Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A badalação do aquecimento global

Dou um ‘google’ na composição das palavras ‘aquecimento’ e ‘global’ e, em 0,11 segundos, aparecem ‘aproximadamente 1.360.000 ocorrências’. Se eu quiser, no mesmo mecanismo de busca, posso ampliar esse número já absurdo de informações e aí só Deus sabe onde isso vai parar.

O primeiro link é da Wikipedia, que define esse composto de vocábulos como um ‘fenômeno climático de larga extensão que se manifesta com o aumento da temperatura média do planeta nos últimos 150 anos’. Faço as contas. O aquecimento global começou, então, por volta de 1857, ironicamente o ano em que faleceu o positivista Auguste Comte, que acreditava que, por meio do avanço das ciências naturais, tudo ia dar certo. Não deu. Curiosamente, e por acaso, 1857 é também o ano da fundação do espiritismo de Allan Kardec, que tentou dar um alento para aqueles que não acreditavam totalmente nos valores positivistas de Comte e que pregavam que se não deu certo da primeira, tudo bem, tem sempre uma segunda ou terceira vez para se tentar. Mas deixo para lá o estado de epifania e me foco no aquecimento global porque é sobre ele que estou escrevendo, embora continue tentada a brincar com as coincidências da vida, que são muito mais divertidas.

O segundo link é o da Fiocruz, que alerta que a causa do fenômeno é a ‘liberação de gases e vapores produzidos através de queimadas nas matas, poluição provocada por carros e indústrias que são os grandes culpados por tudo isso’. Antes de me enfurecer contra a espécie humana, me chama a atenção a má qualidade do texto. Não gosto de ler e/ou ouvir a sentença ‘são os grandes culpados por tudo isso’. Causa-me arrepios.

Mandando bala na Amazônia

O site Terrazul traz um texto parecido com o da Wikipedia e alerta, ponderando sabiamente, que as causas podem ser tanto internas – a ação do homem – quanto externas – a variabilidade da radiação solar.

Menos lapidar e, pelo menos até onde sei, no sol ainda não chegamos e se ele está sofrendo transformações climáticas, a culpa de tudo isso não é nossa.

Vou para a Veja Online. O assunto já rendeu pelo menos oito capas de revista. Na que tem a manchete ‘Os sinais do apocalipse’, afirma-se que a ciência não sabe como reverter o processo. Em outra edição, ela se pergunta: ‘Para onde vamos com as agressões ao planeta?’ E convoca: ‘É hora de agir!’ O ponto de exclamação, confesso, foi por minha conta. E tem mais: ‘O planeta pede socorro’, ‘O planeta resiste’ e ‘A vingança da natureza’.

O Estado de S.Paulo tem um link especial para aquecimento global. Dá para saber de tudo um pouco sobre o que está rolando. Atualizado, cita o último relatório da ONU – que diz que ainda dá para fazer alguma coisa. É possível, por exemplo, manter a elevação da temperatura em 2ºC se o mundo todo topar abrir mão de 3% de seu PIB até 2030. A China fingiu que não era com ela. Os EUA já vêm fingindo faz um tempo. Neste especial, tem uma notícia que fala da importância das florestas – e nós aqui, mandando bala na Amazônia que ainda vai tornar-se um imenso canavial.

Um planeta inóspito

Minha pesquisa continua: USP, Greenpeace, Geocities, notícias do Yahoo, para citar somente alguns. A editora da Folha de S.Paulo – Publifolha – já tem livro publicado em 2002 sobre o tema. O autor é Fred Peirce, que ‘escreve sobre ciências há mais de 20 anos’ para a revista New Scientist, a nº 1 em assuntos de ciência e tecnologia. Na Folha Online tem 1.149 ocorrências sobre o assunto até a data em que escrevo o texto (05/05).

Tem de tudo. Descubro um site que se chama Alerta em Rede. Seu editorial do dia 19 de março é intitulado ‘A fraude do aquecimento global’. Penso que, enfim, vou ler uma opinião diferente e realmente leio! Uma bem diferente. Segundo o editorial, ‘o que temos diante de nós não é um fato cientificamente estabelecido como trombeteia o ‘Resumo para formuladores de políticas’ do quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas’. Para o site, tudo isso é uma grande conspiração, uma ‘das maiores operações de manipulação de opinião pública da história’. O objetivo: ‘um virtual congelamento do desenvolvimento socioeconômico de todo o planeta’, já que não existem recursos energéticos para todos e é melhor continuar tudo do jeito que está. Conclui que tudo isso é coisa das ‘velhas inclinações das oligarquias internacionais’. O

artigo mais lido, como mostra o ranking do site, se chama ‘Pum de vaca e o aquecimento global’ e fala da histeria que está se formando em torno do fenômeno pretensamente ocasionado pelas mãos do homem.

Se continuo, blogs e mais blogs discutem o que fazer, as causas, as conseqüências, os culpados, os relatórios, o presente, o futuro, a falta de água e os conflitos armados que virão, na busca pela sobrevivência do homem em um planeta inóspito.

Crises de foro íntimo

Este planeta já foi inóspito várias vezes. Chego, inclusive, a pensar se alguma única vez deixou de ser. Se não me engano, a longeva era do gelo no hemisfério norte foi paralela a uma seca, tão duradoura quanto, na parte sul do planeta e que fez com que o homo sapiens na África tomasse uma atitude e se mandasse para outros lugares em busca de comida. Deve ter encontrado, já que estamos todos aqui discutindo o aquecimento global.

O nó que aos jornalistas cabe desatar é que não dá para ser refém da agenda de revistas científicas e mesmo de relatórios da ONU. Há interesses monumentais tanto para aqueles que lutam com unhas e dentes por um mundo mais ajuizado que respeite os recursos naturais do planeta, como para aqueles que insistem em não assinar tratados que comprometam o seu próprio crescimento econômico. Não lembro quem disse, mas mesmo sem lembrar essa pessoa tem a minha admiração: ao jornalista cabe desconfiar e apontar para outros lados quando as opiniões caminham todas para a mesma direção.

Não estou propondo escarafunchar e revelar teorias da conspiração. Mas visões menos maniqueístas. A pobre da saúva, um dia, ia acabar com o Brasil. Não acabou. É certo que tem gente que ainda tenta, mas isso é assunto para outra hora. Alguns de nós sobrevivemos à peste suína, ao mal da vaca louca e recentemente à gripe do frango. Outros se foram, porque essa é a única ordem natural das coisas. O aquecimento global tem dado pano para a mídia. São questões, é claro, que merecem serem discutidas.

Sempre. Se o planeta agoniza, não dá para ficar de braços cruzados.

Mas e se não tiver nada que possamos, na realidade, fazer? E se o nosso planetinha estiver sofrendo mais uma de suas crises de foro íntimo – que em outras eras já deu cabo dos dinossauros e, bem mais tarde, dos Neandertais, uma espécie de humanóide que poderia, se não tivesse ido para as cucuias, estar agora entre nós, quem sabe em uma outra guerra? São questões que adoraria ver respondidas já que, como disse, sou leiga no assunto.

O que me intriga é que a ciência, antropocêntrica, se auto-referencia o tempo todo. Se o progresso científico nos trouxe à beira do precipício, ele surge agora como o único caminho para nos resgatar. Com certeza vai ter seu preço. E daí? E chego à conclusão que todas as informações não me levaram a qualquer – ou muita pouca – compreensão. Mas tem rendido páginas.

Decido voltar ao Google para o jogo das coincidências de datas históricas que, pelo menos, estava muito mais divertido.

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Estudante de jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG