Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A imagem do negro na TV

Pesquisa realizada pelo Instituto Opinião, em parceria com os grupos Geledés e AMA Psique e Negritude, mostra a avaliação que jovens e mulheres de classe B, C e D de São Paulo fazem da qualidade da programação da TV, da imagem dos negros que vêem nela representada, e do impacto disso na auto-estima da população negra.

A pesquisa qualitativa aborda os hábitos e atitudes frente à TV, bem como a avaliação dos diversos tipos de programação, levantando ainda sugestões para a melhoria do meio. A análise – feita a partir dos resultados das discussões em grupo – tem também um foco específico voltado para as crianças negras, a partir das informações fornecidas por suas mães.

Eis uma síntese do que traz o relatório:

** “A TV penetrou e se instalou de forma definitiva no seio da família e da comunidade brasileira. Mesmo os que lhe são críticos, como no caso das militantes de movimentos sociais, se renderam a seus encantos, à sua companhia, ao estímulo e pretexto para discussão que alguns de seus programas representam. Assim, o leque do que se assiste, como se assiste e por que se assiste é bastante amplo e variado. E, dentro do que se vê, elogios e críticas. Mas há uma diferença importante a focar neste contexto: ele se posiciona a partir do olhar do negro. E o que este olhar percebe e sente é singular e diferenciado.

** Nossa amostra tem críticas à qualidade da programação, à dosagem dos ingredientes e tipos de programas que a compõem. Mas tem também uma percepção e crítica severas à pouca visibilidade dos negros, de suas vidas, de suas lutas, de seus saberes e viveres, e que acompanha a crítica ao que se transmite em termos de valores e subentendidos nos papéis que costumeiramente lhes são reservados.

** A vida, na rua, parece ter conseguido incorporar mudanças, avanços e conquistas. A TV está atrasada, com relação à realidade, na medida em que não a reflete em sua atualidade. E, dentro dela, a propaganda parece ter ousado avançar mais que a programação propriamente dita, movida pelo interesse no poder de consumo deste segmento interessante da população brasileira, e passa a merecer críticas que remetem mais à necessidade de seu refinamento e credibilidade – já um passo adiante, portanto.

** A TV é referência de modelos e valores que tendem a ser interiorizados e contribuem para a formação da subjetividade. Ao não se ver e se reconhecer na sua seleção de imagens e destinos, a estranheza é inevitável. E buscam, nos diversos canais e horários, alguma imagem que pareça a própria, algum estímulo ao crescimento, algum reconhecimento de seu valor.

** Ao não se reconhecer, nem nos pobres glamourizados, nem nos negros escravizados, ao se perceberem distantes dos padrões de beleza e sucesso veiculados, há duas reações possíveis. O rebaixamento da auto-estima é uma delas. E os grupos concordam com esta leitura, embora projetem-na sempre “no outro” – no menos politizado, na criança, nos demais. Eles, por si, se incluem no grupo mais resistente. A outra reação diante disso consiste em buscar modelos, estímulos e motivação alhures, quando não em si mesmos. E, assim, passam efetivamente a relativizar o possível efeito da programação da TV na auto-estima.

** Muitas propostas e sugestões são feitas. Visam a melhoria da TV, na qualidade de sua programação, no balanceamento mais adequado e inteligente de sua receita e na maior compatibilização de sua visão do mundo com o que efetivamente nele ocorre hoje. E, nisso, refletir a diversidade é a grande palavra de ordem.

** A televisão subestima a capacidade crítica de seus telespectadores e, em particular entre estes, os negros. E que, justamente por se verem distanciados dessa tela que deveria teoricamente incluí-los e re-significá-los, a sua percepção se torna mais crítica e o poder de influência da televisão se reduz, no mesmo movimento.

** É inegável e urgente a necessidade de incorporar as modificações sugeridas, resultando não só em maior qualidade mas também numa maior proximidade deste segmento importante da população. Quando então ficaria mais candente a questão de como preservar o senso crítico frente à televisão, que hoje decorre justamente do distanciamento que esta exclusão provoca, e que deveríamos construir em todos os telespectadores – para preservá-los do excessivo poder que a TV exerce sobre o imaginário, o desejo e a formação da subjetividade.

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Psicóloga, pesquisadora do Instituto Opinião e presidente do conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Mercado