Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A privatização subjetiva da educação pública

Foi publicado no blog do jornalista Luis Nassif , sob o título de ‘As bondades para 2010‘ (20/4). O texto afirma que foi dada a largada para o ‘pacote de bondades que já vinha ajudando o caixa da Abril. Agora é a vez da Folha e do Estado. Os jornalões paulistas vão ganhar cabeças e corações em todas as escolas paulistas já que a Secretaria [estadual da Educação] vai fazer 5.449 assinaturas dos dois periódicos’.


A compra foi anunciada no Diário Oficial do estado de São Paulo no sábado (18/4) do último do feriadão. Veja o trecho:




‘Despachos da Diretoria de Projetos Especiais, de 3-4-2009 – Declarando inexigível, com fundamento no Art. 25, inciso I, da Lei 8666/93 e suas atualizações, a licitação, para o processo 15/0199/09/04, cujo objeto é a aquisição de 5.449 assinaturas do jornal ‘O Estado de São Paulo’ destinadas a todas as escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, a serem fornecidas pela empresa: S.A. ‘O Estado de S. Paulo’. Ato Ratificado pelo Presidente da FDE nos termos do Art. 26 da referida Lei; com fundamento no Art. 25, inciso I, da Lei 8666/93 e suas atualizações, a licitação, para o processo 15/0200/09/04, cujo objeto é a aquisição de 5.449 assinaturas do jornal ‘Folha de São Paulo’ destinadas a todas as escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, a serem fornecidas pela empresa: Empresa Folha da Manhã S/A. Ato Ratificado pelo Presidente da FDE nos termos do Art. 26 da referida Lei.’


Entre os comentários dos leitores do blog do Nassif, ressalto dois. Um informa que o governo de Goiás também comprou – via Secretaria da Educação – revistas do Grupo Abril (citando a Nova Escola). Outro, de um professor do Movimento Comunidade de Olho na Escola Pública, traz uma série de questões:




‘Quem é que vai ler estes jornais? Cada escola tem cerca de 100 professores e mais de mil alunos. 2 jornais não dá para atender a todos. Qual é a proposta pedagógica para a utilização destes jornais? Estes jornais irão para a biblioteca da escola? Quantas escolas têm bibliotecas funcionando? Quem escolheu estes ‘jornais’? Por que não deixar que cada escola escolhesse o jornal ou periódico que mais lhe conviesse? Não seria mais produtivo gastar dinheiro disponibilizando acesso grátis à internet para todos os alunos e comunidade do entorno da escola? Estão funcionando os laboratórios de informática? Os alunos têm acesso à internet? Por que não gastar o dinheiro editando e publicando um jornalzinho feito pela própria comunidade escolar?’.


Justificativa vazia


Questões como as trazidas à tona pelo professor Mauro Silva são seriíssimas . Tratei de algumas delas no artigo publicado neste Observatório (‘Mídias na escola: quem regula?‘). Sabemos que as mídias trazem para os espaços educativos muito além dos seus conteúdos, o que já seria suficiente para, como sugere o professor, questionarmos a (não) participação da comunidade escolar na adoção dos materiais ou o projeto pedagógico a que responde a inclusão deste ou daquele veículo nas escolas públicas.


Sabemos que as mídias carregam consigo um modo de ver o mundo. Carregam valores, crenças, moral. E o governo do estado de São Paulo está levando os valores e a moral dos dois maiores jornais de circulação do país para as escolas públicas atendendo a que projeto?


Trata-se de um projeto oculto de socialização dos jovens paulistanos, da privatização subjetiva da escola pública. Como se não bastasse a privatização real, por meio das parcerias entre o poder público e o setor privado, agora a subjetividade dos jovens vem sendo privatizada, com valores defendidos pelas maiores empresas de comunicação do Brasil.


Falta regra que regulamente e fiscalize a entrada das mídias na escola. Porque não se trata de material didático como os livros. A adoção de materiais midiáticos (em especial as assinaturas da revista Nova Escola e agora de Folha e Estado) é feita sem licitação, sob argumentação do governo de que se trata de materiais únicos. Enquanto não houver legislação pertinente para regular a entrada das mídias na escola, a justificativa vazia continuará sendo dada para a adoção de materiais que, sabemos, provocam efeito superlativo por serem vistos pelas crianças e jovens como algo do campo do lúdico.


Na surdina


As mídias são linguagens extremamente atrativas para crianças e adolescentes. Entram na escola sob o argumento da modernização e da elevação da escola ao nível cultural que a sociedade hoje exige: ágil, técnico, midiático. E penetram nesses espaços sem qualquer regulação, obedecendo antes ao jogo político-ideológico do que ao projeto pedagógico.


São muitas as questões em jogo na relação entre mídia e educação pública (que responda ao interesse público). E elas precisam ser discutidas pelos ativistas, pesquisadores, educadores, agentes do campo educacional, alunos, comunidade escolar e escolas.


Enquanto não houver o debate, as escolhas serão feitas na surdina, sem debate público. Talvez conheçamos as conseqüências destas escolhas futuramente. Talvez, num futuro menos distante do que imaginamos. Afinal de contas, 2010 está aí.

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Jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutoranda em Educação (FE-USP), assessora de comunicação da ONG Ação Educativa e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social