Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mesma legislação, diferentes enfoques

A aprovação da nova Lei da Adoção pela Câmara dos Deputados foi destaque na imprensa na semana que passou. Todos os jornais noticiaram a lei, dando ênfase à criação do cadastro nacional que reunirá, numa única base de dados, todas as crianças à espera de adoção no país.

O que faltou na cobertura? Uma grande matéria discutindo a situação das crianças à espera de uma nova família. Quem são essas crianças, como chegaram a essa situação, que perspectiva de futuro elas têm? As respostas estão distribuídas entre os vários textos publicados, exigindo que os leitores vasculhem todos os jornais e revistas para tentar montar a matéria que faltou.

O Estado de S. Paulo destacou a exclusão dos casais homossexuais:

‘Na votação, foi retirado o ponto que permitia a adoção de crianças e adolescentes por casais de mesmo sexo. Líderes de alguns partidos (como o PTB) e deputados da bancada evangélica pressionaram e ameaçaram impedir a votação, caso esse dispositivo constasse da proposta, que já havia sido votada no Senado. Na prática, no entanto, casais homoafetivos têm reconhecido o seu direito à adoção na Justiça’ (O Estado de S. Paulo, 21/8/2008).

Devolução e abandono

A revista Veja mostrou quem são as crianças:

‘A Associação dos Magistrados Brasileiros estima que existem cerca de 80 mil crianças em abrigos no país, sendo que apenas 8 mil estão legalmente disponíveis para adoção. O tempo médio de espera para quem pretende adotar uma criança é de três anos e sete meses, prazo que os defensores do projeto aprovado na semana passada pretendem reduzir para um ano e três meses. O perfil das crianças em abrigos: idade: 61,3% têm entre 7 e 15 anos; etnia: 42% pardas; 35%, brancas; 21%, pretas; 2%, indígenas e amarelas.

Por que vivem em abrigos: 27%, outros motivos; 24%, famílias pobres; 18,8%, abandono; 11,6%, maus-tratos; 11.3%, dependência química dos responsáveis, 7%, falta de moradia’ (Veja nº 2075, de 27/8/2008).

A Folha de S.Paulo também discutiu a rejeição das crianças adotadas e a diminuição do preconceito na hora de escolher:

‘Apesar de o número de adoções no estado de São Paulo ter aumentado e a restrição dos pais adotivos a características das crianças ter diminuído, um fator ainda preocupa especialistas da área: a devolução. Não há dados disponíveis sobre a prática – que após a fase de convivência ou estágio determinada pelo juiz, é considerada crime de abandono. Levantamento feito pela Folha em Varas da Infância e da Juventude da capital mostra, no entanto, que devoluções não são incomuns. Em Itaquera (zona leste de São Paulo), por exemplo, ocorreram oito casos nos últimos dois anos – dois deles depois de deferida a sentença de adoção. Na Vara de Santo Amaro (zona sul), foram dois casos apenas em 2007; em Pinheiros (zona oeste), outros dois. No Tatuapé (zona leste), uma criança foi devolvida duas vezes.

O preconceito na hora de adotar diminuiu, segundo pesquisa da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional de São Paulo. Caiu de 49% para 31% do número de pretendentes que exigiam que a criança fosse branca, entre 2005 e 2007. No período, cresceu de 21% para 28% o número de pessoas para quem a cor é indiferente’ (Folha de S.Paulo, 24/09/2008).

Emoção do leitor

Nenhuma das matérias, no entanto, atendeu aos leitores interessados – ou que poderiam vir a se interessar – em adotar uma criança. Eles continuam sem saber como chegar até essas crianças, o que precisam fazer para se candidatar à adoção, os riscos e obrigações dos envolvidos no processo.

A imprensa não tem obrigação de suprir as falhas do governo, que não divulga esses dados. Mas poderia ter sensibilidade para perceber que crianças carentes emocionam os leitores e rendem boas matérias. Ou será que criança abandonada só merece destaque quando o fato rende matérias sensacionalistas como o bebê jogado no rio, o bebê encontrado por um cachorro e por aí afora?

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Jornalista