Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A guerra da audiência

O assassinato do cinegrafista Gelson Domingos da Silva na favela carioca de Antares, na manhã de domingo (6/11), decorre de ações de traficantes, das forças policiais e da mídia.

Os traficantes dispararam contra as forças policiais e seus seguidores − repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Presumivelmente um deles alvejou Domingos. É o criminoso que, se a polícia civil conseguir identificar, irá a julgamento por esse crime.

As forças policiais aceitaram a participação de jornalistas em sua incursão à favela. Aceitaram, provavelmente, porque a presença da mídia era maciça, já se vai saber por quê. Quando não aceitam, proíbem tal companhia. Os jornalistas sempre acataram a proibição de seguir os policiais. A informação é de veteranos em coberturas desse tipo.

É estapafúrdia, portanto, a afirmação feita em tom de proposta pelo comandante da PM-RJ, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, que quer se reunir com o Sindicato dos Jornalistas: “Quando um policial falar com um repórter: ‘daqui vocês não podem passar’, que eles entendam e, por segurança própria, obedeçam à orientação dos policiais” – em Antares simplesmente não houve proibição.

Dizer “vocês vão se acharem que devem ir” é uma irresponsabilidade que a própria polícia não costuma praticar. Mas foi esse o discurso do porta-voz da PM, coronel Frederico Caldas, no dia seguinte ao do assassinato.

A Secretaria de Segurança procura se esquivar e colocar a “culpa” nos jornalistas. Está cuspindo no prato em que come, como se verá adiante.

Secretário ausente

Ainda sobre o comportamento das autoridades, chama a atenção o mutismo do secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Na página da Secretaria na internet só se encontra “mídia positiva”. Títulos (7/11, 19h35): “Oficina de alinhamento das UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora] gera propostas” (notícia velha, de 15/9), “Primeiro aniversário da UPP Andaraí é comemorado por policiais” (idem, 3/8), “Diversão e integração nas férias escolares das crianças dos morros Escondidinho e Prazeres” (idem, 2/8), “Reforma educacional nas academias das polícias Civil e Militar” (2/8), “Policiais fazem curso para melhor identificar documentos falsos” (1/8) .

Desleixo dos encarregados da manutenção do site da Seseg-RJ? Talvez não. Pode ser um álibi para se isentar da obrigação de comentar acontecimentos mais recentes que não se enquadrem nos objetivos de marketing do secretário.

A ausência do secretário só encontra paralelo na do governador Sérgio Cabral Filho, que se limitou a divulgar uma nota de 18 palavras.

Objetivos, por sinal, plenamente atendidos em reportagem recente da revista Época (“O homem que enfrenta os facínoras”, 17/10/2011). Trata-se de um texto perfeito para lançar o delegado Beltrame em outra instância da política. Possivelmente, concorrer a uma cadeira na Câmara dos Deputados em 2012. Em tópico vindouro, trataremos do conteúdo dessa reportagem.

Os olvidados

Se for essa a pretensão de Beltrame, o registro histórico do desempenho parlamentar de policiais eleitos pelo Rio de Janeiro não é brilhante: desapareceram do mapa o delegado da PF Marcelo Itagiba, ex-secretário de Segurança do RJ e ex-deputado federal, e a inspetora de polícia Marina Maggessi, esta, por sinal, desaparecida da própria polícia, graças a uma licença surpreendentemente longa.

Em 2008, ela lançou o livro Dura na queda em evento prestigiado por figuras midiáticas como Cacá Diegues (“ainda não li o livro, mas pelo título dava para fazer um filme”), o ex-oficial da PM Rodrigo Pimentel, o rapper MV Bill e o então jogador de futebol Romário, hoje deputado federal, apontado como pré-candidato à prefeitura da capital fluminense.

Também se poderiam acrescentar à lista de ambíguos representantes do povo o ex-detetive Sivuca (“bandido bom é bandido morto”), o ex-oficial da PM, ex-delegado e ex-chefe da Polícia Civil Álvaro Lins, cassado pela Assembleia Legislativa fluminense, julgado e condenado por associação com bicheiros e traficantes, o ex-deputado Natalino Guimarães, acusado, com seu irmão Jerominho, ex-vereador, de chefiar a milícia fundadora de Rio das Pedras, ambos também cassados e presos, e outros que a memória não ajuda a convocar para compor a lista.

Escusado dizer que o rol, se incluídos os outros estados da Federação e o DF, se tornaria exageradamente longo. Mas, quem sabe, ilustrativo.

Começou a morrer antes

A ação da mídia antecede longamente o assassinato do cinegrafista. Ela se transformou, com as honrosas exceções de praxe, em porta-voz do discurso policial/governamental.

Não se colocou em questão, no noticiário sobre o episódio de Antares, nem mesmo a explicação dada para o envio de cem homens do Bope, do Batalhão de Choque e do Batalhão de Ações com Cães. Literalmente (O Estado de S. Paulo, 7/11), “checar informações da área de Inteligência de que líderes do tráfico fortemente armados se reuniam no local”.

Para “checar informações” são enviados cem homens armados? O que essa desinformação esconde? Por que a imprensa foi em massa atrás da polícia na madrugada de um domingo se o escopo da operação era tão limitado?

As equipes da Rede Globo, do Globo e da rádio CBN jamais imaginavam ir para a favela de Antares, em Santa Cruz. Supunham, como outros jornalistas, que a polícia fosse realizar uma muito esperada (pelo “impacto” que causaria) operação na Rocinha. Mas a polícia seguiu em direção à Zona Oeste. E, como “todo mundo” estava indo atrás da polícia, profissionais das Organizações Globo foram também. Essa informação está no Globo de segunda-feira (7/11):

“Havia uma mobilização da imprensa por conta de boatos sobre uma possível ocupação da Rocinha. Mas o comboio policial seguiu para a Zona Oeste, causando surpresa.”

No Globo, edição capciosa

A edição do Globo é muito questionável, para dizer o mínimo, embora a reportagem em si seja a mais precisa e completa que saiu nesse dia. O enquadramento mental da edição se explicita no título ignóbil: “Abatido no front”.

Que front? E desde quando ser “abatido” faz parte das consequências previsíveis de uma cobertura jornalística? O lide da matéria foi a matéria-prima do título: “Pela primeira vez, um jornalista morreu durante um confronto no Rio”. Confronto de jornalistas com bandidos?

Veja-se a diferença para o início do segundo parágrafo do tópico dedicado ao assunto pelo jornalista Jorge Antônio Barros em seu blogue Repórter de Crime:

“O Rio perde mais um jornalista para a guerra do tráfico. Embora as circunstâncias sejam outras, a morte do cinegrafista Gelson Domingos, 46 anos, com uma bala no peito, hoje de manhã no Conjunto Antares, na Zona Oeste, me remete à mesma sensação de impotência que nós jornalistas vivemos com a morte de Tim Lopes, o repórter da TV Globo sequestrado, julgado e condenado à morte pelo Tribunal do Tráfico, na Vila Cruzeiro, em junho de 2002. Tim fazia uma reportagem investigativa com uso de câmera escondida quando foi descoberto pelos traficantes de drogas que o fizeram em pedaços. Ainda dói em mim a memória daqueles fatos.”

Barros poderia ter acrescentado que um fotógrafo da Reuters, Paulo Whitaker, foi ferido no “confronto” que levou à “conquista” do Alemão. Em 2005, a jornalista Nadja Haddad, da Band, teve o pulmão perfurado por uma bala perdida, antes de colocar um colete “à prova de balas”. E no mesmo ano a repórter Vera Araújo foi ameaçada de sequestro. Houve a tortura de 2008 na favela do Batam, onde foi sequestrada e torturada em 2008 uma equipe do Dia (ver “Crônica de uma missão fracassada”).

Parceiro de Cabral Filho

Por que a edição do Globo foi capciosa? Porque o Globo é o principal suporte midiático carioca da política de segurança pública de Cabral Filho, executada, se é que cabe esse verbo, pelo secretário Beltrame.

A TV Globo, escaldada pelo sacrifício de Tim Lopes no Rio e abalada pelo sequestro do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado pelo PCC, em São Paulo (2006), é mais cautelosa, embora acabe reforçando, ao fim e ao cabo, as ilusões armadas compartilhadas pela grande imprensa, por personalidades dos mais variados setores e por consideráveis segmentos da classe média e de outras classes sociais da cidade.

O Globo há muito deixou de lado qualquer escrúpulo jornalístico na edição de fatos criminosos e policiais no Rio de Janeiro. Não é arriscado prognosticar que ficará na história do mau jornalismo a manchete dada pelo jornal após a “conquista” do Morro do Alemão, em novembro de 2010: “O Dia D da guerra ao tráfico”.

O jornal colocou o assassinato do cinegrafista da Band “abaixo da dobra” da capa (na metade inferior da página), como dizia o doutor Roberto Marinho. Cada letra da manchete do jornal (“TCU identifica 500 contratos sem fiscalização no Trabalho”) – diagramada acima da dobra, evidentemente, e em cinco colunas −, é duas vezes e meia maior do que a da letra do título “Tiro de fuzil mata cinegrafista em favela”, dado em uma coluna.

Precioso mapa das UPPs

Por que reduzir a importância do gravíssimo crime? Cartas para a redação do jornal não serão respondidas. O fato é que o Globo endossa a política da repressão bélica, embora apresente na outra mão, como atenuante, a “estratégia das UPPs”, que de estratégia não tem rigorosamente nada.

Minto. O Jornal Nacional exibiu, em reportagem de Mônica Teixeira, um mapa que explicita a estratégia do governo fluminense. Dezesseis das 18 UPPs existentes formam um perímetro que sai da Zona Sul (da Babilônia ao Cantagalo, passando por Dona Marta) e vai formar uma espécie de corola disforme em torno do Maracanã. As outras duas ficam na Zona Oeste. Uma, na favela do Batam. A outra, na Cidade de Deus.

O site R7 Rio de Janeiro, da Record, noticiara na quinta-feira (3/11):

“A região da zona sul, onde se concentra a maior parte da rede hoteleira da cidade, que vai receber os visitantes para a Copa e a Olimpíada de 2016, também já foi contemplada pelas UPPs. Favelas de Ipanema, Copacabana, Leme e Botafogo já estão pacificadas. Faltam apenas as favelas da Rocinha e do Vidigal, em São Conrado.

“A expectativa agora é de que seja implantada UPP no Complexo da Maré, onde o Bope vai instalar o seu novo batalhão e onde faz operações diárias há pelo menos duas semanas. As favelas da região também têm localização estratégica, já que são cortadas pela Avenida Brasil e as linhas Vermelha e Amarela, as mais importantes da cidade.”

A “estratégia”: Copa, Olimpíada

Tudo pela Copa de 2014. Tudo pela Olimpíada de 2016. Essa é a única estratégia. Todo o resto, desde a atuação da polícia até a atuação paralela da mídia – acrítica e laudatória, repetidora das declarações oficiais (sempre serão louvadas e honradas as exceções existentes) −, se subordina a isso.

Não é exclusividade das Organizações Globo, cujos dirigentes estão convencidos de que tudo isso – tiroteios, UPPs, obras para os megaeventos, Porto Maravilha de Negócio Imobiliário, sabe-se mais o que ainda virá – ajudará o Rio a se recuperar econômica, urbanística e socialmente de décadas de perda de importância, da exploração de uma gigantesca reserva de mão de obra barata, da segregação racial e social em favelas e conjuntos habitacionais precários.

Perda de importância para a qual contribuiu decisivamente (o advérbio não está aqui por distração ou hipérbole) a corrupção policial e a suposta incompetência policial (a polícia seria incompetente se tentasse corresponder aos interesses e às expectativas dos cidadãos, mas ela se rege por uma lógica corporativa própria, dentro da qual convivem a banda “podre”, ou criminosa, em bom português, e outras, chame-se-lhes como se quiser, cúmplice objetiva da primeira).

A polícia tornou-se extremamente competente para arregimentar votos, como são competentes traficantes e milicianos (poderes não regidos por leis e regulamentos da sociedade). E é de votos que se fala também quando se pronunciam as palavras Copa e Olimpíada. Grandes negócios, grandes campanhas políticas, tudo (mal) disfarçado sob uma retórica marqueteira que a maior parte da mídia ginasianamente engole.

Record também bajula

A TV Record não trabalha melhor do que suas rivais. Em novembro de 2010, o RJ no Ar celebrou uma entrevista “exclusiva” de Cabral Filho. Excerto da matéria:

“A polícia tomou o complexo do Alemão e, como símbolo de reconquista territorial, fincou no topo as bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro. O domínio, segundo o governador Sérgio Cabral, irá se perpetuar. […] O governador explicou ainda a política de metas adotada. De acordo com Cabral, a tomada do Alemão foi o grande símbolo de conquista do Estado.

− Temos uma política de metas, junto com Instituto de Gerenciamento de Gestão, que dá consultoria para o Estado. Junto com Beltrame, elaboraram uma política de redução de homicídios, de latrocínios e de roubos. A recuperação territorial foi a grande conquista do Estado. Devolvemos a comunidade para os moradores.”

Brasil Urgente

Com exceção do Estado de S. Paulo e da Bandeirantes, os meios de comunicação não informaram que Gelson Domingos da Silva era há dois meses contratado do programa Brasil Urgente, conduzido pelo apresentador Datena. No Rio, o apresentador é Wagner Montes, candidato mais votado para deputado estadual em 2010.

É um programa sensacionalista, regido pela busca de audiência. Tão sensacionalista que não hesitou em usar as últimas imagens feitas por Domingos para “esquentar” a edição de segunda-feira (7/11), depois de uma declaração falsa de que não o faria (clique aqui para ver o vídeo).

A mesma busca de audiência a que se submetem, com maior ou menor desfaçatez, tantos outros meios de comunicação.

Febre de prêmios

Um dos fatores ignorados nas reportagens sobre o assassinato do cinegrafista é que um prêmio recebido pela TV Globo pela cobertura da fuga de traficantes do Morro do Alemão – de helicóptero, a 1,5 quilômetro de distância, e nem por isso, possivelmente, isenta de irresponsabilidade – atiçou a sede de sangue dos concorrentes. Até que correu o sangue de um dos seus.

A discussão sobre a maior ou menor resistência do colete usado por Domingos está errada. Jornalista não é combatente. No peito do combatente, o colete serve reduzir os riscos, não para eliminá-los. Não há guerras sem mortos e feridos. Mas jornais, emissoras de televisão, sites, rádios falam em “confronto”, “guerra”, como se os jornalistas estivessem imersos no combate, como se a tarefa deles não fosse descrever os fatos com olhos que são os que a população pode ter nessas situações. Para isso, uma das condições elementares é sobreviver com o corpo intacto e a mente, se não intacta, o que é impossível, pelo menos lúcida.

Coletes, capacetes e outros equipamentos nunca serão capazes de resistir às armas cada vez mais poderosas usadas por bandidos, muitas delas vendidas por policiais.

O treinamento é outro

Também estão equivocadas instituições que discutem o grau de treinamento dos jornalistas para cobrir conflitos. Isso importa, mas o que vem antes é a discussão sobre a legitimidade do sensacionalismo, da busca prioritária, ou mesmo exclusiva, de audiência.

Se a cobertura pode preliminarmente ser classificada como jornalística, então cabe treinar repórteres, fotógrafos, cinegrafistas para cobrir os acontecimentos, não para participar deles a reboque da polícia e dos bandidos. Antes de mais nada, em qualquer contexto, seja qual for a pauta, treinar os profissionais para ter visão crítica, para não engolir versões oficiais, não se deixar contaminar por “climas” e “febres”.

O nome do fenômeno não é “confronto”, nem “guerra civil”, é concorrência entre meios de comunicação. Papaguear o que a polícia diz pode permitir a jornalistas acompanhar de perto as “operações”, obter “informações privilegiadas”, que nem informações são, são apenas a versão dos interessados na manutenção do statu quo. Mas não lhes permite defender sua atitude como legítima à luz dos códigos profissionais, da condição de cidadãos, menos ainda de adeptos da democracia.

Chefes de reportagem enviam os “soldados” ao “front”. Editores procuram fazer disso uma narrativa que não desperte a desconfiança dos cidadãos a respeito dos verdadeiros móveis de todos os personagens.

Uma Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – não pode fazer média com donos de empresas e seus prepostos. A menos que entenda serem coincidentes em tudo, ou no essencial, os interesses de patrões e empregados. Não são. Nunca serão. E é bom que não sejam, para o bem-estar de todos e felicidade geral da nação.

Endosso oficial

A nota da Secretaria de Comunicação da Presidência da República endossa a irresponsabilidade interessada do sensacionalismo:

“O trágico episódio reforça em toda a sociedade o sentimento de gratidão e de solidariedade a todos os profissionais de todas as categorias que, como Gelson, arriscam-se em suas tarefas diárias em prol dos brasileiros.”

Essa frase seria um achado se estivesse num comunicado da Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. É uma retribuição ao chapa-branquismo da mídia ou apenas média com dirigentes de redações que não hesitam em jogar no fogo seus profissionais?

A juíza

O material de imprensa, até a segunda-feira (7/11), não mencionou dois outros episódios que traduzem mazelas dramáticas da segurança pública no estado do Rio.

Primeiro episódio, o assassinato da juíza Patrícia Acioli, atribuído a policiais militares que teriam agido sob o mando do tenente-coronel PM Cláudio Luiz de Oliveira. Depois da prisão de Oliveira, seu protetor, o próprio comandante da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, foi demitido. A execução da juíza foi um passo gigantesco no cerco promovido por criminosos às instituições do Estado democrático de direito.

Esses criminosos contam com a tibieza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujos dirigentes se dobraram aos interesses dos policiais militares que integram seu sistema de segurança e desqualificaram pedidos de proteção feitos por Patrícia Acioli. Depois, tentaram atribuir-lhe a responsabilidade pelo desfecho funesto.

O deputado

Segundo episódio, a fuga do deputado Marcelo Freixo, que em 2007-8 presidiu a CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, da qual resultou a prisão de 500 pessoas acusadas de ligação com os paramilitares das favelas da capital e do Grande Rio. Freixo e sua família receberam novas ameaças de morte nas semanas que antecederam sua saída do país, em 1 de novembro.

Em entrevista à BBC Brasil, o deputado acusou o governo do estado de não querer investigar as denúncias:

“É inadmissível que o governo não me dê qualquer satisfação, não me diga se as denúncias procedem ou não. No fundo é porque não querem investigar, como não investigaram as ameaças feitas à juíza.”

 A gravidade da situação de Freixo não passou despercebida do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, subordinado à Presidência da República. Em nota pública, o CDDPH “se sensibiliza” com a situação do deputado, e reconhece a importância de sua…

“…atuação como defensor dos Direitos Humanos, com ampla contribuição no enfrentamento ao crime organizado. O Conselho assume o compromisso de reforçar as iniciativas que enfrentam as violações aos Direitos Humanos e em defesa daqueles que atuam nessa causa, como o deputado Marcelo Freixo.”

Mas esses encadeamentos tão evidentes foram ignorados quando uma bala matou mais um jornalista.

O título e o salário

O Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro suscitou, em nota, dois aspectos negligenciados na imprensa. Afirma que Gelson Domingos da Silva “era obrigado a exercer também a função de motorista do veículo da emissora – contrariando todas as normas de segurança em áreas de risco”, e desconfia que ele é citado como “repórter cinematográfico”, mas era remunerado como operador de câmera externa. A segunda condição tem salário inferior e pouca autonomia de trabalho.

Domingos era desde 2007 contratado da TV Brasil, que não se manifestou. A TV Brasil produz e transmite o Observatório da Imprensa na TV.

Réquiem por uma vítima

É triste pensar na família desse rapaz que começou motorista e conseguiu se formar como repórter cinematográfico. Causa consternação ouvir um colega seu da Band relembrá-lo como “destemido”, “guerreiro”, e outro afirmar:

“O que fica do Gelson é uma lição para qualquer profissional, para qualquer ser humano. Quando você quer alguma coisa, você tem que batalhar. E o Gelson era um guerreiro. Quando você quer estar entre os melhores, você tem que ter força de vontade, muita disposição. Isso não faltava no Gelson. Quando você quer crescer, quando você quer ir além, você tem que ter uma força de vontade, uma espiritualidade muito grande.”

Fiquemos com Jorge Antônio Barros:

“Jornalistas experientes dizem que a sociedade deve acender uma luz de alerta toda vez que um jornalista for morto em serviço, porque é sinal de que a sociedade também está em perigo. Alguns jornalistas são como canários nas minas, cujo canto alerta para o risco iminente. Perdemos mais um canário.”