Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A informação e a filtragem, tempos assimétricos (II)

Com o propósito de desdobrar aspectos intrínsecos ao tema central em torno do binômio tecnologia / educação, cuja prefiguração inicial remete ao artigo publicado na edição anterior do OI, seguem ponderações de quem, há quase quatro décadas, lida, diariamente com o encargo de tentar estender ao próximo o conhecimento. Para tanto, não caberia, no espaço de um artigo, recorrer a observações críticas de reconhecidos pesquisadores do porte de Derrick Kerckhove, Fredric Jameson ou Pierre Bourdieu, entre outros, com o intuito de alicerçar fundamentos com os quais procuraria convencer eventuais leitores para as idéias aqui expostas.

A parceria entre tecnologia audiovisual e educação, que aos olhos tecnocráticos de políticas governamentais e setores privados inseridos no sistema educacional se apresenta como dadivosa e apetitosa fórmula, precisa de substancial contra-discurso, antes que o mal irreversível tome conta, em nome da fórmula tentadora a associar a maximização de lucros e a minimização de custos. No tocante aos irresistíveis apelos que, em nome da redução de custos, a tecnologia se possa tornar agente protagonizador do processo transmissor do conhecimento, por meio do novo modelo de ‘educação à distância’ (mantenho o acento grave que a maioria retira), contra o paradigma tradicional do que, atualmente, nomeiam de ‘educação presencial’, se faz necessário apontar alguns fatores complicadores, fato em relação ao qual a mídia não parece disposta a tematizar.

Lógica perversa

Em princípio, fique claro que nada há contrário à utilização de recursos como televisão, vídeo, DVDs, computador, ‘videoconferência’, e outros suportes. Uma coisa é reconhecer o que a tecnologia audiovisual oferece como soma e outra é constatar a ameaça do mesmo benefício que se converte em subtração. É esse ponto atinente a subtrações que a mídia não parece tentada a abordar. Há razões para esse silêncio um tanto cúmplice. Afinal, a mídia (tanto impressa quanto eletrônica) é beneficiária dos novos suportes tecnológicos da informação. Assim, fica a suposição de que tal benefício se estende, em igual medida, para o sistema educacional, o que é, absolutamente, um equívoco.

Mesmo no campo da mídia, já se observam deformações preocupantes. Enquanto, outrora, os principais jornais investiam em correspondentes internacionais que, por missão, elaboravam coberturas in loco, agora se limitam a consultas via internet, o que amplia o risco de deformações, ao mesmo tempo em que julgam ganhar em velocidade e economia de gastos. A mesma lógica perversa que vem deformando a nobre atividade jornalística é aquela que, em tempos próximos, desvirtuará a eficácia do que chamam de ‘educação presencial’, em favor da adoção da ‘educação à distância’. Vejamos se, por via econômica de argumentação, podemos elucidar o problema em questão.

Abastardamento irreversível

O melhor caminho para alguém perceber diferenças que repercutam em âmbito subjetivo é aquele que se calca na ‘experiência’. Deste modo, sugiro que alguém assista a uma peça de teatro e, tempos depois, reviva a ‘experiência’, revendo a mesma peça pelo aparelho de TV, com as polegadas máximas disponíveis. Se efetivamente concluir que não há perdas consideráveis, nada restará para o exercício da argumentação. A conclusão será simples: o avaliador não entende nada de teatro. O avaliador não compreende nada do que seja linguagem de TV.

A lógica a reger a ‘educação à distância’ é a mesma que tenta convencer o cinéfilo de que o filme exibido no cinema é o mesmo daquele quando uma emissora de TV exibe. Bem, se chegamos a esse ponto de avaliação, então não há mais espaço residual para o construtivo exercício de um diálogo no qual a inteligência seja o vetor principal. Apenas ficará exposto o profundo abismo comunicacional entre alguém que nada entende de cinema (ou de teatro) e outro que se contenta com a radicalização da ‘cultura do simulacro’. Em predominando o segundo, a civilização caminhará celeremente para o abastardamento irreversível. Que lástima!

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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)