Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A força exponencial do erro

Há alguns anos, um grupo de amigos do noivo mandou imprimir centenas de convites para a festa do casamento – festa que, nos planos dos casadoiros, seria uma cerimônia íntima, só para os padrinhos, num pequeno apartamento. Apareceram dezenas de convidados; e, quando o porteiro do prédio dizia que não haveria festa, enfiavam-lhe o convite na cara, mostrando o que estava escrito.


A palavra escrita sempre foi a que mereceu mais crédito. Admite-se, no rádio ou TV, ao vivo, uma gaguejada do repórter, uma frase desconexa; na reportagem escrita, este mesmo erro é inadmissível. Hoje, com a possibilidade de multiplicação das mensagens escritas, via internet, o jornalista tem de redobrar seus cuidados: qualquer falha e se cria uma situação sem controle.


Uns dias atrás, o colunista Carlos Chagas escreveu uma crônica sobre a multiplicação das ONGs (já tivemos, sob governo tucano, uma organização não-governamental inaugurada numa sede de governo). Falou de uma suposta Sociedade Amigos de Plutão, destinada a protestar contra o rebaixamento do planeta; dizia que o governo Lula já tinha entrado com R$ 7,5 milhões para ajudá-la; que a ajuda seria complementada por empresas estatais federais; e, finalmente, que a ONG teria 800 diretores, cada um com salário mensal de 20 mil reais.


Era brincadeira, evidentemente; mas, nestas eleições, não estamos em tempos de brincadeira. A crônica, como se tratasse de temas verdadeiros, foi amplamente divulgada pela internet, junto com comentários do tipo “pior que o dossiê”; um senador, Heráclito Fortes, do PFL piauiense, chegou a fazer discurso no Congresso condenando o governo Lula por gastar dinheiro com ONG tão absurda. Fora isso, pipocaram mensagens indagando se o fato era ou não verdadeiro.


E nós com isso? Nós temos de pensar no “marketing viral” que pode ser feito com aquilo que escrevemos. Nossa responsabilidade se multiplicou: não se trata apenas do que escrevemos, mas também de como o que escrevemos será lido e utilizado por outros difusores de notícias. Anote: e a coisa ainda vai piorar.




Números, números


O escritor Ariano Suassuna deu interessante entrevista sobre a eleição presidencial, criticando Alckmin e defendendo Lula. A matéria foi precisa: nada de comentários, apenas a opinião do entrevistado, um dos mais importantes personagens da vida cultural do país. Mas um comentário fez falta: quando Suassuna disse que votou em Lula cinco vezes e vai votar nele na sexta, alguém deveria ter assinalado que o presidente só se candidatou quatro vezes. Suassuna só poderia ter votado em Lula mais uma vez se fosse eleitor em São Paulo, por onde seu ídolo foi candidato a governador (perdeu) e deputado federal (ganhou).




Os dois lados


Em 29 de outubro teremos o segundo turno. Depois disso, que é que vai dizer um grande número de jornalistas, que há meses só bate numa tecla (contra Lula, contra Alckmin, contra a corrupção petista, contra a corrupção tucana)? O pessoal vai estar desacostumado! O mais engraçado é que só se bate no adversário. Critica-se Alckmin por se aliar a Garotinho, mas não se fala da aliança de Lula com Jader Barbalho; critica-se Lula por se aliar ao oligarca José Sarney, mas não se fala da aliança de Alckmin com Antonio Carlos Magalhães. Ou se exige a origem do dinheiro do dossiê, ou se jura que o importante é investigar o dossiê, e não o dinheiro que o pagou.


Não é difícil fazer jornalismo desse jeito: basta algum talento para escrever, alguma imaginação, alguma agressividade. O que é difícil é fazer jornalismo desse jeito por muito tempo. E na hora em que for preciso apurar os fatos?




A história e a história


Este colunista perguntou, na semana passada, por que a imprensa não explicou por que o ministro Édson Vidigal deixou sua importante posição no Superior Tribunal de Justiça para disputar uma eleição perdida no Maranhão. O jornalista Chico Bruno, um dos estrategistas da campanha, explica: o objetivo da oposição, com dois candidatos coordenados, era levar a campanha para o segundo turno. O objetivo foi atingido. E o senador José Sarney, cacique máximo do Maranhão, não tinha como ajudar a filha, porque estava ameaçado de perder no Amapá. “Sarney foi obrigado a fazer campanha”, comemora Chico Bruno, “o que não fazia desde os anos 80”.


OK, mas só estamos sabendo disso agora, e pela voz de um dos coordenadores da campanha. A imprensa não deu nada, não. Nem contou como é que Edson Vidigal, que era Sarney desde criancinha, acabou se voltando contra o criador.




Os exóticos


Há gente que vai despertar a atenção na nova legislatura, por vários motivos: pelo passado, como Fernando Collor, senador por Alagoas; pela votação, como Paulo Maluf, deputado federal por São Paulo; pela baixa votação, como Aline Correa, filha do deputado cassado Pedro Correa, deputada federal por São Paulo e dona de uns 11 mil votos; e pelo conjunto da obra, como Clodovil, que se tornou conhecido como estilista e fez sucesso como apresentador de TV.




O diferente


É aí que mora o perigo: a cobertura da eleição de Clodovil já mostra sinais de preconceito. Clodovil pode até ter estimulado esse tipo de reação (“não serei passivo”; “meu número termina com 11, que é um atrás do outro”; “Brasília nunca mais será a mesma – palavra de homem”), mas cabe à imprensa fugir à tentação de valorizar o que não é importante. Se o cavalheiro é parlamentar, o que se discute com ele é política. Júlio César, o romano, era homossexual (“marido de todas as mulheres, mulher de todos os maridos”), mas o que importa para os historiadores não é isso: é sua atuação como político e como general.


Na primeira reportagem com Clodovil após a eleição – foi o segundo mais votado de São Paulo – o título era algo como “Clodovil tem como primeiro desejo conhecer os móveis de sua nova sala”. Que é que Clodovil disse, na verdade? Disse que ainda não tinha projeto de atuação, que ainda teria de aprender muita coisa. Agora, a frase que deu base ao título: “Quero ser apresentado à minha sala, à minha mesa”. Não tem nada a ver, como o título sugeria, com decoração. E Clodovil, embora esteja longe da política, está longe também de ser inculto: é inteligente, cortante, agressivo, divertido. Pode ser uma surpresa na Câmara.




E eu com isso?


No clássico Alô, Amigos, desenho animado de Disney que lançou o Zé Carioca, a equipe de desenhistas americanos que veio conhecer o Rio tomou o avião em Los Angeles – um DC-3 prateado, reluzente, tinindo de novo. A voz do locutor informa: “Dois dias e meio depois, chegamos ao Rio”. Uma parte da equipe seguiu para a Argentina. “Em um dia de viagem”, informa em off o locutor, “estávamos em Buenos Aires”.


Um dia do Rio a Buenos Aires! Quase três dias de Los Angeles ao Rio! Como é que a gente podia viver assim, num mundo tão lento?


Hoje, não: hoje, em milésimos de segundo, a informação nos chega. E sabemos que:


1. Mário Frias leva o filho e a namorada ao cinema


E, no cinema, estavam também Cristiana Oliveira, que comia pipoca com a filha, Maria Paula e João Suplicy, ambos com a filha.


2. Beyoncé Knowles fica bêbada e deixa festa carregada


Mas Beyoncé também tem seu lado família, embora o título, para as mentes mais pervertidas, tenha também seu lado pornográfico:


3. Beyoncé mostra “bigodinho” sujo de leite ao lado da mãe


Sabemos hoje instantaneamente coisas da maior importância que poderiam passar despercebidas, não fosse o progresso das telecomunicações. Por exemplo, que Tom Cruise procura babá para seus filhos. Ou que Katie Holmes e Victoria Beckham passeiam juntas em Paris. Ou, melhor ainda:


4. Noivo de Susana Vieira diz “sim” 6 vezes no casamento


Não é fofo?


Embora mais fofa, com certeza, seja a notícia abaixo:


5. George Clooney quer passear na praia de mãos dadas com DiCaprio




Como é mesmo?


Nesta semana, surgiu um novo tipo de título: a obra aberta. A novidade apareceu num importante portal da internet:


** Atirador invade escola amish nos EUA e executa três meninas com um tiro na


Cada leitor o complementa como preferir.


Há ainda o título enigmático:


** Sem fazer comentários, Vaticano apóia protesto de bispos contra documentário da BBC


Se não fez comentários, como é que sabemos que apóia?


Mas o campeão dos títulos, sem dúvida, vem das colunas de fofoca da Internet:


** Leão passa Jô Soares com filha lésbica de cantora


Que prêmio a coluna poderia dar a quem traduzir essa enigmática frase?

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados