Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A organização da esfera pública

Os meios de comunicação são o palco da esfera pública, seu local de efetivação e extensão, onde a ação política ganha visibilidade e os cidadãos podem acompanhar as decisões tomadas. As trocas simbólicas operadas pela mídia agem de forma definitiva na regulação dos campos sociais. As informações, como se sabe, são o principal meio que os cidadãos possuem para se inteirar do que acontece nos espaços de decisão, monitorar os políticos, reivindicar seus direitos e se conscientizar para votar.

O espaço público contemporâneo, contudo, não se constitui apenas pelas atividades da política, em instituições e grupos organizados, mas também em cafés, bares, universidades, escolas, fábricas, mídia e demais locais de intercâmbio de ideias e discursos que fazem parte do cotidiano. Nesses espaços públicos, agendados pela imprensa, são produzidos, alterados e disseminados os fluxos comunicativos contendo as demandas da sociedade. Ganham lugar novas linguagens, novas reivindicações e novos direitos que vão se reformulando progressivamente e alterando a ideia de cidadania.

Os meios de comunicação, portanto, têm papel central nessa nova perspectiva discursiva. A mídia é constitutiva desse espaço público, na medida em que se torna o principal local de debate de ideias e de trocas simbólicas. Leva as reivindicações da população aos governantes e acompanha as ações dos governantes.

Esfera pública

Habermas determina um modelo discursivo de esfera pública, considerando a potencialidade crítica do público. Segundo o filósofo, os cidadãos, mesmo as minorias, podem se manifestar e alterar os espaços públicos. Em sua nova perspectiva, a esfera pública é vista como um fórum aberto para o debate discursivo e a troca de ideias acerca das questões coletivas que afligem a sociedade.

A esfera pública é pluralista e segmentada, na qual múltiplos espaços promovem a variedade de pontos de vistas e opiniões. Nela, uma complexa rede de comunicação faz com que os discursos circulem, sejam contrapostos e estejam em permanente debate e renovação. O jogo de forças discursivas ocorre entre dois níveis de sociedade, que Habermas denomina de mundo sistêmico, que inclui as instituições administrativas, políticas e econômicas, e o mundo da vida, as vontades, ideias e demandas dos sujeitos – o que pode ser chamado de uma mediação entre o Estado e a sociedade civil. Nesse espaço constitutivo, ambivalente e plural, há um duplo fluxo comunicativo em que os discursos e demandas do mundo sistêmico e do mundo da vida se interpõem e se influenciam, mutuamente, brigando por seu espaço e para fazer prevalecer suas demandas.

Um processo coletivo de debate e formação de ideias no mundo cotidiano pode, então, levar suas demandas e vontades ao mundo da tomada de decisão política. Avritzer e Costa (2004), analisando a nova concepção habermasiana afirmam que: “A fonte da legitimidade política não pode ser, conforme Habermas, a vontade dos cidadãos individuais, mas o resultado do processo comunicativo de formação da opinião e da vontade coletiva” (AVRITZER e COSTA, 2004, p.708).

Contudo, Habermas insiste que a influência da sociedade civil no Estado deve ser auto-limitada por dois motivos. Primeiramente, para evitar a burocratização e afastamento da base. As instituições civis devem servir apenas como catalisadores das demandas sociais, fazendo as chegar aos meios administrativos, evitando procedimentos complexos e que possam travar o processo. O outro motivo tem relação com o poder. Para o autor, a sociedade civil não deve exercer as funções de competência da esfera sistêmica, mas influenciar os mecanismos do Estado para atingir os núcleos de decisão.

Democracia deliberativa

Seguindo a perspectiva weberiana, Habermas (2002) propõe uma tipificação ideal de três modelos normativos ideais de democracia e de cidadania, a saber, o liberal, o republicano e o deliberativo, reconhecendo que nenhum deles existe integralmente. Não nos estenderemos na explicação dos dois primeiros conceitos por falta de espaço.

Os paradigmas a serem utilizados nesse artigo são: democracia e cidadania deliberativas. A concepção procedimental de política deliberativa é a que Habermas diz que “gostaria de defender”, por apoiar-se “nas condições de comunicação”. O processo deliberativo surge por meio do melhor argumento, em que os sujeitos sociais devem apresentar bases racionais para suas proposições. “O terceiro modelo de democracia que me permito sugerir baseia-se nas condições de comunicação sob as quais o processo político supõe-se capaz de alcançar resultados racionais de modo deliberativo” (HABERMAS, 2002, p. 277).

Nesse modelo, a tomada de decisões políticas é legítima, apenas, quando respeita as deliberações dos cidadãos, resultantes de extensiva discussão pública e intercâmbio de ideias a fim de debater os argumentos apresentados para, então, decidir o melhor. Assim, o processo deliberativo consiste em um ato comunicativo, coletivo, racional, democrático e discursivo de análise e decisão. Na democracia deliberativa, portanto, o Estado e os mais variados segmentos da complexa sociedade civil permanecem em constante diálogo por meio do fluxo comunicativo, gerando tensões, influenciando-se e tentando impor sua vontade.

O conceito de cidadania deliberativa supera a concepção liberal e republicana, uma vez que pressupõe a soberania popular, entendida por Habermas como um processo de permanente intercâmbio de informações e de formação da opinião pública. Isto envolve um processo comunicativo recíproco dos membros da sociedade civil que integra suas demandas e as expressa socialmente, criando uma esfera dinâmica de relações entre sociedade civil e Estado.

A cidadania deliberativa tem o poder de decidir, junto às outras esferas, quais são os interesses da sociedade. Os indivíduos, portanto, são capazes de participar do procedimento democrático pela ação política deliberativa, em que os cidadãos devem ser engajados nas questões de concernência comum para influir na transformação da sociedade. Isso se realiza quando a opinião pública se torna um poder comunicativo que “não pode dominar, mas apenas direcionar o uso do poder administrativo para determinados locais” (HABERMAS, 2002, p. 282).

O papel da mídia

John B. Thompson (1998) analisa o novo modo de interação social que os meios de comunicação possibilitam, o que cria novas formas de cultura, de vida, novos hábitos e valores. Para ele, o conceito de massa é ultrapassado: os indivíduos recebem os conteúdos simbólicos da mídia de maneira ativa e seletiva, incorporando ou não à sua vida cotidiana.

Na política, os meios de comunicação possibilitaram aos políticos uma visibilidade sem precedentes na história. Os políticos ganham em reconhecimento social e familiarização, mas ficam mais e mais observados pela mídia. Assim, qualquer deslize cometido pode se tornar um escândalo, prejudicando sua credibilidade e manchando sua imagem. Os políticos precisam conviver com essa nova forma de “publicidade-mediada” e administrar sua visibilidade, precisam se policiar diante da mídia e usar assessores políticos para gerenciar sua imagem. Thompson afirma que, com isso, a política se torna amplamente transparente, na esfera local e global, pois pode fazer com que os políticos tenham mais responsabilidade e humildade e aumentem o debate em torno do espaço público.

Habermas, em seus trabalhos recentes, aponta para a mídia como uma ampliação da vida pública, em que o mundo sistêmico e o mundo da vida se articulam. É o espaço em que as disputas discursivas se operam e resultam em deliberações. Lima (2006) discute a centralidade da mídia para a política. Ele enfatiza que, hoje, a política não existe sem recorrer aos meios de comunicação. No entanto, o autor, ao analisar o contexto brasileiro, ressalta uma série de deficiências que dificultam a profissionalização das instituições midiáticas.

Os oligopólios midiáticos atingiram patamares elevados em termos de padrão de qualidade em seus vários veículos e produtos. Mas há tamanha concentração que se tornam um grande impasse para a democracia. Por outro lado, a alternativa poderia vir da criação de uma multiplicidade de novos canais, principalmente de comunicação regional e comunitária.

Serge Halimi nos lembra ainda que a consolidação da imprensa em grupos empresariais a tornou uma espécie de defensora do poder constituído, os cães de guarda, como o autor denomina. Eles não vigiam as ações dos políticos, como o jornalismo romântico nos fazia acreditar, mas respeitam interesses econômicos para constituir sua linha editorial. A grande mídia faz parcerias institucionais e financeiras com empreiteiras, políticos e empresários visando a vantagens comerciais. Tais ligações prejudicam a liberdade e, acima de tudo, o direito da sociedade de ser bem informada. Cabe a nós, jornalistas e atuantes da área, brigarmos pela volta das boas práticas e bons conceitos do jornalismo, em tempos de tanta contestação e dúvida.

Referências

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. 352p.

AVRITZER, Leonardo e COSTA, Sérgio. Teoria crítica, democracia e esfera pública concepções e usos na América Latina.Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol.47, nº.4, p. 703-728. 2004.

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HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Trad. Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1984. 397 p.

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SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Razões da Desordem. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1993.

THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na America. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962. 620 p. (Coleção ler e pensar; 1).

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[Marcelo Alves dos Santos Junior é estudante de Comunicação Social, São João del Rei, MG]