Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A educação brasileira e seus números

Ninguém, seja de direita ou esquerda, lulista ou serrista, PV ou PMDB, seja palmeirense ou flamenguista, negará a verdade já assumida pela mídia de que a educação é área estratégica para o crescimento de longo prazo do país.


É por isso que muitas notícias, reportagens, editoriais e artigos sobre o tema trazem um quê de perplexidade, um tanto de revolta, e até alguma dose de bom-senso.


Vejamos a questão do analfabetismo.


Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008, agora divulgados, revelam que a taxa de analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos de idade permaneceu estável de 2007 (10,1%) para 2008 (10%). Isto significa que, apesar dos esforços realizados de 2000 até hoje, chegamos a um limite difícil de transpor.


Uma das explicações é a de que a maior parte dos analfabetos com mais idade, de 50 anos para cima, continuará nesta situação. Talvez não haja como alterar este quadro substancialmente como seria desejável. Houve e haverá progressos na faixa etária entre os 15 e 29 anos, contudo o que se fez pela alfabetização dos jovens e adultos nas últimas quatro décadas foi o máximo possível e obedeceu até agora a um ritmo lento, mas constante:



Idade Mídia


Diante desta realidade, a edição de segunda-feira (28/9) Folha de S. Paulo, em tom de escândalo, avisa: ‘Gasto de R$ 2bi reduz pouco o analfabetismo’. O escândalo não resolve nada. Devemos temperar manchetes bombásticas com outras informações, porque a complexidade do tema o exige.


No Estado de S. Paulo (23/9), lemos que São Paulo registrou aumento no número de crianças e adolescentes analfabetos, de acordo com a mesma Pnad. O número total de crianças entre 8 e 9 anos que não sabem ler e escrever subiu de cerca de 56 mil (2007) para aproximadamente 79 mil (2008). Na faixa etária dos 10 aos 14 anos, o número saltou de cerca de 29 mil para 51 mil.


Podemos pensar, portanto, que o atual problema da alfabetização dos adultos decorre também da deficiente, da problemática alfabetização de crianças e pré-adolescentes.


O Globo (18/9), ao divulgar um comentário do ministro da Educação Fernando Haddad, oferece outro ângulo do problema para a reflexão. O ministro se mostrou surpreso, por exemplo, com o aumento de 140 mil analfabetos entre pessoas com mais de 25 anos. ‘Supostamente’, disse Haddad, ‘é como se pessoas que se declararam alfabetizadas em um ano, no ano seguinte se declarassem analfabetas.’


Temos aí uma pista a investigar. Quando se trata de alfabetização, hoje, os números revelam aspectos quantitativos sobre quem sabe ou não escrever um bilhete com palavras simples, mas são insuficientes para explicar outras questões, subentendidas ou mal-entendidas: o que é, afinal, ser alfabetizado ou analfabeto na Idade Mídia, na knowledge economy, ou no que autores franceses chamam de capitalisme cognitive?

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br