Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A educação (in)visível

No primeiro semestre de 2009 os problemas da educação ganharam espaço constante na mídia, confirmando a tendência (positiva) de que é tema urgente, vital, imprescindível.


Não pode realmente permanecer em relativa invisibilidade, em modesto lugar, aquilo que é crucial para destinos individuais e coletivos. Recente matéria da revista The Economist diz com agressiva clareza que nossas escolas emperram o crescimento do país. E é verdade. (Mas é verdade também que, no país, muitas decisões políticas tomadas ao longo das últimas décadas emperraram o crescimento das escolas…)


Por isso é tão importante colocar muita lenha na fogueira das discussões em torno da formação e da carreira dos professores, em torno de um novo ensino médio, em torno de uma reformulação dos vestibulares, da avaliação dos alunos, do ensino técnico, da qualidade dos cursos de nível superior – enfim, de toda a complexa questão da educação brasileira.


Em primeiro lugar, porém, não percamos demasiado tempo e papel com escândalos, como no caso do poema de Joca Reiners Terron, que recebeu mais destaque na primeira página de Agora São Paulo de 28/5/2009 do que o Corinthians!



Selecionar livros didáticos e paradidáticos é questão delicada, mas ainda mais chamativo, naquele mesmo dia 28, foi a Folha de S.Paulo definir como manchete o que todos já sabíamos, e era preciso ganhar força de notícia principal – a inadequada formação de nossos professores:



Sugestões práticas


Três dias depois, Gilberto Dimenstein, na mesma Folha, escreveu um artigo com título provocativo: ‘Você seria professor de escola pública?‘. Argumentando que não existem atrativos suficientes (muito menos salariais!) para ‘um jovem de elite trabalhar em escola pública’, desenhou uma realidade que torna visíveis (e ainda mais assustadoras) situações e problemas que afetam boa parte das redes estaduais e municipais de ensino, e, pelo que podemos supor, é o espaço em que vai trabalhar o professor proveniente de classes econômicas mais baixas e menos instruídas:




‘Vida de professor de escola pública é um massacre diário, especialmente nas grandes cidades. As salas são superlotadas, boa parte dos alunos tem doenças, inclusive mentais, os laboratórios não funcionam, os pais se envolvem pouco na educação dos filhos, cujo repertório cultural é, geralmente, baixo. Existem as mais variadas formas de violência – do xingamento às agressões físicas. O sistema de aulas dissertativas é insuportável para quem gosta de criatividade e inovação. (…) Logo, o professor terá uma doença ou desequilíbrio emocional.’


Novo pequeno salto no tempo e chegamos à reportagem da revista Veja (nº 2115, de 3/6/2009), na qual, como já é hábito, vai se procurar no exterior (neste caso, em Cingapura!) soluções para o Brasil. ‘Ensinar é para os melhores‘. A premissa fundamental é que os professores de lá são melhores porque mais atraente é a carreira do professor – bom salário inicial, prestígio social, formação continuada, exigência de resultados compatíveis. E, de fato, estão aí sugestões práticas, embora insuficientes por aqui, se não houver paralelamente outras iniciativas, com relação ao entorno violento (tráfico de drogas, gangues…), à deficiente infraestrutura, à baixa participação das famílias na vida escolar dos alunos.


Tema pertinente


No domingo (7/6), de novo Gilberto Dimenstein se manifesta sobre a educação e, depois de opinar um pouco sobre tudo, termina seu artigo – ‘Empresários à esquerda de sindicalistas‘ – em tom de perplexidade:




‘Apenas 5% dos alunos que concluem o ensino médio na rede estadual de São Paulo dominam adequadamente a leitura e a escrita. Mesmo assim, questionados sobre como vai a educação, 47% dos mais pobres e menos escolarizados estão plenamente satisfeitos, apontando-a como ótima ou boa. Entre os mais ricos, o nível de ótimo e bom é igual ao de ruim e péssimo: 33%.


Não vai ser fácil mudar rapidamente a situação se tanta gente mostrar tanta ignorância sobre o que ocorre nas escolas públicas, vítima de uma tripla aliança: a incompetência governamental, a mediocridade sindical e omissão familiar.’


Mais lenha na fogueira, portanto. E por isso meritória a iniciativa do Estado de S.Paulode promover, na segunda-feira (8/6), debate entre dois nomes diretamente ligados ao destino educacional do país: o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o secretário de Educação de São Paulo, Paulo Renato (ver íntegra aqui).


Estive presente ao debate, em auditório lotado. O ministro e o ex-ministro se trataram com cordialidade, embora algumas farpas tenham sido lançadas… o que sempre anima um pouco o ambiente. Mas o decisivo encontrava-se no fato mesmo de haver dois debatedores discutindo, entre outros temas, o da formação dos professores.


Ações inteligentes


Paulo Renato insistiu em que a formação docente deve voltar-se para as questões práticas da sala de aula. Haddad, sempre mais abrangente, ponderou que, além disso, é preciso pensar nos fundamentos teóricos que fortaleçam uma boa prática didático-pedagógica. Paulo Renato defendeu a política de bônus. Haddad defendeu uma visão em que o professor seja tratado como profissional de primeira categoria. Paulo Renato prometeu medidas de segurança nas escolas de São Paulo que se baseiam na vigilância contínua, na denúncia, e na presença policial. Já Fernando Haddad prefere o caminho do esporte e da arte para que a violência perca espaço dentro da escola, e a própria escola consiga influenciar o ambiente circundante.


A educação precisa de mais debates assim, de mais reportagens, precisa dessa visibilidade para que as famílias acordem, para que os sindicatos se aperfeiçoem, para que os governantes cuidem das escolas, da formação inicial e continuada dos professores, da atratividade da carreira docente, que implantem quanto antes a educação em tempo integral em todos os municípios e estados, que aproveitem este momento em que, como a revista Época demonstrou no mês passado (edição de 18/5), a opinião pública tende a considerar a educação como um dos maiores problemas do país e, por conseguinte, a melhor solução…


E que as pesquisas, os debates e discussões evoluam no tempo, na forma, nas conclusões… e se transformem, afinal, em ações. Ações inteligentes que promovam melhorias reais neste campo que interfere, para o bem ou para o mal, em todos os setores de nossas vidas.

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Doutor em Educação pela USP e escritor, www.perisse.com.br