Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A crise e o calango

Esta semana a imprensa teve um surto por causa de uma suposta crise institucional. O estopim da mesma teria sido o grampo ao Gilmar Mendes – sempre ele.


Para não dizer que a dor resultante do acúmulo de gases no intestino é um câncer do duodeno, o médico examina cuidadosamente o paciente. Quando fica na mesma posição a mídia parece se inclinar a matar o infeliz para não ter que investigar a origem da dor que o incomoda.


Vivemos numa República democrática que tem uma Constituição escrita. Em razão do que consta da Constituição Federal de 1988, os cargos públicos são providos por eleição, por concurso de provas e títulos ou por nomeação. Os órgãos e cargos públicos não pertencem às pessoas que os dirigem ou ocupam transitoriamente, mas à sociedade que custeia a manutenção do Estado com seus impostos. Estas regras singelas se aplicam aos três poderes e a todos servidores, sejam civis ou militares.


Gilmar Mendes, que no meu modesto modo de entender deveria estar em qualquer outro lugar que não o STF, não é dono do cargo que ocupa. Também não é o dono do STF. Se ele foi vítima de uma ilegalidade (o grampo da Abin), a mesma não afeta o cargo imerecido que ele ocupa ou o Tribunal que ele infelizmente preside.


Ovos protegidos


As crises institucionais ocorrem quando um poder usurpa ou tenta usurpar as funções predominantes de outro. O STF não foi fechado nem deixou de funcionar com a devida independência. Se nada disto ocorreu, que crise institucional é esta? Na verdade, a imprensa só pode falar de crise institucional quando identifica Gilmar Mendes ao cargo que ocupa ou considera que ele é dono do STF.


Menos… Gilmar Mendes é um servidor público como outro qualquer. Apesar do cargo que exerce ele não tem privilégios, nem dignidades. Portanto, se entender que foi indevidamente grampeado, deve recorrer às autoridades competentes para resguardar seu sigilo telefônico. Mas para tanto o ministro terá que contratar um advogado, porque ninguém pode postular em juízo ou fora dele sem estar devidamente representado.


Não morro de amores pela Abin, cuja origem sinistra é de todos bem conhecida. Mas já que tal órgão existe e tem sua missão institucional, não vejo por que o Gilmar Mendes não possa ser alvo de investigação. Foi ele mesmo que levantou suspeita sobre sua conduta ao rasgar a Constituição para conceder um segundo habeas corpus a Daniel Dantas.


Ao perceber que o calango entrou no galinheiro, o granjeiro resolveu proteger seus ovos. Quem quiser defender o calango que o faça. Prefiro ficar ao lado daquele que alimenta as galinhas – que neste caso é o contribuinte que paga o salário de Gilmar Mendes.

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Advogado, Osasco, SP