Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A santinha do pau oco

Nos século 18 e 19, os contrabandistas de ouro em pó, moedas e pedras preciosas utilizavam estátuas de santos ocas por dentro. O santo era ‘recheado’ com preciosidades roubadas e enviadas para Portugal ou outros destinos sem pagar o fisco. O mesmo que se faz hoje em dia com a cocaína e demais contrabandos de tóxicos, o ouro branco da nossa época, para percorrer os seus descaminhos. Na época, certamente o comércio de imagens deveria ser grande para que este meio fosse utilizado com vantagem e que a sua rotina não levantasse suspeita. Com o tempo serviu para se referir das pessoas que aparentam serem devotas, mas no fundo são ocas em relação à moralidade da religião oficial.

Três matérias sobre o assunto estiveram no OI na semana passada. ‘LIBERDADE RELIGIOSA – Sem preconceitos, mas cada um no seu lugar‘, por Carlos Brickmann em 17/3/2009. Um grande exemplo do mal que o ensino religioso faz para as nações do mundo. Até mesmo em simples convívio comunitário. Desde cedo o ensino da intolerância e o culto de idéias irracionais colocadas na cabeça das pessoas à custa da repetição alienante de uma falsidade filosófica. As pessoas acham apenas, porque foram criados para acreditar numa estupidez com devoção, que a sua estupidez seja mais verdadeira que a estupidez que consegue ver na fé dos outros que foram, de igual modo, criados para acreditar na estupidez diversa pela qual descrêem com lucidez. O uso da oração alienante da realidade para fazer a lavagem cerebral.

Fonte da intolerância

Já o doutor Deonísio da Silva, escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras, em 17/3/2009, reclama da imprensa pelo seu silêncio laico a respeito da: ‘MÍDIA & RELIGIÃO – Imprensa ignora primeira santa brasileira‘ na figura da beata de Albertina Berkenbrock, filha de Henrique Berkenbrock e de Josefina Boeing, nascida em 11 de abril de 1919, na localidade de São Luís, em Imaruí (SC), resistindo ao estupro, morreu virgem, degolada por um empregado da família.

Por fim, o senhor Leonel Vasconcelos Ximenes, Jornalista, editor de ‘Mundo’ e ‘Brasil’ de A Gazeta, Vitória, ES, em 17/3/2009, está no OI com a: ‘MÍDIA & HISTÓRIA – Idade das trevas?‘, reproduzido de A Gazeta (Vitória, ES), 8/3/2009. Um texto intrigante por ser pura propaganda religiosa particular num Observatório da Imprensa que teria por objetivo criticar a mídia. Mas não é a isto que o texto se refere.

O texto de Carlos Brickmann nos lembra que a religião não aprendeu nada nos cinco mil anos de crença num Deus único. A fonte da intolerância, uma prática que realmente nunca melhorou as pessoas na história. Seja neste bilionésimo exemplo de humilhação, seja nas guerras de motivação religiosa deste século, seja a pregação papal contra o conhecimento, as pesquisas mais básicas e a prevenção das doenças pelo uso de preservativo. Algo inútil para o progresso humanístico, com a qual devemos diariamente lutar contra para poder evoluir um pouco.

Escreve coisas tortas por linhas tortas

O doutor Deonísio da Silva, vendo alguma vantagem e verdade nesta falácia, reclama que a mídia deixou de dar divulgação e importância para a primeira santa católica brasileira. Pela primeira vez entrará no panteão de heróis do Império Romano um representante feminino. Na verdade um anacronismo e uma negação do velho testamento e do testemunho de Maomé, outro profeta enviado por Deus, que condena o endeusamento de pessoas e o uso de suas imagens para adoração. O grande mérito da nova candidata católica, que era uma criança de 12 anos, é que fora degolada pelo empregado pedófilo do pai, por se recusar ser estuprada, dizem. Um triste fim, mas que, convenhamos, nada de novo ou milagroso na história da humanidade para tanto alarde. As esposas romanas tinham que se matar para resistir a este tipo de ataque para mostrar a virtude. Não foi uma virtude criada pelo cristianismo, muito menos pelo catolicismo. Que tenha tido algum mérito metafísico por este ato é de se duvidar. Parece mais um caso freudiano ou peça de Nelson Rodrigues do que uma esperada alteração metafísica da alma sobrenatural. Como se pode atribuir um prazer ou gozo recusado pela criança no estupro aliviado pela degola? Como se pode atribuir alguma mácula para a mesma sendo ela vítima e sobrevivesse? Tanto que para ser canonizada na terra é necessário muita grana e não muito mérito com Deus, como nos demonstra o artigo.

Onde estava Deus quando esta criança de nove anos engravidou do padrasto? Onde estava Ele que permitiu que Josef Fritzl mantivesse a filha presa no porão por vinte e quatro anos como escrava sexual, tendo sete filhos dela? Onde está quando milhares de crianças são abusadas sexualmente dentro da Igreja? No mesmo lugar em que sempre esteve. Só na boca dos párocos e embusteiros.

O doutor Deonísio da Silva solicita atenção para a mídia deste ato inovador. O maior país católico do mundo está prestes a ter a sua primeira santinha. Apesar de 500 anos de dízimos sustentando paróquias e padres pedófilos conspurcando nossas crianças entre nós. Um dos menores países católicos, a Alemanha, que o papa garante que ocorreu o Holocausto, foi abençoada por Deus por um papa alemão. Além de um desenhista incompetente, Ele escreve por linhas tortas coisas mais tortas ainda.

Inquisição foi o ápice

Apenas chama a atenção a verdade insofismável. A falta de proteção alegada na fé em Deus. Pereceu como qualquer criança frente a um agressor que poderia querer estuprar, mas poderia também ter tido apenas o desejo de se vingar do patrão. Todos os anos nós lemos na mídia casos iguais. A verdade é que morreu como qualquer culpado ou inocente. Se ela foi para o céu por isto é uma questão irracional, de fé. Outras revelações negam esta possibilidade e prêmio tão fácil. Milhares de crianças cátaras foram mortas pela pureza da fé católica pelas suas crenças, e jamais serão ‘canonizadas’ pelo ‘testemunho’ de fé. Crianças obrigadas a abjurarem o judaísmo a força pela fúria religiosa cristã. Milhares de crianças enganadas pelo fanatismo nas cruzadas dos inocentes iludidos por este tipo de promessa falsa e exemplos fabricados.

Até porque devemos lembrar as crianças abatidas pela lascívia dos padres pedófilos através da história. Apenas hoje as pessoas têm mais confiança e liberdade, pelo apoio do estado laico, a desafiar um pároco e denunciá-lo na justiça. Coisa impensável nos anos em que o cristianismo foi incontestável como verdade. Em que até mesmo alegar que o geocentrismo era errado custava a vida.

O que nos leva ao jornalista Leonel Vasconcelos Ximenes e seu proselitismo diminuindo a importância da Idade Média, melhor chamada de idade das trevas. A cristianização do ocidente que se inicia já após a morte de Jesus e que começa a sua senda pela intolerância, pela queima de livros, bibliotecas, ataques a cientistas, pensadores, educadores, de hereges e simples divergentes. A inquisição foi apenas o ápice deste movimento religiosos que não trouxe nada de bem para a humanidade.

A verdade metafísica

O que trouxe de bom o cristianismo? Ele próprio apenas. O que é muito pouco mesmo para dois terços da humanidade. A destruição completa da cultura ocidental que apenas retorna com o renascimento dos valores pré-cristãos totalmente extinguidos por estes fanáticos. A filosofia, as escolas, as bibliotecas, a tolerância religiosas, a liberdade, os direitos humanos, a liberdade de pensamento, tudo destruído por mil anos de trevas. Mil anos de santinhos, missas, dízimos e opressão popular para manter as trevas em ordem do dia. O renascimento foi a redescoberta que outro mundo era possível. Que outro mundo existira no passado antes de ser destruído pelo cristianismo, agora descoberto pelo contato com os povos árabes, que preservaram esta cultura que o cristianismo queimara até as fundações. Que teria se perdido para sempre na história da humanidade se os árabes não os tivessem preservado. Um pouco apenas da enormidade que retornou do que fora destruída pelo cristianismo. A mesma sanha devastadora que iria praticar nas Américas destruindo toda a cultura, conhecimento e literatura do novo mundo. O que praticara na Europa romana já com os apóstolos destruído a cultura greco-romana. Todos os valores que prezamos como essenciais para a nossa existência moderna simplesmente não são valores cristãos. Liberdade, democracia, justiça, divisão do poder, separação da igreja do Estado, valorização da ciência…

O que hoje alegam ser a herança do cristianismo nada tem a ver com o mesmo. Todos os valores de que nos vangloriamos não são simplesmente cristãos. Já existiam muito antes, muito mais amplos, muito mais profundos humanisticamente. Os dez mandamentos são de uma mediocridade perto de códigos muito mais antigos e muito mais amplos. Dos dez, três já são absurdos para adorações de um Deus emocionalmente carente e sanguinário. Um decálogo que nem mesmo é acreditado hoje em dia de tão ultrapassado e mantido a força de coerção policial no passado. Quem hoje deixa de trabalhar nos fins de semana? Quem leva a sério no ocidente a proibição de reproduzir figuras da natureza? Quem hoje em dia aceita um casamento indissolúvel? Um Deus que envia o seu filho para ser ‘sacrificado como um carneiro’ para resgatar pecados é de um primitivismo da alma decepcionante. Este é a verdade metafísica que querem impor na sociedade? Por isto que mataram tanto através dos milênios?

Cegos não conduzem a humanidade

Só muito obscurantismo para aceitar isto como sendo uma cultura a qual devemos alguma coisa a não ser as trevas que criaram. Não foi por nada menos que teve que ser imposto à força, pela espada, pela fogueira, pela tortura de milhares de pessoas inocentes, pelos mil anos de trevas. Para passado dois mil anos a recém estarmos dando novamente valores à liberdade de pensamento, de crença, de imprensa, de organização, de religião, da democracia, do estado laico (que sonham em acabar pela democracia cristã). Tudo aquilo que foi destruído pelo cristianismo neste tempo todo em que a humanidade tentava se libertar das sua trevas. E que até hoje persiste em muitas mentes, em muitas práticas de pagar o dízimo, em ‘sustentar’ a obra de Deus, enriquecer pastores e igrejas que vivem se locupletando com os bens materiais tirados dos fiéis alienados esperando recompensas imaginadas. As virtudes de crer em Deus e desacreditar no próprio homem. Um Deus que precisa do homem para desfazer os males que Ele mesmo criou intencionalmente. Verdade ou um grande negócio da China para enriquecer uma minoria?

O alegado poder, prometido por Cristo, que os que o seguissem jamais se fizeram presentes. Apenas a falta dele para proteger os que abraçaram esta irracionalidade, como era de esperar de uma crença miraculosa falsa como as outras. Resta apenas a canonização para santos católicos dada pela própria igreja a preço de ouro tirado dos fiéis para tentar mostrar alguma recompensa fora da ilusória. E que nem mesmo os cristãos aceitam em unanimidade, muito menos os dois terços que não abraçam cegamente esta fé.

Deus ama as crianças. Por isto que criou a meningite, a encefalite, a tuberculose cerebral, a paralisia infantil, a coqueluche, difteria, os tsunamis, as enchentes, os pedófilos… Sinto muito, mas não são cegos que devem conduzir a humanidade.

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Médico, Porto Alegre, RS