Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A mentira tem pernas longas

Para muitos, o Judiciário é mesmo uma caixa preta. E, como diz o jargão popular: ‘De cabeça de juiz e bumbum de neném pode sair qualquer coisa’.

Vários entendidos do sistema jurídico brasileiro devem ficar perplexos em alguns casos. Refiro-me, especificamente, à incongruência na suspensão de vários artigos da Lei de Imprensa e à desaplicação de algumas de suas penas.

No dia 21 de fevereiro, o Superior Tribunal Federal, na pessoa do ministro Carlos Ayres Britto, concedeu liminar em que suspendeu vários artigos da famigerada Lei de Imprensa, de 1967.

Entre os artigos suspensos estava o 20º, que diz respeito à calúnia, ato de imputar falsamente a alguém fato definido como crime.

Um dia depois da decisão do ministro Britto, a Vara das Execuções Criminais de Taubaté determinou a liberdade do reincidente jornalista José Diniz Júnior, 62 anos, (editor do tablóide Matéria-Prima, de Taubaté), que foi condenado a um ano e um mês de prisão, em regime semi-aberto, por ofender um advogado ao dizer que ele atendia as duas partes de um mesmo processo, conforme divulgou o site Comunique-se (29/2).

O ‘segredo dos tostines’

A liberdade do jornalista José Diniz Júnior foi argumentada sob a suspensão do artigo 20 da lei de imprensa. No entanto, o item suspenso havia sido subscrito com base no artigo 138 do Código Penal (CP), de 1940, que vigora até hoje.

No Código sobre condutas criminosas, calúnia está tipificada assim: ‘Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime’. Ou seja, a mesma coisa prevista no artigo suspenso da Lei de Imprensa, só divergindo quanto às penas (até 2 anos de prisão no CP e até 3 no artigo suspenso) e o acréscimo de um parágrafo no CP que ressalta a observação de que caluniar mortos também é crime.

Os artigos sobre calúnia, injúria e difamação na Lei de Imprensa foram suspensos, mas o crime praticado pelo jornalista não; muito menos o Código Penal, que ainda tipifica esses crimes.

Contudo, há de se perguntar, então: o fim da Lei de Imprensa concede liberdade demais? Pelo menos em tese, não, pois esses atos ainda são crimes no Código Penal. Mas na prática…

Então, por que o jornalista reincidente foi absolvido? De certo porque foi condenado pela Lei de Imprensa, e não pelo artigo 138 do Código Penal. No entanto, o Código Penal está de longe acima da Lei de Imprensa, embora assim não o tenha entendido a Vara das Execuções Criminais de Taubaté.

A dúvida quanto ao valor jurídico de um código em detrimento de uma lei suscita uma confusão nas leis ou o Judiciário é que é confuso demais? ‘Qual será o segredo de tostines?’

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Jornalista, Brasília, DF