Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A ineficácia da pena de morte

“Todos responderão, algum dia, perante Deus!” (Anthony Ray Hilton,
vítima de erro judiciário, que permaneceu durante 30 anos no “corredor da morte”)

“Não há evidências de que as leis muito duras resultam em sociedades pacíficas, nem que reduzam o tráfico.” A declaração, dada à revista IstoÉ por Nívio Nascimento, membro do Programa da Unidade de Estado de Direito do Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime da ONU, ajuda a desfazer o mito de que a pena de morte, repudiada pela consciência humana como instrumento jurídico cruel, reduz a incidência de crimes, seja no tocante ao comércio das substâncias ilícitas, seja com relação a outras práticas delituosas inaceitáveis na boa convivência social.

Na Indonésia, onde predomina uma legislação repressora – também “contestável do ponto de vista da proporcionalidade da pena”, segundo o autor da declaração mencionada –, o número de usuários de drogas, é hoje de 4 milhões e as expectativas são de que, até o final do ano, o número de consumidores cresça para quase 6 milhões, correspondendo a 3% da população. A ação de extremo rigor do Estado não tem conseguido, nada obstante, impedir que seja de 33 pessoas a média diária de vítimas fatais da maconha, metanfetamina cristal e pílulas de ecstasy. Média sempre crescente, de acordo com estudiosos do preocupante problema, em razão das elevadas taxas de pobreza existentes no país.

A ineficácia da pena de morte – lastreada numa fieira interminável de exemplos práticos para conter a criminalidade – não se aplica apenas a esse país asiático. A ONG Penal Reform International, conforme revelado em reportagem de Fabiola Perez na IstoÉ, divulgou relatório mostrando que os índices de violência se revelam mais elevados sempre nas regiões dos Estados Unidos que adotam a pena capital. Um outro elemento válido para comprovar a tese é fornecido. A taxa de homicídios no Canadá caiu substancialmente – cerca de 44% – desde que a pena de morte foi abolida.

Como dois e dois são quatro

O fuzilamento recente na Indonésia de um novo grupo de pessoas julgadas sumariamente por tráfico de drogas, entre eles um brasileiro portador de doença mental constatada em diagnóstico médico ignorado pela corte judiciária, provocou onda de comoção, fazendo ressurgir manifestações ruidosas contrárias à pena capital. A Anistia Internacional anotou, ao condenar a decisão de Jacarta, que entre 1995 e 2014 o número de países favoráveis à pena de morte foi reduzido de 41 para 22. Nas Nações Unidas, 112 Estados membros aprovaram este ano uma proposta de moratória para a pena, considerando-a incompatível com a dignidade humana.

A momentosa questão em foco ganha singular ênfase com a comovente história vinda na sequência.

Anthony Ray Hilton passou 30 anos de sua vida numa masmorra da penitenciária federal do estado de Alabama, Estados Unidos. Desde a condenação, no começo da pena, foi jogado no “corredor da morte”. Aguardou, sobressaltado, por todo esse tempo, o momento fatal. Enquanto o tempo se esvaía iam-se acumulando, lentamente, agoniadamente, provas de sua inocência quanto ao homicídio de que o acusavam. Finalmente, três décadas depois de proferida a sentença, um tribunal superior condescendeu em reconhecer que o caso de Hilton merecia revisão por encobrir pavoroso erro judicial.

Ao recobrar recentemente a liberdade, na expectativa de receber indenização estimada a princípio em 6 milhões de dólares, o presidiário impiedosamente alvejado conseguiu reunir forças para transmitir uma mensagem que, com toda certeza, está ricocheteando pesadamente na mente de seus algozes: “Todos os que contribuíram para que eu fosse colocado no corredor da morte responderão em algum momento perante Deus.” Como dois e dois são quatro, é o caso de se acrescentar.

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Cesar Vanucci é jornalista