Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A liberdade e os espelhos

‘Observe a dialética da censura e da liberdade no campo da cultura, porque a guerra econômica do petróleo é apenas uma metáfora da guerra subjetiva, que é a guerra da comunicação, que a dominação é a guerra cultural.’ – Glauber Rocha, entrevista dada em 1979 a Silva Duarte, Repórter, nº 52, 16/9/1981

Não há absolutamente nada a ser comemorado no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, visto a situação dos meios que a integram. Sob a bandeira da liberdade, da igualdade e da revolução, foram construídas todas as ditaduras e justificaram-se todas as guerras que dizimam milhares de pessoas, instalando a intolerância, o caos, a violência e a mediocridade. Não recordo quem disse esta frase, mas ela encaixa-se muito melhor e deveria substituir a ‘Dia de se revirar no túmulo’, usada pela ANJ nos anúncios que circularam no dia 3 de maio de 2007.

Assim como a Liberdade foi e é usada pelos povos para matar e aniquilar o outro, a imprensa também usa da liberdade para cometer todo tipo de atrocidades que deveria denunciar e combater. Ou alguém ainda acredita que ela, a imprensa, seja um veículo de comunicação imparcial que zela pela informação isenta de pragmatismo e destinada a esclarecer a população a respeito dos acontecimentos de sua cidade, estado, país e mundo? É inadmissível que a imprensa use esta bandeira da Liberdade para outorgar-se o poder de não evoluir e de não aceitar críticas.

A todos os seres humanos é dado o direito de ir, vir e agir, conforme sua vontade. A isso deu-se o nome de liberdade; porém, se pudéssemos fazer tudo o que quiséssemos, não seria possível o convívio em sociedade visto que esta é direcionada ao coletivo, e não ao individual. Portanto, temos a liberdade de agir, porém arcamos com as conseqüências de nossos atos de acordo com a ética, normas e padrões de comportamento que regem a sociedade que integramos. Somente assim é possível o convívio social.

Um poder paralelo

A imprensa, porém, resolveu que está acima do bem e do mal e não aceita que sua ‘liberdade’ passe por uma revisão crítica de seu papel. Assim, publica matérias compradas, dados errados, difama e persegue pessoas, condena cidadãos sem provas, favorece políticos, distorce informações, manipula interesses públicos, controla cargos públicos etc. sem ao menos ser punida. AI-5?

A infantilidade e o desprezo pela democracia e pela sociedade são tamanhos na imprensa que ela nem mesmo aceita cumprir fusos horários – e menos ainda que se estabeleçam horários ou limites para a propaganda que veicula. Quanto ao conteúdo que gera, transmite ou publica é ‘intocável por natureza’, mesmo que seja criminoso. Ai daquele que questionar a liberdade do jornalismo – que arda no fogo da inquisição por ser subversivo, totalitário, direitista, atrasado, controlador, adorador de Satanás ou, quem sabe, comunista.

É pura burrice empunhar estes julgamentos. Como integrante da sociedade, a imprensa tem que obrigatoriamente ‘revirar-se no túmulo’ e discutir seus limites, principalmente por ser o poder paralelo de maior importância na formação social. Isto não quer dizer que ela precise de ‘censores’ ou de ‘controladores’, mas que deve criar instrumentos visando a impedir seus próprios abusos para que não seja, como é hoje, um poder paralelo acima da verdade e para que as pessoas que o integram não utilizem esse poder para promoção pessoal e controle social, como fazem os grandes conglomerados de comunicação e mesmo os principais veículos de comunicação regionais dentro de suas área de atuação.

Mediocridade e hipocrisia

A criação de um órgão de auto-regulamentação presidido por pessoas do próprio meio, ou mesmo a estipulação de padrões de conduta dentro do jornalismo, são ações que em nenhum momento irão interferir na imprensa como censores, mas serão instrumentos para que o próprio jornalismo fiscalize os ‘jornais panfletários’ e para que os leitores tenham a quem recorrer quando se sentirem ofendidos, prejudicados ou encontrarem irregularidades na informação que todo dia adquirem pela credibilidade.

Ombudsmans, painéis dos leitores e afins de nada adiantam, pois embora possam ‘ouvir’ os leitores, seu poder é restrito e já ficou comprovado que nenhum jornal procura ser melhor porque fulano ou sicrano encontrou falhas em seu conteúdo. Se isso ocorresse, certamente este Observatório, depois de 10 anos, seria supérfluo, a Rede Globo não exibiria mais seu alienante Jornal Nacional e, quem sabe, a escória e toda a podridão partidária sem escrúpulos de Veja não mais existisse.

Hitler, Mao, Stalin, Mussolini, Franco, Pinochet, personagens utilizados no anúncio da ANJ, foram sujeitos que, antes de serem totalitários, brandiram o lema da liberdade, não aceitaram contestações sobre o conteúdo de suas ideologias e, acima de tudo, negaram qualquer forma de revisão ou controle de seus atos; se o jornalismo também ergue esta bandeira, ele precisa ser deposto para que toda a podridão e sensacionalismo que vemos todo o dia ‘não voltem a acontecer’, como diz a ANJ – que, em vez de anúncios patrocinados pela Souza Cruz, deveria deixar a mediocridade e a hipocrisia de lado e procurar um pouco os espelhos à sua volta.

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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP