Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A situação carcerária e o juiz de Contagem

Às autoridades constituídas, às instituições comprometidas com a Justiça e a defesa dos Direitos Humanos, à imprensa

As últimas notícias a respeito da situação carcerária no município de Contagem/MG e o massacre da imprensa sobre o Juiz da Vara de Execução Criminal e Corregedoria de Presídios, Dr. Livingston José Machado, por suas atitudes corajosas, estão sendo acompanhadas com atenção por quem, de fato, preocupa-se com a defesa dos direitos humanos. A Comissão Pastoral dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Belo Horizonte sente-se no dever de fazer algumas considerações à luz de princípios basilares do Estado Democrático de Direito, no qual julgamos estar.

A Constituição da República Federativa consagrou como fundamental, dentre outros, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana a ser observado sempre, em todas as circunstâncias. Temos também como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa, solidária; promover o bem de todos, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.

Foram consagrados, como Princípios Constitucionais Expressos, o Princípio da Humanização: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; aos presos é garantido o respeito à integridade física e moral.

Ao arrepio dos princípios Constitucionais, autoridades do Estado de Minas Gerais têm agido em total contradição de direitos fundamentais heroicamente conquistados. O Governo Estadual tem a obrigação de se submeter à Constituição, pois ‘a República constitui-se em Estado Democrático de Direito’.

Membros da Comissão Pastoral de Direitos Humanos estão acompanhando, há meses, a situação dos presos em Contagem. Estiveram no 2º Distrito de Polícia Civil daquela cidade, apurando denúncias de familiares dos detentos, que reclamavam de tratamento degradante, desumano e cruel (maus-tratos, espancamentos etc.)

Foram testemunhas de barbáries cometidas contra os detentos, ao visitar, em 27 de setembro p.p., todas as celas daquele Distrito. Constataram que vários presos eram portadores doenças de pele infecto-contagiosas. O espaço reservado a cada preso correspondia a 32 cm2; alguns declararam ter projéteis de arma de fogo alojados na cabeça, na perna e até no olho, sem que lhes fosse dispensado tratamento médico adequado (não havia remédio sequer para aliviar-lhes a dor!). A situação era de absoluta desumanidade: paredes mofadas, teto preste a desabar, falta de iluminação, esgoto passando na porta da cela, detentos seminus.

O Poder Judiciário, o Ministério Público, a Ouvidoria de Polícia, a Secretaria de Defesa Social, a Comissão de Direitos Humanos da ALMG, há muito tempo, têm ciência da situação insustentável dos presos de Contagem. Portanto, esses órgãos estavam em condições de saber que, a qualquer momento, poderia acontecer um colapso no sistema prisional de Contagem.

O Juiz, Dr. Livingston José Machado, no exercício de sua função, buscava enfrentar a situação, comunicando sistematicamente aos órgãos competentes o drama vivido no sistema carcerário local. Porém, o governo se mostrou inoperante. Esforçou-se, em vão, para transferir os detentos daquelas unidades.

Com base nos Princípios Constitucionais e na Lei de Execução Penal, fazendo visita in loco, e verificando a bárbara situação, o Magistrado aplicou acertadamente o princípio da humanidade, suspendendo a execução de pena de presos condenados, pois aquele estabelecimento não possuía as mínimas condições de acautelamento de um ser humano. É inaceitável que, até mesmo, um animal irracional seja tratado daquela maneira.

O Egrégio Tribunal de Justiça, em Mandado de Segurança impetrado pelo Estado, concedeu liminar para cassar a decisão do Juiz, quanto à interdição do estabelecimento e aos alvarás de soltura. E proibiu o Juiz de interditar qualquer estabelecimento e conceder mais alvarás de soltura.

Ora, a decisão do Tribunal é flagrantemente arbitrária, ao impedir o exercício da função do Juiz, em total desrespeito à Constituição Federal. O Tribunal espera o quê dos magistrados? Somente a aplicação das leis em benefício do Estado?

Apoio irrestrito

Ademais, registre-se a subserviência da imprensa mineira, focalizando o Dr. Livingston José Machado como um ‘Juiz que solta bandidos’ e o Governo Estadual, como uma instituição ‘preocupada com os cidadãos, cheia de boas intenções’.

Desde o início de atual gestão, o Governo do Estado alardeia, aos quatro ventos, sua intenção de enfrentar a calamitosa situação carcerária. Entretanto, gasta-se mais em propaganda do que em políticas públicas para prevenção da criminalidade.

É curioso saber que a Procuradoria de Justiça designou uma comissão para investigar a atitude do Juiz. Por que não instaurou uma comissão para investigar as atitudes e as omissões inconstitucionais do Governo Estadual? Age-se ao arrepio da Constituição e da Lei de Execução Penal. O próprio Ministério Público entrou com ação judicial para interditar o 1º Distrito Policial de Contagem.

A Comissão Pastoral de Direitos Humanos deseja que as condições de vida do povo sofrido e excluído, incluindo a população carcerária, sejam dignas de seres humanos e o respeito pela dignidade humana prevaleça sobre a barbárie.

Manifestamos nosso apoio irrestrito ao Dr. Livingston José Machado, ao se pautar, corretamente, pelos Princípios Constitucionais e auguramos que mais juízes possam também se nortear por esses mesmos princípios, no exercício de sua função.

Belo Horizonte, aos 29 de novembro de 2005.

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Arquidioce de Belo Horizonte