporais de que fui vítima: ‘edema traumático na região zigomática direita, escoriações tipo arrasto, localizadas nas regiões: escapular esquerda, infra-escapular esquerda, posterior do cotovelo direito e esquerdo, posterior do antebraço direito (terço proximal, anterior do joelho direito, anterior da coxa esquerda (terço médio) e anterior do punho direito’.

Por ocasião da perícia, realizada logo em seguida à agressão, ainda não eram visíveis alguns hematomas produzidos por chutes, dentre os quais no fígado e no rim. No dia 24, quando voltei ao IML e os exibi, os médicos não viram a necessidade de uma perícia complementar porque a lesão corporal por ‘ação contundente’ (conforme a expressão do laudo) já estava suficientemente caracterizada. Também já haviam desaparecido os incômodos provocados na traquéia pela ‘gravata’ à Maiorana, que dificultara minha deglutição durante três dias.

Nenhuma referência a marcas do tapa de Ronaldo no meu pescoço. Já o ‘edema traumático na região zigomática’ significava que o murro no meu rosto (zigoma: ‘osso da maçã do rosto’, como qualquer dicionário confirmará), mesmo de raspão, atingira o osso, produzindo lesão. Os outros termos técnicos do laudo dizem que fiquei ferido nos braços, nas pernas e nas costas, por efeito de arraste.

Uma mentira a menos no álibi, portanto.

Árbitro incompetente

Continuando sua defesa, Ronaldo disse ao repórter paulista que ‘seu motorista e um de seus seguranças entraram no restaurante no momento da briga, a fim de apartá-los. Ele nega que seus funcionários tenham participado da briga e exibido armas de fogo. Maiorana Júnior admite que ambos são policias militares. ‘Um estava em férias e o outro, prestes a se aposentar’’. Os dois militares, por serem negros, estariam sendo vítimas de racismo no restaurante ‘e vão registrar queixa na polícia’.

Seria cândido, se não fosse uma história falsa, leviana e infantil. Ao cair, fui chutado. Foi chutado também meu companheiro de mesa, André Carrapatoso Coelho, que ainda recebeu um soco de um dos dois jagunços que davam cobertura ao covarde agressor. Por coincidência, era negro o militar da PM, na ativa da corporação, recebendo dinheiro público para fazer as vezes de segurança particular, numa frontal violação às normas da Polícia. Ninguém jamais se referiu a esse fato. André e eu apenas sabemos que sua mão é pesada e suas bicudas são duras. E sua moral, o gato algum dia comeu.

A perícia médico-legal feita em André concluiu que ele sofreu ‘equimose arroxeada na região orbitrária esquerda; escoriações tipo arrasto, localizadas nas regiões: infra-escapular esquerda, infra-escapular direita e lombar direita; edema traumático na região da coxa esquerda (terço médio)’.

Deve ter sido alucinação o que vi: o injustiçado bom-homem chutar André e dar-lhe um murro no olho, num ato de vergonhosa covardia diante de um homem caído ao chão. Enquanto seu patrão gritava que ia me matar, que se não me matasse ali me mataria depois, que eu nunca mais iria escrever sobre sua família, o segurança permanecia de olho em mim. A atitude indicava que se eu tentasse alguma coisa, seria atacado. A arma do PM, é claro, não estava visível nem foi exibida. Mas podia ser percebida sem muito esforço.

Segundo vários relatos de testemunhas do episódio, fartas num momento em que o restaurante estava lotado, houve sincronia entre a entrada dos seguranças no restaurante e o início da agressão. Do lado de fora, isolados do interior do restaurante por grossos vidros fumês, bem refrigerados, como os seguranças perceberiam o incidente, que durou menos de dois minutos, depois de mais de 40 ou 50 minutos da presença do patrão no local, se muitas das pessoas que estavam a poucos metros da cena só se deram conta do que acontecia no final da selvageria de Maiorana? Ficariam no estado de sempre alertas ao sol, de olho grudado no interior do restaurante, uma penumbra da perspectiva de quem está fora? Santana e Carvalho, se tal é vero, podem reivindicar um novo título: a dupla dos olhos de lince.

Segundo uma fonte próxima à mesa, antes de partir para a sua não-agressão, aceitando-se o enredo à Lewis Carrol do big boss, Maiorana teria dito a Pojucam de Moraes: ‘Paga a conta’. É muito controle das emoções para quem estava movido por justa indignação. Explosiva para fazê-lo investir como um possesso contra mim, mas apenas muitos minutos depois de ter entrado no restaurante, e não no exato momento de me ver no local.

Quanto à ameaça de morte, Ronaldo Maiorana admite que realmente a fez, ‘mas a atribui ao calor do momento. ‘Eu disse `tu deveria (sic) morrer por causa de tua cara-de-pau´.’, relembrou ao repórter do iG, acrescentando: ‘Lógico que, numa briga, existem palavras impensadas ou mal colocadas. Fui levado ao extremo da indignação. Foi um erro meu. Uma pessoa indignada fala uma série de besteira’. Jura que saiu do restaurante ‘envergonhado’.

Atribuiu os relatos que se seguiram na imprensa local ‘à disputa entre sua família e o grupo do deputado Jader Barbalho, a quem pertence o jornal Diário do Pará‘.

O empresário afirmou ‘que ele e a família vêm sendo difamados por Flávio Pinto e que, agora, vai entrar na Justiça contra o jornalista por danos morais. ‘Ele faz uma imprensa marrom’.

Ronaldo Maiorana não é árbitro competente para definir imprensa séria, ao menos se tomar a sua como parâmetro. Depois de ter dado várias entrevistas para órgãos da mídia de fora, ele não se incomodou com o fato de que todos os veículos de sua organização não fizeram a mais remota referência ao fato. Permaneceram num silêncio sepulcral, incompreensível para quem, desprovido das chaves para decifrar o enigma, tentar entender o paradoxo pelo primado da lógica.

Grilo falante

O Liberal é o mais poderoso jornal do Norte e Nordeste do país, junto com A Tarde, de Salvador. Há 17 anos um cidadão escreve contra os Maiorana, sem que, em nenhum momento, a família se tenha dignado a mandar-lhe uma carta-resposta. Se ela não fosse publicada, como O Liberal faz com as cartas incômodas que lhe são enviadas, estaria provada a má-fé do litigante. Se a carta fosse publicada e revelasse as mentiras do acusador, ele estaria desmascarado. Mas se ele manipulasse a carta, aproveitando-se da prerrogativa de editá-la em seu próprio jornal, O Liberal usaria o poder de ressonância que tem para esmagar o difamador vil.

Nenhuma carta, entretanto, me foi enviada nestes 17 anos. Desde então, a única referência feita em O Liberal a meu respeito, a propósito de minhas críticas ao grupo, foi a publicação, há mais de 10 anos, de uma sentença dada pela juíza Ruth do Couto Gurjão, então titular da 16ª Vara Criminal de Belém. Essa sentença me condenou em uma ação proposta por Rosângela Maiorana Kzan, irmã de Ronaldo e diretora administrativa da empresa, com base na famigerada Lei de Imprensa, de 1967.

Uma vez divulgada a sentença, com todo estardalhaço possível, o jornal se recusou a reconhecer meu direito de resposta, publicando carta que lhe enviei. Contestei na justiça a condenação e pedi perícia para provar que a magistrada não fora a autora da peça. Não consegui meu intento, mas a ação prescreveu e o processo foi arquivado. Permaneci réu primário e não fui para a cadeia, ao contrário do que pretendiam meus perseguidores com suas quatro sucessivas queixas-crime (mais uma ação cível, que simplesmente pretendia transformar o judiciário em responsável pela censura prévia deste jornal, impedindo-o de falar de Rosângela per omnia saecula saeculorum, por qualquer pretexto que fosse). Eles descobriram que sou mais resistente do que pareço.

Como continuei sobrevivendo, a despeito de variadas formas de perseguição e pressão, ganhando prêmios e recebendo o reconhecimento da sociedade (não só no Pará, mas em todo país e até no exterior), os donos do Pará viram-se diante de um impasse. Se eles não queriam fazer referência ao nosso contencioso para não divulgar meu jornal, multiplicando sua penetração, então deveriam ignorá-lo por completo. Com o tempo, um jornal marrom se desmoraliza: ou por ser flagrado na mentira seguidamente ou porque sua inevitável chantagem não intimida mais suas vítimas potenciais.

Submetido a inúmeros testes da verdade, este jornal, contudo, foi crescendo e se tornando longevo. Evidentemente, é um mosquito diante do elefante liberalóide. Mas o zumbido desse mosquito é bem recebido por ouvidos sensíveis. De circulação restrita e de aparência humilde, o Jornal Pessoal é um efetivo formador de opinião. Repercute mais lá fora do que O Liberal, esse grandalhão desconexo.

O zumbido influencia nas faixas de sintonia fina, não por elitismo, mas simplesmente porque sua pobreza não lhe permite alcançar as massas: abriu mão da principal fonte de receita publicitária de uma empresa jornalística, que são os anúncios; é graficamente feio; não tem fotos nem colunas sociais; é massudo; não abre mão da sua independência, doa a quem doer; custa relativamente caro para suas proporções; e tem uma tiragem 20 vezes menor do que a do seu algoz. Só incomoda porque trabalha com um produto que raramente aparece integralmente no absorvedor de leituras: a verdade. Não negocia com a informação. Nesse terreno, O Liberal não pode concorrer com ele.

A publicação de maior prestígio intelectual do mundo, a New York Review of Books, tira apenas 30 mil exemplares. O jornal de maior circulação dos Estados Unidos, o USA Today, chega a 2 milhões de exemplares. O NYRB vai ficar. Sua trajetória representa uma contínua formação de opinião, de cultura. O Today não passa de entretenimento. Seu leitor se esqueceu do que leu nele no dia seguinte.

O silêncio deliberado sobre este jornal e seu redator solitário, morto em vida pelos veículos das ORM (que agora parecem empenhadas em dar conteúdo de realidade a essa – digamos assim – metáfora), convive com uma realidade constante desde então: tudo de relevante e significativo para a opinião pública sobre o que o grupo Liberal silencia, manipula ou cria, o Jornal Pessoal revela. Não só contando a história, mas também explicando por que o quase monopolista da informação na sociedade paraense agiu de tal ou qual maneira, quais os interesses ocultos por trás de suas posturas (e imposturas) editoriais. O microscópico JP se tornou o grilo falante do enorme boneco de madeira, que teve seu nariz aumentado pelas mentiras.

Três cartas

Os Maiorana querem fazer crer que ajo dessa maneira por despeito, inveja, rancor e outros sentimentos menores, derivados do fato de que perdi o poder que tinha na empresa na época do pai. Garantem mesmo que eu fui escorraçado desse poder (programa de entrevistas na televisão, responsabilidade pela principal coluna do jornal, o Repórter 70, e minha própria coluna) com Romulo Maiorana ainda em vida.

Para quem pode cair nesse canto de sereia, sempre lembro que, no final 1985, tão logo soube que Romulo Maiorana se reconciliara com Hélio Gueiros e apoiaria sua candidatura ao governo do Estado, como sucessor de Jader Barbalho, telefonei para ele, que estava no Rio de Janeiro, enfrentando a terrível doença que o levaria à morte logo depois. Entreguei-lhe todas as funções que tinha em O Liberal e antecipei-lhe meu pedido de demissão da empresa.

Argumentei que, depois de romper com ele, em 19882, Gueiros havia feito uma campanha através do Diário do Pará, criado por Jader Barbalho para apoiar sua candidatura ao governo, atacando de maneira sórdida ao próprio Romulo, à esposa e toda sua família. E que o trairia de novo, se precisasse. Romulo respondeu dizendo que mandaria uma passagem para que eu fosse ao Rio e conversasse com ele. Déa foi testemunha da conversa que tivemos à mesa de almoço. Romulo disse que eu devia voltar e reassumir as minhas funções, inclusive no Repórter 70. Tinha sua confiança para isso. Na parte de cima da coluna, nenhuma nota seria dada em favor de Hélio Gueiros. Elas ficariam confinadas à seção de baixo da coluna, ‘Em poucas linhas’, marca registrada de Romulo Maiorana, um excelente repórter e um redator de estilo.

Antes de aceitar, fiz-lhe uma última advertência: ele receberia fortes pressões de um núcleo de amigos do extinto PSD, de Magalhães Barata. Além de Hélio, havia o próprio Jader, Henry Kayath e Laércio Barbalho. Todos estavam contra mim, desejando me afastar do jornal, no qual vinha escrevendo artigos críticos em tom crescente sobre a administração de Jader. Eu achava que ele não resistiria. Ele me assegurou que não cederia. Para selar o entendimento, concluí: ‘Não vais me faltar na hora que eu mais precisar, hein, Romulo?’

Pois ele acabou me faltando. No auge do tiroteio com o governo Jader Barbalho, um artigo meu foi vetado. Condicionei: se não saísse, eu estava fora. Não saiu. Fui-me embora. Antes, Romulo me deu um telefonema do hospital, onde estava internado, cujo conteúdo repeli. Bati o telefone por achar que ele se excedera, como nunca antes havia acontecido no nosso relacionamento amigo e fraterno de 14 anos, com provas mútuas de querer-bem, que jamais se apagarão da minha memória e do meu coração, apesar de nossas muitas e profundas diferenças de idéias e práticas.

Déa me ligou logo em seguida, explicando o motivo da alteração do estado de ânimo do seu marido, que sofria as dores de um tratamento de saúde profundamente doloroso. Admiti a origem da mudança de tratamento, mas continuei rejeitando sua exteriorização. Relevei os termos do telefonema, mas mantive minha atitude.

Logo depois Romulo morreu. Seu corpo estava na igreja do Rosário quando me aproximei, cauteloso, sem saber qual seria a reação de Déa depois de um rompimento traumático. Ela se voltou, me abraçou e, chorando, me disse que seu marido lhe dizia que pretendia se reconciliar comigo antes de morrer. Abracei-a e choramos juntos a perda da pessoa querida.

Portanto, não fui colocado para fora do grupo Liberal. Até agora não experimentei o gosto de ser demitido: sempre me demiti quando achei que o emprego não me agradava mais ou tinha outros projetos pela frente. Se Romulo Maiorana estivesse vivo, sua filha, Rosângela, não teria ido à justiça buscar um direito do qual sempre foi carente, dando início a uma litigância desgastante e sem nobreza. Se Ronaldo tivesse feito a estupidez que cometeu no dia 21 com o pai vivo, já teria feito retratação pública e cumprido a penitência devida pelo erro.

Tenho certeza disso. E tenho certeza de que Déa a partilha. Por isso, logo que começou a perseguição de Rosângela, fui ao prédio onde mora a presidente das ORM e deixei-lhe uma longa carta na portaria, seguida de outra e, depois de um contato imprevisto, uma terceira. A uni-las, uma pergunta: se o procedimento de Romulo Maiorana fosse exatamente o que imagino ser diante das tropelias dos filhos, o que devia fazer sua legatária? Não tive a resposta que pedi. Mas carrego-a comigo.

Direito primal

Tenho mantido o nível do bom combate com o grupo Liberal, preservando as confidências a que tive acesso em função da amizade, do crédito de confiança de Romulo. Segundo me tentaram fazer crer, a atitude violenta de Ronaldo devia ser atribuída ao trecho do artigo da edição passada, na qual faço referência à ligação passada de Romulo com o contrabando. O filho não ignora que o fato é absolutamente verídico. Mas proíbe que se fale publicamente do assunto, transformando-o num tabu. Os Maiorana mais jovens não deviam ter acesso a esse fato, que ficaria sepultado no olvido coletivo.

Se tivessem o mesmo tipo de raciocínio, os Rockefeller já teriam espancado muitos jornalistas e escritores, que falam sobre as origens pouco edificantes do patriarca de uma das famílias mais ricas e influentes dos Estados Unidos e do mundo. E o que fariam os Kennedy se pegassem o tacape e o manejassem contra os que, freqüentemente, andam escrevendo sobre a participação do velho Joe no contrabando de uísque durante a lei seca? História é história. Quem não a aceita está condenado a repeti-la, exatamente por esquecê-la.

Mas eu não fui rememorar o passado de Romulo Maiorana para lançá-lo contra seus descentes ou para enlamear sua memória. Apenas me referi ao fato, num único parágrafo, para explicar por que ele recebeu a concessão de televisão, com efeito multiplicador dos ganhos do seu negócio, de um governo que se recusava a posar ao lado dele. Toda história, em ricos detalhes, me foi contada pelo próprio Romulo em seu gabinete. Lá eu entrava sem qualquer cerimônia, quase sempre a chamado dele. Tínhamos longas conversas, francas e, em geral, reservadas. Abria o baú que ficava ao lado, tirava um documento, o lia e me passava. Costumava ser um documento bombástico. Depois o guardava. Disse-lhe que aquele baú era o único bem que gostaria de herdar dele, que rica e finalizava: ‘depois’.

A participação de Rômulo no contrabando deve ser relativizada pela função que essa contravenção penal desempenhava num Pará ilhado, malmente integrado ao Brasil por navio e avião, e distante do país vizinho com a mesma língua por história e geografia. Na seção ‘Memória do cotidiano’ tenho dado destaque a essa forma cultural que se legitimava socialmente mesmo quando assumia sua expressão de capitulação penal.

Duvido que quem leia o trecho demonizado do artigo dele deduza o significado da leitura enviesada de Ronaldo. Atento ao contexto histórico do descaminho, enfatizei que o veto a Rômulo era produto da atitude moralista dos militares, que assumiram o poder em 1964 contaminados pelo farisaísmo da UDN.

Mas ainda que Ronaldo tivesse direito a se julgar contrariado pelo artigo, esse direito primal e absoluto terminava onde começou: nele. A partir daí, só podia ser expressado pelos canais legais, não pela assunção do poder de vida e morte sobre terceiros.

Eixo da razão

Nunca pretendi a destruição do grupo Liberal. Nem mesmo poderia pretender o que está muito acima do meu alcance. O que não aceito é o grupo usar seu imenso poder em proveito próprio, mesmo quando aparentemente está esgrimindo temas de interesse popular. Nenhuma das minhas matérias tocou na intimidade da família. Ela interessa apenas como acionista e administradora de um conglomerado que forma e deforma a opinião pública no Pará, que age com total desprezo pela comunidade e ataca sem limites os que não se submetem à sua vontade.

Essa hipertrofia de poder levou Ronaldo Maiorana a imaginar que me espancando na frente de uma amostra representativa da elite da cidade, reunida no restaurante do Parque da Residência, estaria mandando um recado selvagem a quem se interessar possa: assim serão tratados os que provocarem a ira dos senhores feudais do Pará.

Minha covarde e absurda agressão, se tiver o mérito de provocar a reação de todos que defendem o primado da democracia como a forma mais apropriada de convivência entre os contrários, compensará as dores e angústias de um chefe de família pacato, ordeiro, cumpridor dos seus deveres, respeitador das leis, trabalhador e honesto, mas um intransigente defensor da verdade, da liberdade, da independência e de uma imprensa crítica como farol a iluminar o caminho, que, sem essa luz, pode se transformar num local soturno, apropriado para a ação dos que fazem das trevas seu ambiente ideal.

Quando a Universidade de Salamanca, a mais antiga do mundo, foi invadida pelos fascistas do general Franco, Miguel de Unamuno se insurgiu contra os invasores. Enquanto eles davam vivas à morte, o grande filósofo espanhol saudava a inteligência. Quando a razão é o eixo da vida social, a inteligência floresce. Quando é a barbárie, apenas os bárbaros vencem.

Cabe à sociedade paraense escolher que caminho seguir. Espero que escolha o caminho certo.



Amigos e inimigos: defender-se de quem?

L.F.P.

Há grande sabedoria no ditado popular que recorre a Deus contra os falsos amigos quando eles se tornam mais perigosos do que os amigos. Foi o velho ditado (‘Meu Deus, cuida dos meus amigos, que dos meus inimigos cuido eu’) que me veio imediatamente quando recebi o texto da nota de ‘solidariedade’ do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Pará. Tomando como base aquela solidariedade, que hostilidade não me estaria reservada?

Fiquei furioso, mas também triste: que tipo de jornalista pode assinar, em sã consciência, um texto como aquele, que transforma um fato grave em escada para alcançar outros objetivos, subestima fato que deveria destacar, envolve-o numa moldura que o tira do foco e quase torna normal um fato monstruoso, como o espancamento de um jornalista pelo crime de ter escrito a verdade?

Lembrei-me do momento mais melancólico de toda minha carreira jornalística, que já se aproxima dos 40 anos. Foi em 1992. A Polícia Federal fez a maior apreensão de cocaína do Brasil até aquela época: uma tonelada da droga, 600 quilos no Amazonas e 400 quilos no Pará, transportada pela mesma quadrilha. Alguns dos seus integrantes já haviam sido citados em matérias imediatamente anteriores do Jornal Pessoal.

Durante vários meses este jornal tratou com exclusividade da penetração do narcotráfico internacional no Pará e dos seus representantes, alguns de notoriedade no meio local. O trabalho jornalístico resultava de uma aplicada investigação, mas sua exclusividade tinha outra explicação: ninguém queria entrar no assunto. Todos temiam suas conseqüências ou não queriam prejudicar seus interesses.

Quando ocorreu a apreensão recorde, o tema não pôde mais ser escondido. Todas as empresas mandaram seus representantes para a entrevista coletiva convocada pela Polícia Federal para informar sobre a operação. Eu estava lá, mas não fiz uma única pergunta. Encerrada a entrevista, fiquei no meu canto. Eu estava ali para um off com o responsável pela apreensão, delegado José Sales, hoje superintendente da PF.

Todos voltaram a se sentar. Fiz ver que off é uma conversa a dois, entre a fonte e o jornalista. Mas todos podiam ouvir a conversa, desde que se comprometessem a divulgar seu conteúdo. Sem qualquer hesitação, meus colegas se levantaram e foram embora. O delegado e eu demoramos a sair do nosso estado de perplexidade e estupor. Qual o anátema que impedia jornalistas de tratar de um assunto tão grave? A ordem do patrão? O horário? As circunstâncias? Ou o medo? Ou a tibieza? Ou a falta de entendimento sobre o significado do jornalismo como ofício?

A atitude do Sindicato dos Jornalistas tem seu nexo com fatos como esse, que tornam o amigo mais perigoso do que o inimigo. E exigem a intervenção salvadora de Deus.

A nota de solidariedade é esta:

‘A violência cometida contra o editor do Jornal Pessoal, Lúcio Flávio Pinto, ex-associado do Sinjor, pelo diretor redator corporativo do jornal O Liberal, Ronaldo Maiorana, não é, infelizmente, um caso isolado. A comprovação está nos números divulgados regularmente por organizações nacionais, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e internacionais, a exemplo dos Repórteres Sem Fronteiras. Em todos os casos, assim como a violência física, também choca a sociedade e, em especial, as entidades ligadas à categoria, a violência contra a liberdade de imprensa e a livre expressão do pensamento, que permeiam as agressões ocorridas.

Esses casos, no entanto, são apenas a ponta mais visível de uma situação de violência que atinge todos os jornalistas profissionais paraenses e que o Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará (Sinjor), como entidade representativa dos direitos destes profissionais, vem a público denunciar, condenar e lamentar.

Não é de hoje que os jornalistas vêm sofrendo violências pelos veículos de comunicação paraenses. E esta é uma situação que precisa ser apresentada para toda a sociedade. Os jornalistas paraenses sofrem violências diárias. A violência dos baixos salários. A violência do desrespeito aos direitos trabalhistas. A violência das precárias condições de trabalho. A violência do trabalho sem carteira assinada e, principalmente, a violência da submissão do fato jornalístico aos interesses comerciais e políticos dos donos de jornais.

Diante desta realidade, o cidadão, leitor dos jornais e receptor das notícias veiculadas por emissoras de TV e rádio do Pará, também é vítima de violência. O leitor é vítima porque é lesado no seu direito de ter acesso a uma informação de qualidade, balizada nos princípios éticos que regem a profissão de Jornalista.

Conclamamos a população a juntar-se aos jornalistas em busca de uma verdadeira liberdade de imprensa. Vamos lutar para acabar com a cultura de os donos de veículos de comunicação pensarem e agirem como se pudessem tudo. Inclusive restringir a liberdade de ação sindical, como acontece nas empresas do grupo Diário do Pará e em outras empresas de comunicação. Há mais de um ano, por exemplo, notícias referentes ao Sinjor-PA são proibidas de veiculação no grupo RBA, da mesma forma, os diretores do Sindicato dos Jornalistas são impedidos de entrar na empresa.’

Minha resposta é esta:

‘Srs. membros da diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Pará

Quando Rosângela Maiorana Kzan iniciou cinco ações na justiça para tentar me intimidar e calar, em 1992/93, este Sinjor publicou uma nota oficial me apoiando. Por trás de vírgulas e travessões, a moral da nota era mais ou menos a seguinte: talvez Rosângela tenha razão, mas, como jornalistas, temos que apoiar nosso companheiro; afinal, somos uma corporação.

Indignado, voei na mesma hora para o sindicato. O então presidente, Antônio José Soares, não estava na sede do sindicato para receber de viva voz minha indignação com aquela nota sórdida. Mas de imediato me desliguei do Sindicato, ao qual nunca mais voltei a me vincular. Prefiro enfrentar inimigos abertos do que ‘amigos’ camuflados, muy amigos.

Fui presidente e vice-presidente deste sindicato, não só seu associado. Ter sido presidente e vice-presidente em nada me distingue dos demais companheiros, mas mostra que dediquei trabalho voluntário à classe e à causa. É informação a ser referida quando ela se torna necessária.

A nota que agora recebo podia deixar de lado as demais misérias do jornalismo, mundial, nacional e local, que tanto conhecemos e padecemos. Podia deixar todos os demais eventos, inclusive os de natureza sindical. Havia gravidade bastante no episódio que me atingiu para que a direção do sindicato tratasse exclusivamente do meu caso, ainda que contextualizando-o, como era dever de seu ofício e de sua consciência. Mas o episódio de covarde e grave agressão de que fui vítima serviu apenas de mote, de gancho, de lide para um discurso moral e ético correto, mas inadequado, inconveniente, tergiversador, melífluo, oportunista. Porque desvia os leitores da nota do significado mais profundo – e, em grande medida, inédito – da agressão que um jornalista, diretor de jornal, dirigente político, advogado e dono da mais poderosa corporação de comunicação acima da Bahia cometeu ontem, exatamente ontem, contra outro jornalista. Nos tempos da ditadura apanhávamos de policiais, agentes da repressão, inimigos. Hoje, apanhamos dos supostamente amigos. Os que agridem com socos e pontapés. E os que agridem com palavras oportunistas, que machucam tanto – ou mais.

Dispenso a nota. Jogo-a no lixo. Quero aliados, preciso agonicamente deles, urgentemente, mas não de Judas.

Infelizmente, já não me resta o conforto de poder me desligar deste sindicato, ao qual servi com meus modestos préstimos nos ainda terríveis anos 70 do século passado, porque a ele não mais voltei – e jamais voltarei enquanto não houver dirigentes capazes de enfrentar atos de violência de frente, com clareza, coragem e lealdade, não com um golpe no casco e outro na ferradura.’

******

Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)