Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A luta contra o trabalho infantil

Em 10 e 11 de maio foi realizada, em Haia, na Holanda, a Conferência Global da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho infantil. No relatório final da reunião consta um dado extraordinário: de 1992 a 2008, o número de crianças que trabalham no Brasil diminuiu em mais de 50%. Como reconhecimento da atuação contra o trabalho infantil, o país foi convidado a sediar a próxima conferência da OIT sobre o tema, em 2013.

A diminuição do trabalho infantil em solo brasileiro recebeu destaque na seção ‘Planète’ do jornal francês Le Monde, na edição on-line de 13 de maio. Porém, no Brasil, a notícia foi praticamente ignorada por grande parte do público. Entre os grandes jornais, apenas O Globo e Correio Braziliense concederam espaço para ressaltar a mudança de postura do país, que passou de beneficiário da assistência técnica do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT (Ipec) a provedor de auxílio a outros países do hemisfério Sul. No entanto, nenhum dos dois jornais mencionou os números extremamente positivos do desempenho brasileiro.

Como um noticiário tão importante, e com dados tão animadores, pode passar despercebido? Não houve sequer uma menção no site da maioria dos jornais de maior circulação do Brasil. A boa nova ficou restrita a alguns tablóides de alcance estadual, portais de notícias on-line e páginas de ONGs que lutam por direitos humanos.

Leis e mecanismos eficazes

O fato de que o país, além de superar as metas da OIT para erradicação do trabalho infantil, tornou-se cooperador com outras nações que enfrentam o mesmo problema, coloca o Brasil numa posição de liderança, como já vem ocorrendo em outros desdobramentos da política internacional. No prefácio do documento, o diretor-geral da OIT, Juan Somavia, menciona: ‘O Brasil tem sido um líder.’ Isso não é pouco. Em um país com tantos problemas sociais, zelar pela infância é um feito e tanto, que merece ser comemorado. Contudo, para isso, precisa ser divulgado, função primordial da imprensa. É muito infeliz essa omissão de boa parte da mídia, tratando-se de notícia que mostra a mudança de papéis por que vem passando o país desde os anos 1990, de periferia para centro em diversos planos da esfera global.

A vitória conquistada até aqui ocorreu por uma combinação de leis e mecanismos eficazes. Desde 1990, com a publicação do Estatuto da Infância e do Adolescente, que implementou os Conselhos Tutelares, muito foi feito para manter as crianças nas escolas e longe do mercado de trabalho. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), iniciado em 1996, bem como os programas sociais de distribuição de renda e incentivo à permanência escolar são citados no relatório da OIT como responsáveis pelo bom desempenho brasileiro.

O direito de ser criança

É claro que ainda há muito a ser feito, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde se concentra boa parte da mão-de-obra infantil nas zonas rurais, principalmente na agricultura. Os pequenos atuam também na área urbana, vendendo balas em ônibus, catando papéis no lixo, bem como trabalhando na indústria da reciclagem. Em todas as grandes cidades brasileiras, talvez o mais chocante seja a indiferença do adulto perante algo que se tornou comum em seu dia-a-dia: a cena do menino oferecendo doces no sinal vermelho não impressiona mais. No meio do trânsito, com risco de atropelamento, não é seu lugar. Ele deveria estar na escola, entre livros e atividades lúdicas.

A performance brasileira é digna de celebração. No entanto, a batalha não está vencida. A OIT estabeleceu como objetivo eliminar as piores formas de trabalho infantil no mundo até 2016. É um desafio enorme diante da estimativa de 215 milhões de trabalhadores mirins no globo.

No Brasil, o reconhecimento é incentivo para continuar retirando cada vez mais crianças das situações de risco. A erradicação do trabalho infantil só ocorrerá quando todas as famílias tiverem condições mínimas de renda, o que permitirá a cada criança o direito de ser criança.

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Historiadora, mestranda em História na UFRGS, Porto Alegre, RS