Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A ótica está errada

No último Observatório da Imprensa (superior, como sempre), surgem os meios de comunicação como se fossem produto do esforço apenas (ou sobretudo) de jornalistas. Não é. Jornalistas (quase todos) escrevem o que o dono do jornal quer, ou consente, que se diga. Imprensa é, basicamente, o patronato da imprensa. Não é coitadinho. É (quase sempre) algoz. Não precisa de proteção (quase sempre). Nós, sociedade e instituições democráticas, é que (quase sempre) precisamos de proteção contra ela.


O caso do nosso simpático Kajuru não é bom, como exemplo. Porque ficou pela metade. O advogado perdeu o prazo. Não houve revisão da sentença, por instâncias superiores. O resultado sai do padrão. Difícil tirar conclusões precisamente com base neste caso. Ou só neste caso. De resto, condenações de jornalistas são usuais, nas democracias. Não representam ameaça a ela. Mais grave é a apreensão do livro Na toca dos leões, de Fernando Morais, ilegal, e arbitrária – também referida no Observatório. Este sim, é um caso exemplar. E merece toda a atenção que lhe tem sido dada.


Definir responsabilidades


A ênfase na exposição usual dos jornalistas protege os próprios jornalistas, sem dúvida. Mas protege também, e muito mais, os patrões. Uma imprensa livre não é aquela que não tem responsabilidades. Com ‘multas’ baixas (‘multas’ que só existem no Brasil – valendo, no resto do mundo, indenização proporcional ao dano). Ou que funcione a partir de ‘Códigos de Ética’ – num arremedo grotesco do CONAR – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária. Só mesmo rindo. Ali, é só anúncios. Enquanto a imprensa é poder.


Nos Estados Unidos sistemas de auto-regulação não são mais aceitos desde 1982, com o case United States vs. NAB. Sem contar que pessoas públicas, com maior grau de exposição, quase nunca têm sucesso como autores de processo. Desde 1849, quando Karl Marx foi inocentado, junto com Friedrich Engels e Hermann Korff, como editores do Neue Rheinishe Zeitung. Até doutrina nesse sentido hoje existe, na Suprema Corte americana – a da ‘New York Times Decision’ – desde março de 1964.


Fui convocado para ir à Venezuela, redigir uma lei de defesa do Estado contra as televisões de lá. Não fui. Nem mesmo respondi. Graças a Deus – que o resultado lá, dessa lei, é preocupante para a democracia.


Uma nova lei de imprensa, com a que está para ser votada no Congresso Nacional, é necessária porque também protege os jornalistas – no tanto em que se abole a pena de prisão, convertida em prestação de serviços comunitários, além do que altera prazos de prescrição (art. 17); garante a exceção da verdade, sem nenhum limite (art. 15); tem um eficiente sistema de direito de resposta (art. 20); determina disclosure, em relação a proprietários de meios de comunicação (art. 4); diz que publicidade, e matéria paga, devem ser sempre reveladas (art. 28); define que conflitos entre liberdade de informação e direitos à personalidade se resolvam sempre em favor do interesse público da informação.


Mas é sobretudo libertária porque define responsabilidades, severas e democráticas, aos meios de comunicação (arts. 5º a 7º). Sem novidades. Apenas iguais à de todas as demais democracias estáveis. Indenização, e não prisão. Dói no bolso.


Experiência é título


Isso é censura? Não é, não. E a melhor resposta a esse tipo de crítica superficial é que a nova lei será tão boa, ou tão ruim, quanto todas as demais leis de imprensa, de todos os países já culturalmente maduros. Por lá, nunca se disse que representariam ameaça à democracia. Aqui, esse refrão é utilitário. Convém aos veículos de comunicação. Com os jornalistas freqüentemente, e sem mesmo pressentir, a serviço de seus empregadores.


Sobra apenas a perplexidade de ver o bom projeto do deputado Wilmar Rocha ser aprovado por unanimidade, pela Comissão de Justiça, em 14/08/1997; e não ser posto em votação pela presidência da Câmara. Durante 8 anos. Independentemente dos partidos que exerceram essa presidência. Dando-nos o direito de questionar sobre os interesses, e as pressões, que levaram a esse engavetamento.


Em resumo, e na minha modesta opinião, o foco deveria ser não na proteção desses jornalistas, ou não apenas nela, mas na construção de um novo modelo de informação. Com uma nova Lei de Imprensa em que jornalistas responsáveis seriam valorizados.


A maior diferença de uma redação estrangeira em relação às brasileiras é a quantidade de cabelos brancos. Bem mais lá do que aqui. Experiência é título. Deveria ser aqui também. Numa nova imprensa como essa, um jornalista de larga quilometragem seria Deus.

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Advogado no Recife (PE), ex-presidente do Conselho de Comunicação Social